Publicado em 1 de julho de 2020 às 08:26
O Senado aprovou, nesta terça-feira (30), o projeto da "lei das fake news", de autoria do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), que cria medidas de combate ao discurso de ódio e à desinformação na internet. A proposta foi alvo de críticas de entidades e especialistas em Direito Digital, que apontaram que o texto poderia diminuir a liberdade de expressão e colocar em risco a proteção de dados dos usuários. >
Em resposta, o projeto foi reformulado pelo relator, senador Ângelo Coronel (PSD-BA), que excluiu algumas imposições previstas inicialmente, como a exigência para que usuários fornecessem o número de celular e do documento de identidade para abrir contas nas redes sociais. Ainda assim, especialistas avaliam que outras alternativas, sem ser a lei, devem ser colocadas em prática para o combate à desinformação. >
O texto recebeu 44 votos favoráveis e 32 contrários e nenhum destaque (pedido de alteração) foi aprovado. O projeto segue agora para a Câmara dos Deputados. Se for aprovado pelos deputados sem novas modificações, vai para a sanção do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Os senadores do Espírito Santo Fabiano Contarato (Rede) e Rose de Freitas (Podemos) votaram a favor, enquanto Marcos do Val (Podemos) votou contra.>
Para especialistas, contudo, o cenário de polarização política, acirrado durante a pandemia do novo coronavírus, não é favorável para a construção de uma norma que garanta os direitos constitucionais das pessoas ao se manifestar. Em resumo, criar uma lei em um momento delicado como o que vivemos pode sugerir que o que é exceção usuários que compartilham desinformação seja considerado como regra, restringindo o direito de muitos a fim de resolver o problema. >
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De acordo com advogados que acompanham a votação, consultados pela reportagem, já há mecanismos na legislação brasileira que permitem punir discurso de ódio e desinformação nas redes. A questão é que, muitas vezes, esses processos podem ser morosos e passar uma sensação de impunidade.>
A celeridade no julgamento dos casos, portanto, é um dos caminhos para coibir o compartilhamento desse tipo de conteúdo, de acordo com especialistas. Outras possibilidades também apontadas para lidar com o problema são incluir o debate no currículo escolar e incentivar as plataformas a serem mais transparentes e se autorregulamentarem.>
O professor de Direito Constitucional da FDV Adriano Sant'Ana Pedra explica que a liberdade de expressão deve ser regulamentada o mínimo possível, para evitar a restrição do direito das pessoas de manifestação. Para ele, a autorregulação das plataformas digitais pode ser uma proposta mais segura para combater a desinformação, sem criar brechas para qualquer tipo de censura.>
"De fato, a legislação tem que prever responsabilidades, mas grande parte delas já estão previstas, como a indenização por danos morais, o crime de racismo e o direito de resposta. Acho que um papel de autorregulação seria mais adequado", afirmou.>
Pedra, no entanto, reconhece que o papel das empresas é limitado. Elas podem ocultar ou apagar publicações e até suspender a conta de usuários, mas não podem os punir. "Para isso, há a legislação que já prevê alguns mecanismos. Uma maior agilidade do Judiciário poderia ser uma medida inteligente para mostrar que não há impunidade", complementou.>
Uma carta assinada por 47 entidades que atuam na defesa dos direitos humanos no Brasil pediram, na última quinta-feira (25), o adiamento da votação para melhor análise da proposta, que voltou para pauta nesta terça. Uma dessas organizações é o InternetLab, um centro de pesquisa independente que atua na área de Direito e Tecnologia. O diretor do grupo, Francisco Brito Cruz, também acredita que as empresas devem assumir a responsabilidade pelos conteúdos, mas não podem se encarregar, sozinhas, de combater a desinformação.>
Ele afirma que as empresas precisam dar mais transparência sobre quem promove anúncios, principalmente aqueles de cunho político, e como elas atuam removendo conteúdos em suas páginas. A partir daí, o Estado poderia usar os mecanismos que já dispõe para autuar quem comete crimes.>
Francisco Brito Cruz
Diretor da InternetLabO professor de Comunicação Social da Ufes e coordenador do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic), Fabio Gouveia, avalia que o melhor caminho para combater o discurso de ódio e o compartilhamento de informações falsas é a educação. Apesar de ser algo a longo prazo, ele defende que o debate sobre a cultura de respeito nas redes sociais e como identificar conteúdos nocivos deve ser feito desde as séries iniciais.>
"É importante garantir que as próximas gerações saibam lidar com o mundo digital melhor do que nossa geração tem lidado. As pessoas precisam ser tolerantes e saber respeitar opiniões contrárias. Esse é o caminho mais eficiente, mas é a longo prazo. É preciso inserir essa discussão nos currículos escolares, levar formação para professores e pais. Estamos em um futuro próximo onde todos vão ter redes sociais digitais. Não existe solução mágica, mas é importante que se debata o tema", disse.>
Uso do termo fake news não é consenso
O termo fake news (notícias falsas) é amplamente usado para definir conteúdos falsos ou enganosos compartilhados via redes sociais e aplicativos de mensagens, e virou o "apelido" para o projeto de lei aprovado no Senado. No entanto, a utilização dele é criticada por estudiosos da área, que preferem usar a palavra desinformação. A expressão, de acordo com a pesquisadora britânica Claire Wardle, líder da iniciativa First Draft, não explica a complexidade de todas as formas de mentira que existem hoje. Muitas das informações mais poderosas têm a forma visual. Não são sites que parecem notícias. Além disso, muito conteúdo problemático não é falso. É genuíno, mas usado fora de contexto, explicou para A Gazeta em 2018. Outro problema é que o termo fake news já serviu ao discurso de líderes autoritários de todo o mundo como arma, afirmou a pesquisadora. O objetivo é desacreditar o trabalho da imprensa quando não gostam de alguma notícia (tipo de texto jornalístico).
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