Quem o vê segurando um cartaz amarelo que diz compre uma paçoca e ajude a formar um psicólogo, debaixo de um semáforo de Vila Velha, nem imagina que o rapaz é Landerson Freitas Queiroz da Silva, um ex-jogador de futebol que atuou como volante pelo Vitória, no final da temporada de 2015.
Mas é pela frase impressa no papel que ele chama atenção. Ele está ali para realizar um sonho: se formar em Psicologia. Estudante de uma universidade particular, ele precisa de cada 50 centavos para poder viver e pagar os estudos, que começaram no início deste ano, pouco antes da pandemia.
A batalha diária nas ruas, porém, começou bem antes. Frustrado no trabalho que tinha em um supermercado e inspirado por um livro de empreendedorismo, Landerson resolveu fazer um teste. Com o dinheiro que eu ganhava, mal dava para sobreviver. Decidi ir para o sinal e fui. O primeiro dia foi um misto de sentimentos, lembra.
Segundo ele, houve quem achasse bacana e o incentivasse, mas também quem o julgasse com o olhar além de trabalhar no semáforo, ele é negro. Tudo envolve a questão da minha pele, acaba influenciando, não tem jeito, garante. Focado, ele conciliou os dois serviços por quase seis meses.
No dia 2 de setembro de 2019, ele deixou o emprego formal. No dia 4, ele assinou uma proposta de bolsa para cursar o ensino superior fruto também do trabalho dele, em um sinal movimentado da Avenida Luciano das Neves, em frente a um shopping da cidade, onde passam milhares de motoristas diariamente.
Durante os cinco anos do curso de psicologia, ele tem a garantia de não precisar arcar com as mensalidades de quase R$ 1.500. No entanto, a cada semestre, o boleto da rematrícula bate à porta. Filho de uma dona de casa e de um segurança, ele é o caçula de três irmãos e o primeiro da família a fazer graduação.
O estudo acontece principalmente no período matutino. O despertador toca por volta das 6h. As aulas começam por volta das 7h e terminam às 12h45. É muito bom, parece que vivo um sonho. Estou encantado com a psicologia, afirma entre sorrisos. Às 14h, ele já bate ponto no semáforo, onde costuma ficar até o início da noite.
Atualmente, por conta do ensino à distância, ele tem duas manhãs livres: as de terça-feira e sexta-feira, quando aproveita para reforçar a venda das paçocas. Em média, ele vende cerca de 200 unidades desse famoso doce de amendoim por dia. O que o faz tirar uns R$ 100.
Além desses casos extraordinários de solidariedade, o jovem também se lembra de um dia em que foi reconhecido enquanto voltava para casa e recebeu R$ 100 de um homem: É para tirar xerox e apostar em você mesmo. Coincidentemente, nesta sexta-feira (21), ele também recebeu o incentivo de uma psicóloga.
Nascido em Salvador (BA), hoje ele mora no bairro Soteco, em Vila Velha, e diz se sentir em casa. A gente que é de fora do Estado ouve que os capixabas são muito fechados, mas, na verdade, são muito generosos. A partir do momento em que eles acreditam na pessoa, eles abraçam. Foi assim que aconteceu comigo, diz agradecido.
Como muitos meninos no Brasil, o sonho de Landerson era ser jogador de futebol e ele foi. Comecei cedinho, com uns 13 anos, e cheguei a me profissionalizar. Vivi do futebol, viajei e conheci muitas pessoas. Não fui nenhum Neymar (risos). A gente projetava muito mais, mas, mesmo assim, me sinto realizado, comenta.
Enquanto atuava dentro do campo, ele morou em São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Distrito Federal. Chegou até a ir para a Bolívia. Além do Espírito Santo, é claro, onde jogou pelo Vitória. A passagem pelo Alvianil de Bento Ferreira durou apenas alguns meses, durante o ano de 2015.
Depois de viver um tempo sem saber o que fazer quando largou o futebol profissional, Landerson prevê para o futuro uma mistura do passado e do presente. Além de exercer a psicologia, ele gostaria de montar um centro de formação de "jogadores-cidadãos" em terras capixabas.
Seria um projeto com psicólogo, fisioterapeuta, dentistas e médicos para formar atletas; mas que, se não derem certo, virariam bons cidadãos. Seria uma forma de doar um pouco do que a gente ganhou para a comunidade, vislumbra ele que se vê, daqui a cinco anos, formado, atuando na área e casado.
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