Publicado em 24 de março de 2020 às 18:53
Sete em cada dez pacientes graves com coronavírus são obesos ou estão acima do peso, revela dados do serviço de saúde inglês, o NHS, obtidos a partir de admissões nos centros de cuidados intensivos no Reino Unido.>
Foram analisados 196 pacientes internados entre segunda (16) e quinta (19) da semana passada. Desses pacientes, 16 morreram.>
O estudo, liderado pelo Centro Nacional de Pesquisa e Auditoria em Terapia Intensiva, mostra que 71,7% dos que estão nas UTIs por Covid-19 têm excesso de peso - na população adulta em geral, a taxa é de 64%.>
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Outra informação que chama atenção no levantamento: perto de 40% dos doentes estão na faixa etária idade abaixo de 60 anos.>
No Brasil, onde 55,7% da população adulta está com excesso de peso e 19,8% é obesa, alguns serviços de saúde já começam a perceber uma possível associação entre obesidade e quadros mais graves de infecção por coronavírus.>
"Ainda é só uma impressão, não temos dados definitivos para dizer que há uma associação clara. Alguns colegas começaram a notar isso, mas não é geral, aparece mais em pessoas mais jovens e obesas. Não é regra entre os idosos", afirma o infectologista Esper Kallás, professor da USP.>
Segundo ele, talvez haja alguma alteração comum entre esse grupo (jovens obesos) e idosos, ainda não muito bem compreendida.>
Uma hipótese, diz o infectologista, é que essas alterações estejam no que se chama de resposta inata. "Não é uma coisa construída com anticorpos, com imunidade celular, mas sim algo que está presente no germe. Cabe uma reflexão para a gente entender melhor porque essas pessoas [jovens obesos] vão pior.">
Não é a primeira vez que a relação entre obesidade e infecção viral é estabelecida. Um estudo da OMS (Organização Mundial da Saúde) sobre a pandemia do H1N1 em 2009, já relatava uma associação entre a obesidade e os quadros mais graves da doença. A publicação envolveu uma revisão de resultados de 70 mil laboratórios de 20 países.>
A obesidade é uma doença crônica que envolve um inflamação contínua do corpo, que é o que leva ao aparecimento de inúmeras doenças como diabetes, hipertensão e até o certos tipos de tumores.>
Essa inflamação tem influência direta sobre o sistema imunológico, principalmente sobre as células adiposas, segundo o cirurgião bariátrico Caetano Marchesini, pesquisador e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica.>
"Os adipócitos, células especializadas em acumular gorduras no corpo, tomam volume e começam a comprometer a circulação do sangue que as supre de oxigênio. Isso causa uma hipóxia, morte celular com liberação de ácidos graxos na circulação, levando a uma resposta inflamatória com ativação de vários mecanismos que comprometem a imunidade dos pacientes.">
Outra hipótese é que a obesidade promova defeitos no sistema imunológico alterando a contagem de leucócitos, além da resposta dessas células a condições infecciosas.>
Entre as explicações estão o aumento da produção de um hormônio chamado leptina e a diminuição de outro, a adiponectina. O primeiro promove inflamação e o segundo é um hormônio anti-inflamatório. O aumento da leptina tem efeito direto sobre as células imunológicas.>
Segundo Marchesini, as recomendações e os cuidados nesse momento de pandemia não mudam para pessoas obesas, mas precisam ser reforçados. "Pacientes com obesidade devem tomar ainda mais cuidado para não se contaminarem.">
A pesquisa britânica também mostra que a média dos pacientes graves com coronavírus é de 63 anos, e sete em cada dez casos são de homens. Pouco mais de 10% dos pacientes estudados tinham condições de saúde mais sérias - 4%, com problemas renais, 3% com doenças pulmonares e 3,7% eram imunodeprimidos.>
s atuais políticas de enfrentamento do coronavírus no Reino Unido e em outros países têm priorizado pessoas com idade média de 70 anos, que sejam frágeis e tenham doenças associadas.>
Vários estudos internacionais também sugerem que nesse grupo estarão concentradas as maiores taxas de mortalidade --acima de 15% nos que têm mais de 80 anos.>
Esse novo levantamento sugere que muitos casos envolvem pessoas jovens, que vivem independentemente e não têm condições sérias de saúde além do excesso de peso.>
Embora os pacientes obesos tenham mais chances de ter diabetes e hipertensão, esses dados não foram coletados na pesquisa.>
Segundo o médico Bharat Pankhania, da Universidade de Exeter, apesar de esses doentes críticos na UTI serem jovens, isso não quer dizer que sejam saudáveis.>
"Altos níveis de gordura corporal deixa as pessoas vulneráveis a várias condições, como problemas cardíacos e artrite, e talvez mais predispostas a infecções pelo novo coronavírus. Não é uma doença só de pessoas velhas.">
Mas a pesquisa pode ter outros viés, pontua Ron Daniels, consultor de medicina intensiva do NHS Foundation. É possível que pacientes mais jovens e com mais chances de cura possam estar sendo priorizados nas vagas de UTIs.>
No fim de semana, o serviço de saúde inglês reforçou as orientações de que a idade não deve ser fator prioritário nessa escolha, mas sim o grau de fragilidade, medido numa escada de um a nove. Sendo um a pessoa saudável, robusta e que se exercita regularmente e nove, os doentes terminais.>
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