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O desigual direito de licença médica nos setores público e privado

O desigual direito de licença médica nos setores público e privado

Enquanto mulher diagnosticada com câncer aguarda do INSS há sete meses o auxílio-doença, sargento da PM investigado por agredir frentista está afastado desde janeiro, recebendo sem trabalhar

Publicado em 4 de novembro de 2020 às 12:27

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Policial deu tapa na cara do frentista e apontou a arma para ele
Policial deu tapa na cara do frentista e apontou a arma para ele . (TV Gazeta)

Durante a pandemia do novo coronavírus, muitos trabalhadores da iniciativa privada tiveram dificuldades para receber o auxílio-doença pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS). O problema prossegue com gente na fila à espera do benefício, vivendo empecilhos para agendar o serviço ou ter o atendimento. Enquanto isso, no setor público estadual, existem funcionários investigados por irregularidades ou por abuso de autoridade que se afastaram por licença médica sem qualquer barreira, tendo seus salários pagos mesmo sem trabalhar.

As duas situações mostram o abismo de direitos que existe para a população que atua no setor privado em relação àqueles que estão vinculados ao funcionalismo. A discrepância é fomentada ainda mais pelos quadros que mostram a ineficiência dos órgãos no atendimento ao cidadão comum. Já os grupos inseridos nas classes mais privilegiadas, como os servidores, conseguem ter seus pedidos agilizados pelo que é chamado de RH do Estado. 

Como a perícia do INSS ficou suspensa de março até  setembro, voltando apenas de forma gradual, alguns profissionais incapacitados às atividades laborais estão na fila do INSS aguardando a perícia e o pagamento do auxílio garantido a todo brasileiro que contribui ao Regime Geral da Previdência. 

Esse é o caso da cuidadora de idosos Marinilza de Jesus, que foi diagnosticada com câncer de mama em dezembro do ano passado e esperou sete meses para receber o auxílio-doença. Mesmo com a doença comprovada com exames e um laudo médico recomendando afastamento por um ano, a profissional recebeu o benefício apenas por dois meses.

O problema dela, aliás, começou antes da pandemia, quando o INSS já demonstrava estar sufocado de pedidos sem resposta ao usuário no prazo legal, de 45 dias após a entrada. Na época o órgão alegava falta de mão de obra para atender a demanda embora tivesse há alguns meses antes digitalizado os principais serviços.

"Passei de janeiro até julho sem nada, fui receber em agosto. Aí recebi agosto e setembro. Acabou. Não fiz a perícia e agora estou tentando me cadastrar para fazer", explicou a trabalhadora. "É muita burocracia. Tem que aguardar, estou aguardando".

Durante a pandemia, faltam peritos no INSS
Durante a pandemia, perícia do INSS ficou interrompida por meses. (Reprodução/TV Gazeta)

Enquanto isso, na última semana, Marinilza viu um policial militar acusado de agredir um frentista conseguir a quarta licença só este ano. Clemilson de Freitas já está há 694 dias de licença desde que entrou na Polícia Militar, segundo o Portal da Transparência do governo do Estado. Ao todo, são quase dois anos sem trabalhar por motivos de saúde e recebendo por isso.

O advogado trabalhista Marco Antônio Redinz explica que servidores públicos, como é o caso do policial, seguem regras diferentes para conseguir uma licença médica e não dependem de perícia médica do INSS.

No caso dos militares, o Estatuto da PM assegura um procedimento ainda mais simples e rápido para conceder o afastamento por motivos de saúde. Segundo o documento, basta o policial entregar o atestado médico ao seu comandante, para que ele possa adequar as escalas de serviço.

A autoridade militar deve encaminhar o atestado ao Centro de Perícias e Promoção da Saúde em até três dias úteis. Ao encerrar o período de afastamento, o policial deverá comparecer novamente ao centro em até três dias úteis, para uma nova avaliação médica que vai definir se ele volta ou não ao trabalho.

"Dentro do corpo da PM, há um centro de perícias militares. O policial passa por ela, diferente do trabalhador que precisa ir ao INSS e passar por todos aqueles procedimentos, para ter ou não direito ao beneficio. É um procedimento aparentemente mais simples para o policial militar", considerou o advogado.

O procedimento de perícia para um trabalhador comum por meio do INSS é diferente, também, de outros servidores públicos, seja das esferas municipal, estadual ou federal, como explicou Redinz.

"Cada um deles tem normas específicas para trabalhar de atestado médico, perícias, vai depender da lei que regulamenta a norma dessa relação", considerou.

Já os trabalhadores privados, aqueles inscritos na CLT ou autônomos, a licença com direito à remuneração vale no máximo por 15 dias. E o tempo de espera por uma perícia demora.

Durante a pandemia, o atendimento presencial foi suspenso, e há agências do INSS onde faltam peritos. No Espírito Santo, das 31 agências do INSS, 20 estão funcionando normalmente, mas só são atendidos aqueles que agendaram pelos canais remotos, internet ou telefone. Apenas 12 agências estão fazendo perícias, com 25 médicos.

"Pela percepção em relação ao trabalhador, empregado regido pela CLT, que faz o recolhimento mensal, acaba sendo uma situação muito mais desgastante. A concessão do benefício vai depender de várias questões e, muitas vezes, nem sempre o trabalhador consegue receber o benefício, mesmo tendo direito".

Mesmo com exames e laudos, mulher não consegue agenda perícia para obter auxílio
Mesmo com exames e laudos, mulher não consegue agenda perícia para obter auxílio. (Reprodução/TV Gazeta)

Para o especialista, por mais que pareçam desiguais as regras para trabalhadores do setor público e privado, esse protocolo é o que prevê a legislação trabalhista do país.

Marinilza ainda tenta agendar uma nova perícia e mostrar o laudo que aponta o tratamento para o câncer de mama. Mesmo sem condições financeiras, ela chegou a contratar um advogado.

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E enquanto tenta receber novamente o auxílio-doença de pouco mais de mil reais, a cuidadora descobriu mais uma doença. Ela está com um tumor na cabeça, e chega a pensar em desistir de receber o benefício. "Penso em deixar pra lá. Mas é um direito nosso. Vou tentar mais uma vez", disse.

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