Publicado em 29 de dezembro de 2019 às 15:54
Conseguir uma consulta médica, uma vaga na creche ou mesmo um emprego pode significar ter que percorrer uma via-crúcis no Brasil, e não é diferente no Espírito Santo. Em casos urgentes, há quem recorra ao auxílio de um político um vereador ou um deputado estadual, por exemplo , para chegar lá. As ajudas pontuais não resolvem o problema, no entanto, e podem até piorá-lo. >
O conferente José Rosa Teixeira, de 51 anos, morador da Serra, passava por uma fase difícil. Recém-divorciado e desempregado, viu a luz no fim do túnel: uma oferta de emprego. Para conseguir ser "fichado", como ele se refere à assinatura da carteira de trabalho, precisava passar por uma consulta com um cardiologista. E rapidamente. Pelo Sistema Único de Saúde (SUS) iria demorar e ele correria o risco de perder a vaga. A solução? >
Uma liderança da comunidade indicou uma clínica particular, de um vereador da cidade. Lá, o conferente foi atendido prontamente, não teve que pagar nada e conseguiu, a tempo, o emprego. "Se eu fosse no SUS, não dava. Era caso de emergência ou ia acabar perdendo a vaga. Tem dois meses que eu estou trabalhando", comemora. >
Parece um final feliz, mas nem tanto. Esse é um exemplo de clientelismo, em que, diante dos infortúnios da população, um político ajuda, pontualmente, a resolver um problema. Esperando, claro, gratidão na hora da eleição. Mas o problema maior, que é a falta de atendimento médico adequado, e no tempo certo, permanece. >
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Um estudo de 2017, do cientista político e professor da FGV Umberto Mignozzetti, aponta que o clientelismo até ajuda, sim, a reduzir a mortalidade infantil e a elevar o número de crianças matriculadas no ensino fundamental. Mas não adianta para questões mais complexas, como a melhoria da qualidade do ensino.>
Outro problema é que cabe aos parlamentares a fiscalização do Poder Executivo, ou seja, da prefeitura ou do governo do Estado. Como cobrar se às vezes o vereador ou o deputado depende de favores do próprio Executivo para conceder favores aos eleitores? E não seria até melhor para os políticos que oferecem a ajuda se as coisas permanecessem exatamente como estão? >
Para além de serviços de saúde ou na área educacional, há os pedidos de emprego. O líder comunitário Juliano de Oliveira, do bairro Aparecida, Cariacica, conta o que já virou rotina: "Tem vereador que consegue cargo para pessoas em empresas, principalmente nas que têm contrato com a prefeitura, para trabalhar em escola, como merendeira ou porteiro".>
Juliano de Oliveira
Líder comunitárioJuliano diz que discorda da prática e lembra que, em alguns casos, as pessoas recorrem a políticos apenas por falta de informação, em busca de serviços que elas poderiam conseguir sem ajuda.>
"No caso de serviços funerários, por exemplo, no Cras (Centro de Referência de Assistência Social) tem. Só que a pessoa não tem conhecimento, acha que foi o vereador que conseguiu o caixão. Mas, se ela for sozinha lá, ela consegue também. Só está mal informada", afirma o líder comunitário. >
Nos corredores da Assembleia Legislativa não é difícil encontrar quem esteja à espera de uma brecha na agenda dos deputados, às vezes no meio da sessão mesmo, para fazer um pedido, seja em prol delas mesmas ou de alguma entidade - alguns, diga-se de passagem, são pedidos legítimos. >
A reportagem de A Gazeta presenciou a movimentação nos últimos dias antes do recesso - quando a Casa não realiza sessões, iniciado em 18 de dezembro -, mas com a proximidade dos parlamentares e de seus assessores, muitos preferiram o silêncio. "Não vim falar com deputado não", afirmou um homem, logo após conversar com um deputado. >
É difícil imaginar que alguém que precisa de uma consulta médica com urgência ou que se desespera com os boletos para pagar enquanto está desempregado pare para divagar sobre o que seria melhor para a democracia ou para o sistema político brasileiro. >
"Numa sociedade em que a principal moeda de voto é o favor, é importante que o político tenha uma 'máquina de fazer favores'. E o Estado se transforma nisso", define o cientista político João Gualberto Vasconcellos.>
E a explicação é uma só: "Você precisar sempre de favores de poderosos é um sintoma de injustiça social. Numa sociedade em que todos têm acesso aos serviços do Estado o intermediário desaparece. O político hoje é uma espécie de despachante, é produto de um sistema social que não funciona". >
Mas à medida que se avança na construção da igualdade, da cidadania, no acesso aos serviços do Estado, essa intermediação desaparece e a política se desliga do plano do atendimento às demandas pessoais e vai para as demandas coletivas", resume. >
José, que precisou da ajuda de um vereador para conseguir uma consulta médica, agora tem plano de saúde.>
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