Publicado em 24 de março de 2020 às 12:55
A emergência global de saúde pública criada pelo avanço do novo coronavírus está levando ao desenvolvimento e teste de vacinas, medicamentos e diagnósticos numa velocidade sem precedentes.>
De todos os testes em execução ou planejados até agora, o mais ambicioso está sendo coordenado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e recebe o nome de ensaio Solidarity ("Solidariedade").>
O objetivo é abranger alguns milhares de pacientes em diversos países -por ora, estão confirmados braços do teste clínico na Argentina, no Canadá, na França, no Irã, na Noruega, na África do Sul e na Espanha, entre outras nações.>
Para desburocratizar ao máximo o início do ensaio, os hospitais que participarem oferecerão aos doentes um formulário de consentimento informado (no qual o paciente concorda em ser inserido no ensaio clínico) e, no caso dos que concordarem, a pessoa será colocada automaticamente num cadastro eletrônico da OMS.>
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Esse participante, então, passa a receber um dos quatro tratamentos pré-selecionados pelo teste, ou então o tratamento-padrão oferecido até agora aos infectados pelo Sars-CoV-2. A escolha da terapia específica para cada paciente será randomizada (ou seja, aleatória), procedimento feito para diminuir as chances de que haja um viés estatístico nos resultados.>
Boa parte dos pacientes deve receber medicamentos que foram criados para combater outros tipos de vírus. Um deles é o remdesivir, projetado para enfrentar o ebola -e que não teve sucesso durante um surto recente da doença na República Democrática do Congo.>
O remdesivir bloqueia a ação da chamada RNA-polimerase, molécula responsável por formar a fita de material genético do vírus (que é feita de RNA, molécula "prima" do DNA do núcleo das células humanas). Em testes com animais, ele apresentou eficácia contra outros coronavírus, antes que o atual aparecesse.>
Dois outros fármacos incluídos no ensaio clínico da OMS são o lopinavir e o ritonavir, produzidos em grande escala desde o começo deste século como medicamentos contra o HIV, causador da Aids. Ambos barram a ação de moléculas do vírus importantes para a "linha de montagem" de suas proteínas.>
No papel, seria um meio ideal de enfrentar o Sars-CoV-2, mas o primeiro teste de pequena escala, com 200 pacientes chineses, não teve sucesso. É possível que o fracasso se deva ao estado já muito deteriorado da saúde desses doentes. O teste da OMS também deverá oferecer a dupla de remédios junto com interferon-beta, substância reguladora da atividade do sistema de defesa do organismo.>
Por fim, os ensaios clínicos do Solidarity também avaliarão o desempenho da cloroquina, droga normalmente empregada contra a malária.>
Apesar da empolgação dos presidentes Donald Trump e Jair Bolsonaro com essa molécula, seu sucesso contra a Covid-19 está longe de ser miraculoso, ao menos por enquanto. Os relatos publicados até agora por cientistas chineses e franceses não são detalhados o suficiente para avaliar a eficácia do medicamento.>
Testes com outros vírus indicam que o fármaco precisa ser usado em doses muito altas para ter efeito, com efeitos colaterais sérios, inclusive sobre o coração -que já é um fator de risco para muitos pacientes com Covid-19.>
Diversas equipes de pesquisa mundo afora, seguindo a mesma lógica da OMS, estão fazendo análises virtuais de fármacos já conhecidos, verificando se sua estrutura molecular poderia bloquear a invasão do novo coronavírus nas células. Avaliações desse tipo podem acelerar a busca por remédios eficazes e que talvez já estejam em uso contra outras doenças, o que também facilitaria os testes.>
O trabalho com possíveis vacinas contra o Sars-CoV-2 também acontece em ritmo acelerado. Nos EUA, uma empresa de biotecnologia e um instituto privado, com financiamento do governo federal, já estão ministrando a voluntários uma vacina de RNA, considerada bastante segura porque os pacientes não terão contato algum com o vírus real.>
Em vez disso, a vacina insere um trecho do material genético do parasita nas células humanas, as quais, por sua vez, encarregam-se da produção de uma proteína viral.>
Em tese, isso seria suficiente para que o organismo "achasse" que foi invadido pelo coronavírus e iniciasse uma reação de defesa, produzindo anticorpos, moléculas cuja função é neutralizar o invasor. Assim, o sistema de defesa do corpo estaria preparado para o contato com o verdadeiro Sars-CoV-2.>
A mesma abordagem está sendo adotada pela CureVac, uma empresa alemã, e por pesquisadores chineses.>
O problema é que ainda não houve aprovação de vacinas de RNA para uso comercial. Alguns testes indicam que a reação do sistema imune que elas conseguem provocar não seria forte o suficiente para proteger os pacientes.>
Pesquisadores do Incor (Instituto do Coração, ligado à USP) estão trabalhando com uma abordagem alternativa, que usa as chamadas VLPs (partículas semelhantes a vírus). Essencialmente, são "cascas" virais, sem material genético, mas carregando proteínas do coronavírus para induzir a resposta do sistema imune.>
Enquanto remédios e vacinas são testados, é crucial mapear quem já foi infectado pelo vírus e se tornou imune a ele por meio de testes relativamente rápidos e baratos. Diversos grupos de cientistas mundo afora estão trabalhando nisso, entre os quais o de pesquisadores do Laboratório de Engenharia de Cultivos Celulares da Coppe/UFRJ.>
O grupo, liderado por Leda Castilho, planeja disponibilizar a tecnologia para a realização de dois testes diferentes, um deles laboratorial e outro rápido e de fácil visualização, similar a um teste de gravidez de farmácia, afirma a pesquisadora.>
"Estamos fazendo o ajuste fino e validando as amostras testadas, comparando com os resultados de testes de PCR [mais caros e complexos, que identificam o material genético do vírus no sangue]", explica ela. Tais testes custariam apenas um quarto dos feitos atualmente com material genético, estima Castilho.>
Se tudo correr bem, seria possível transferir a tecnologia para empresas e entidades governamentais dentro de 30 ou 40 dias.>
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