Publicado em 28 de março de 2020 às 12:52
Em meio à crise do coronavírus e a econômica que certamente se sucederá, outra já está presente: a crise política. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) quer transferir aos governadores a culpa pelo colapso econômico que vem a galope. >
Ele minimiza os riscos à saúde pública da pandemia enquanto os governadores tentam contê-la. E alguns ganham destaque.>
É difícil dizer qual será o saldo disso, vai depender da quantidade de mortes, a fidedignidade dos dados, já que provavelmente não haverá condições de testagem em massa para verificar a quantidade real de casos de Covid-19, e de qual discurso a população vai comprar.>
Se os governadores contiverem a doença, serão culpados pela crise econômica devido à estratégia de manter o comércio fechado para evitar a contaminação? É nisso que Bolsonaro aposta.>
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"A ideia é fingir uma preocupação menor com a questão sanitária, mas deixar que seu Ministério da Saúde defenda medidas plausíveis. Além disso, permitir que governadores estaduais e prefeitos arquem com o ônus de defender as medidas mais duras de isolamento e quarentena, enquanto o presidente da República alerta para seus óbvios riscos para o crescimento econômico e o emprego", afirma o cientista político Leandro Consentino, da Universidade Presbiteriana Mackenzie.>
Assim, Bolsonaro poderia dizer "eu avisei', sobre a crise e ainda que sempre soube que não haveria muitas mortes. >
"Jogar para os governadores o ônus é uma aposta arriscada. Não se sabe o tamanho da tragédia humana", pontua o também cientista político Rogério Baptistini.>
"É cedo para dizer se Bolsonaro vai se sustentar ou não, se os governadores vão se beneficiar ou não", avalia.>
Ele vê outro elemento da estratégia do presidente: falar para os seus, aquecer a militância, que é sensível ao discurso anti-ciência. >
Ao dizer que a Covid-19 é uma "gripezinha" e contestar dados de médicos, pesquisadores e da Organização Mundial da Saúde, o presidente pode soar "radical" ou "descontrolado", mas é isso mesmo que agrada os bolsonaristas. >
"Ele estava perdendo capacidade de mobilização. Recorreu ao 'gabinete do ódio' para realinhar as tropas, metaforicamente falando", diz.>
Há quem não veja "tropas" como uma metáfora e sim como algo literal. Para o cientista político da Universidade Federal de Pernambuco Adriano Oliveira, Bolsonaro pode, sim, estar abrindo terreno para uma incursão antidemocrática.>
"Se morrer muita gente, os governadores podem dizer que é culpa do Bolsonaro. Se morrer menos gente, que isso só ocorreu porque os governadores agiram. O que Bolsonaro quer é o caos. Ele aposta no caos econômico e na anomia social, com saques, manifestações", afirma.>
"Então ele pode implementar o estado de sítio ou chamar o Exército. E as Forças Armadas decidiram se o mantêm ou se forçam a renúncia e apoiam o Mourão (vice-presidente), que também é militar.">
O quadro desenhado por Oliveira ganhou impulso por uma declaração de Bolsonaro nesta sexta-feira (27). O apresentador de TV José Luiz Datena o questionou diretamente: "O senhor seria capaz de dar um golpe?". E o presidente respondeu: "Quem quer dar o golpe jamais vai falar que vai dar, tá certo?".>
Isso pode, no entanto, ser apenas mais uma das declarações de pouco apreço à democracia que o presidente tem manifestado em toda a sua carreira política.>
"Um golpe não defende da vontade de uma pessoa, reclamaria condições sociais e institucionais, apoio de atores políticos para sustentar esse golpe. Ele não conta com esses atores", destaca Bapstitini.>
Diretor da empresa de dados AP/Exata, Sergio Denicoli diz que desde a divulgação do resultado do PIB de 2019, apelidado de "pibinho", no início de março, a narrativa contra Bolsonaro ganhou espaço no Twitter.>
Com a crise do coronavírus isso foi além. Já com a resposta, os ataques de Bolsonaro à ciência e aos governadores, a militância se organizou. >
Nada é ao acaso. Nesta sexta Bolsonaro declarou que não "acredita" nos dados de São Paulo sobre casos de Covid-19. Imediatamente, surgiram na rede teorias da conspiração de que médicos seriam obrigados a registrar qualquer morte como sendo decorrente do contágio pelo novo coronavírus.>
Essa militância é formada por pessoas reais e outras nem tanto. São os perfis de interferência e robôs atuando em sincronia.Isso incentiva, no entanto, os seguidores de carne e osso do presidente, os mobiliza.>
O cenário hoje está polarizado, como aponta Denicoli: 56% das menções a Bolsonaro são negativas no Twitter e 44% são positivas. >
A ideia central é fingir uma preocupação menor com a questão sanitária, mas deixar que seu Ministério da Saúde defenda medidas plausíveis. Além disso, permitir que governadores estaduais e prefeitos municipais arquem com o ônus de defender as medidas mais duras de isolamento e quarentena, enquanto o presidente da República alerta para seus óbvios riscos para o crescimento econômico e o emprego.>
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