Publicado em 30 de junho de 2020 às 22:06
Sem aprovar nenhum destaque, o Senado concluiu nesta terça-feira (30) a votação do projeto de lei sobre fake news após um "vai e vem" de versões e uma série de polêmicas em torno da proposta. O texto recebeu 44 votos favoráveis e 32 contrários e nenhum destaque (pedido de alteração) foi aprovado. O texto segue agora para a Câmara dos Deputados. Se for aprovado pelos deputados sem novas modificações, vai para a sanção do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). >
Foram apresentados nove destaques, mas só dois foram votados. Os partidos retiraram sete dos requerimentos. O primeiro destaque rejeitado foi apresentado pela Rede. A proposta era suprimir o artigo sobre o cadastro de contas em redes sociais e nos serviços de mensagens privadas exigir do usuário documento de identidade válido, número de celular registrado no Brasil. Foram 41 votos contrários.>
O segundo destaque rejeitado foi o do senador Álvaro Dias (Podemos-PR) que queria retirar a exigência para os serviços de mensagens de guardar os registros dos envios de mensagens veiculadas em encaminhamentos em massa, pelo prazo de três meses. Foram 40 votos contra. >
O projeto tenta alterar a lei e implantar um marco inédito na regulamentação do uso das redes sociais, criando a chamada Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. O tema ganhou relevância nas eleições de 2018 e foi pautado pelo Senado neste ano de disputas municipais. Companhias do setor, porém, apontam risco de censura à livre manifestação do pensamento com a mudança na legislação.>
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O governo foi contra a aprovação do projeto. "Ainda não está adequado aos interesses nacionais", disse o líder do governo no Senado, senador Fernando Bezerra (MDB-PE). "A liberdade de expressão está sendo arranhada.">
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), afirmou em suas redes sociais que a nova Lei é imprescindível para a proteção da vida de todos os brasileiros. "Precisamos entender esse universo e reconhecer que liberdade de expressão não pode ser confundida com agressão, violência ou ameaça", escreveu o senador em sua conta do Twitter.>
O relator do projeto, Ângelo Coronel (PSD-BA), desistiu de diversos pontos polêmicos, como o aumento de pena para crimes cometidos por usuários na internet e medidas para enquadrar milícias digitais. O temor de parlamentares, tanto governistas como de oposição, era que uma mudança na lei se voltasse contra as redes ligadas a políticos no país. As plataformas, contudo, poderão ser responsabilizadas se não adotarem práticas contra a disseminação de notícias falsas. >
Pelo texto, as plataformas digitais - como Facebook, Twitter e WhatsApp - deverão colocar em prática uma política de controle da disseminação de notícias falsas da internet. Se não houver regras, a pena pode ser advertência ou multa relativa a 10% do faturamento das empresas no Brasil - a medida que previa suspensão das atividades foi retirada.>
As normas valem para plataformas com mais de 2 milhões de usuários. Essas empresas deverão barrar o uso de contas falsas e deixar claro publicamente quando determinado perfil é um robô, operado de forma automatizada. Aplicativos como WhatsApp e Telegram, por sua vez, deverão limitar a possibilidade de encaminhamentos em massa de uma mesma mensagem.>
O projeto enfrenta resistência das gigantes digitais. Além de resistirem à responsabilização, as companhias argumentam que há risco para os usuários. Um dos itens obriga os aplicativos de mensagens privadas a armazenar por três meses os dados de usuários que encaminharem correntes em massa. O argumento é chegar na raiz de uma fake news em investigação judicial ou na quebra de sigilo, por exemplo.>
Em entrevista ao Estadão/Broadcast, o diretor de Políticas Públicas do WhatsApp na América Latina, Pablo Bello, afirmou que a nova lei, se aprovada, será um "presente" do Brasil a regimes autoritários. "Eventualmente, países não democráticos poderiam acessar esse tipo de informação para perseguir ativistas, jornalistas e cidadãos comuns como nós que têm uma opinião, simplesmente. Em nenhum país do mundo existe um mecanismo de rastreabilidade como se propõe nesse projeto.">
Defensores do projeto argumentam, por outro lado, que apenas os metadados - uma espécie de "capa" no entorno das informações dos usuários - seriam guardados, e não os conteúdos. Para o executivo da empresa, esse nível de informação é preocupante e pode comprometer a privacidade de quem usa o aplicativo para conversas pessoais.>
"O argumento de vigilância sobre usuário é falacioso e descabido. Importante dizer que isso não difere em nada do que a Justiça hoje já faz. O Whatsapp, por exemplo, muitas vezes já é compelido pela Justiça para identificar uma cadeia de encaminhamentos", afirmou o relator.>
Outra medida do projeto para chegar aos autores de fake news é obrigar as empresas de telefonia móvel a recadastrar e autenticar a identidade de todos os portadores de chip pré-pago, evitando o uso de CPF "laranja" - em nome de outra pessoa - na linha de celular. Em uma quebra de sigilo, por exemplo, seria possível com isso identificar quem enviou mensagens com desinformação.>
Companhias do setor começaram a desenvolver um recadastramento dos números pré-pago, mas a avaliação é que a medida ainda é insuficiente para evitar o uso de CPF "laranja", o que motivou a obrigação do cadastro no projeto de lei.>
O projeto autoriza as plataformas a apagar conteúdos antes mesmo de uma decisão judicial em alguns casos, como quando há risco de indução ao suicídio, à pedofilia ou ainda um conteúdo manipulado sobre a identidade de algum candidato a cargo político. A exclusão de publicações sem aval da Justiça é outro alvo de críticas ao projeto.>
No caso de publicidades, as redes sociais deverão deixar claro para os usuários quando uma publicação é paga por patrocínio. "Não estamos atribuindo às redes sociais o papel de sensores ou juízes. O que pretendemos é assegurar um maior grau de transparência e objetividade, evitando que uma opinião livre sobre política, por exemplo, seja censurada", declarou Ângelo Coronel.>
Na votação do projeto, o Senado fez um movimento para restringir a atuação de políticos nas redes sociais, entre eles o presidente Jair Bolsonaro. O texto proíbe mandatários de cargos eleitos do Executivo e do Legislativo de bloquear seguidores em seus perfis nas redes sociais.>
Se a proposta for aprovada, a mesma regra valerá para ministros de Estado, secretários estaduais e municipais, dirigentes de autarquias e titulares dos Tribunais de Contas da União, dos Estados e dos municípios. "As contas não poderão restringir o acesso de outras contas às suas publicações", diz o texto do parecer do senador Ângelo Coronel.>
Usuário ativo de perfis no Facebook e no Twitter, Bolsonaro provocou polêmica em diversas ocasiões pelas publicações em suas contas sociais. Em março do ano passado, por exemplo, publicou um vídeo com cenas obscenas durante o carnaval, episódio conhecido como "golden shower." O chefe do Planalto também bloqueou alguns seguidores ao longo de sua atuação no Twitter.>
O relator do projeto desistiu da proposta de remuneração de conteúdo na internet. Inédita no País, a medida obrigaria plataformas de internet a remunerar produtores de conteúdo, como empresas de comunicação, por aquilo que é publicado em redes como Facebook e Twitter.>
Uso do termo fake news não é consenso
O termo fake news (notícias falsas) é amplamente usado para definir conteúdos falsos ou enganosos compartilhados via redes sociais e aplicativos de mensagens. No entanto, a utilização dele é criticada por estudiosos da área, que preferem usar a palavra desinformação. A expressão, de acordo com a pesquisadora britânica Claire Wardle, líder da iniciativa First Draft, não explica a complexidade de todas as formas de mentira que existem hoje. Muitas das informações mais poderosas têm a forma visual. Não são sites que parecem notícias. Além disso, muito conteúdo problemático não é falso. É genuíno, mas usado fora de contexto, explicou para A Gazeta em 2018. Outro problema é que o termo fake news já serviu ao discurso de líderes autoritários de todo o mundo como arma, afirmou a pesquisadora. O objetivo é desacreditar o trabalho da imprensa quando não gostam de alguma notícia (tipo de texto jornalístico).
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