Publicado em 24 de julho de 2020 às 19:29
O pleno do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) começou a julgar, nesta quinta-feira (23), o processo administrativo disciplinar (PAD) que envolve a juíza Priscila de Castro Murad, titular da Vara Única de Fundão. A magistrada é acusada de manter baixa produtividade, destratar servidores, chegar atrasada ao trabalho, colocar estagiários para presidir audiências e favorecer grupos de advogados do município. >
O relator do PAD, desembargador José Paulo Calmon Nogueira da Gama, votou para aplicar a pena de censura, o que impediria, por exemplo, a juíza de entrar na lista de promoção por merecimento pelo prazo de um ano. Essa é a segunda sanção mais branda entre as previstas para processos administrativos. Houve, no entanto, divergência. >
O desembargador Samuel Meira Brasil Júnior considerou que a censura seria insuficiente e votou pela aposentadoria compulsória da magistrada, o que impediria que ela continuasse atuando como juíza. Punição administrativa mais grave, neste caso a magistrada seria aposentada com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço.>
A sessão foi encerrada após o desembargador Willian Silva pedir vista do processo, mais tempo para analisar o caso, com o placar em 5 a 3. Por enquanto, a censura tem a maioria dos votos.>
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Priscila Murad é juíza há 15 anos e recebe um subsídio mensal bruto de R$ 33,6 mil. A investigação foi instaurada em abril do ano passado após a Corregedoria da Corte apontar dez irregularidades na atuação da magistrada.>
A defesa alegou que as acusações de baixa produtividade se referem ao período em que a juíza estava de licença e que, em comparação com Varas de locais similares a Fundão, o quantitativo de sentenças está dentro da normalidade. O advogado Cristovam Dionísio de Barros Cavalcanti Júnior, em sustentação oral durante o julgamento do PAD, alegou nulidade do processo, devido a audiências realizadas sem sua presença e de testemunhas da defesa.>
O relator iniciou seu voto apontando que em cinco ocasiões diferentes a juíza não compareceu a audiências relativas ao PAD e apresentou atestado médico. Ficou provado, no entanto, que em uma das vezes Priscila não foi à audiência, mas estava trabalhando normalmente.>
"Foram cinco as audiências designadas para tentativa de oitiva das testemunhas e tentativa de interrogatório, sendo que em nenhuma delas a magistrada compareceu. Deixou evidente o intento procrastinatório e pouco cooperativo com a apuração dos fatos. Atrasar a conclusão do PAD foi claramente o objetivo da defesa", declarou Nogueira da Gama.>
O desembargador também destacou que os fatos narrados pelas testemunhas, que confirmam o que foi apontado pela Corregedoria, dizem respeito ao ano de 2017, quando a juíza já havia voltado ao trabalho e não estava, portanto, de licença, como alega a defesa.>
O relator destacou que, entre as acusações, estão o adiamento de júris, "para que fossem realizados apenas durante suas férias", favorecimento de grupos de advogados do município de Fundão e baixa produtividade com morosidade excessiva e injustificada. "Os depoimentos dos servidores confirmaram tudo isso", registrou.>
Quanto à acusação de atrasos por parte da magistrada, o desembargador ressaltou que, além de atrapalhar o início das audiências, Priscila Murad designava servidores, e até estagiários, para conduzir audiências até que ela chegasse.>
"Há evidência de que a magistrada chegava no Fórum por volta das 14 horas e as audiências eram designadas para iniciar às 13 horas. As audiências eram deflagradas e conduzidas até sua chegada por servidores e estagiários", relatou.>
Ao finalizar o voto, o desembargador considerou que as estruturas físicas e de recursos humanos da Vara Única de Fundão não são adequadas para a devida prestação jurisdicional, mas que isso não tira a responsabilidade da juíza diante das acusações.>
"Pelas informações colacionadas pela equipe correcional, não restam dúvidas de que as estruturas de funcionamento da Vara Única de Fundão não contavam, de modo satisfatório, com recursos humanos e instalações físicas adequadas à devida prestação jurisdicional. Isso não elide (elimina) a responsabilidade da magistrada, pois valores cruciais à carreira judicante, independência, imparcialidade, conhecimento e capacitação, cortesia, diligência, integridade profissional, dignidade, honra e decoro foram violados, todavia a punição deve ser atenuada, já que a má prestação de serviço provém da concorrência de causas. Assim sendo, a censura apresenta-se como a sanção mais adequada.">
O relator também afirmou que após a abertura do processo, a juíza teve uma melhora de comportamento e produtividade, o que pautou os desembargadores que seguiram seu voto. O próprio Nogueira da Gama, no entanto, ressaltou que a gravidade dos fatos poderia resultar em penas mais graves: >
José Paulo Calmon Nogueira da Gama
Desembargador do TJESAo proferir seu voto, que acompanhou o relator, o desembargador Fabio Clem de Oliveira ressaltou que a juíza não tem contra ela acusações de corrupção ou desvios de conduta, o que deve ser considerado. "Não podemos fechar os olhos para as reclamações, mas precisamos reconhecer ou pelo menos considerar o fato de que ela não tem contra ela acusações de desvio de condutas, e agora uma moção popular com mais de 500 assinaturas de cidadãos de Fundão reconhecendo o trabalho por ela prestado e pedindo que ela fique na Vara", ponderou.>
Divergindo do relator, o desembargador Samuel Meira Brasil Júnior considerou que a censura seria uma punição insuficiente. "A pena de censura não se adequa à gravidade dos fatos. As acusações são gravíssimas. A juíza usou de subterfúgios para não realizar júris por mais de 10 anos, inclusive em casos com o réu preso aguardando julgamento. Isso é gravíssimo. Em 2018 e 2019, a magistrada não fez nenhum júri. Resumindo, mesmo depois da abertura do PAD não há júri feito pela magistrada. Uma censura me parece insuficiente", sustentou.>
Quanto às condições da Vara, o desembargador argumentou que, durante o tempo que foi corregedor, encontrou inúmeras comarcas sem condições ideais "mas com magistrados dedicados que pelo menos faziam júri, pelo menos assumiam seus deveres funcionais".>
"Eu acompanho o relator quanto à fundamentação, mas com todo respeito, voto pela pena de aposentadoria compulsória", declarou.>
Os desembargadores Carlos Simões Fonseca e Namyr Carlos de Souza Filho seguiram o mesmo entendimento. A sessão foi encerrada após o desembargador Willian Silva pedir vista do processo. O caso deve voltar à pauta do Pleno na semana que vem, de acordo com ele.>
Além de alegar a nulidade do processo, afirmando que audiências foram realizadas enquanto estava internado e, por isso, não pode comparecer, o advogado Cristovam Dionísio incentivou os desembargadores a pedirem vista para "irem até Fundão, conhecer a realidade e não cometer injustiças". O advogado negou que a magistrada tenha baixa produtividade e alegou que em comarcas similares o quantitativo de processos é o mesmo.>
Cristovam também negou a acusação, feita pela Corregedoria e reafirmada pelo relator, de que Priscila Murad estaria utilizando a sala de júri para outros propósitos e apontou que as acusações contra ela não são de desvio de conduta ou corrupção.>
Cristovam Dionísio
AdvogadoQuando o processo foi instaurado, no ano passado, a Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (Anamages) saiu em defesa da juíza e alegou que Priscila estaria sofrendo "perseguição". A entidade negou que a magistrada tivesse baixa produtividade e alegou falta de recursos humanos no Fórum de Fundão. "Não admitimos que magistrados sejam alvos desse tipo de acusação, sob o risco de manchar suas carreiras e causar prejuízos pessoais incalculáveis", sustentou o presidente da Anamages, Magid Nauef Láuar, na ocasião.>
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