> >
Justiça do Trabalho no ES manda app assinar carteira de motorista

Justiça do Trabalho no ES manda app assinar carteira de motorista

Juíza do Trabalho decidiu que há entre o profissional e a plataforma subordinação. Entendimento contraria posição de órgãos superiores sobre o tema

Publicado em 5 de novembro de 2020 às 11:16

Ícone - Tempo de Leitura 0min de leitura
Uber
Juíza do Trabalho reconheceu o vínculo de emprego entre a Uber e motorista. (Mercello Casal Jr./ Agência Brasil)

A Justiça do Espírito Santo reconheceu vínculo empregatício entre um motorista e uma plataforma de aplicativo. Com isso, a Uber terá que fazer registro na carteira do profissional e pagar a ele verbas rescisórias e demais direitos trabalhistas. A empresa terá ainda que pagar uma indenização por danos morais. A sentença contraria entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e também do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que em outros casos julgou improcedente os pedidos dos agentes autônomos.

A decisão foi da juíza da 6ª Vara do Trabalho de Vitória, Andrea Carla Zani. Em sua deliberação, a magistrada entendeu que havia, entre o profissional e a plataforma, subordinação, alteridade, onerosidade, não eventualidades e pessoalidade.

O autor da ação trabalhou como motorista do aplicativo entre outubro de 2015 e março de 2019. No processo, o profissional relatou que a escolha de dias e horários de trabalho era feita por ele, mas que o aplicativo, por meio de promoções, induzia à continuidade da jornada de trabalho. Ele disse ainda que recebia advertências sobre a forma de dirigir e chegou a ser excluído da plataforma depois de ficar doente e fazer diversos cancelamentos.

Por sua vez, a Uber, no processo, ressaltou que apenas fornece a ferramenta capaz de hospedar solicitações de viagens e que a relação profissional é apenas comercial e não de trabalho.

A sentença da juíza contraria um entendimento estabelecido, em setembro, pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST). Na ocasião, a Corte negou a existência de vínculo trabalhista entre a Uber e os motoristas que prestam serviço para a plataforma, por entender que não havia elementos que configurassem uma relação de emprego, previstos na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT).

De acordo com especialistas, a situação entre motoristas e plataformas ainda carece de uma regulamentação específica porque se trata de uma nova relação de trabalho. Enquanto isso, a circunstância provoca uma insegurança jurídica, justamente por não ter que existir uma legislação ou jurisprudência sobre o assunto.

“Esta é uma nova forma de se relacionar profissionalmente e ainda não há um modelo adequado que visa a resguardar essa relação, ou seja, não há um tratamento do Estado sobre o assunto. Há algumas particularidades que merecem ser tratadas em forma de lei. Enquanto isso, vão tentar colocar nova relação dentro de modelos que não se encaixam na legislação atual. É bom lembrar que relação de trabalho não é igual à de emprego. Podemos citar como exemplo o que ocorreu com a categoria de representantes autônomos, que há alguns anos, passou pelas mesmas situações e foi regularizada tempos depois, com alguns direitos resguardados no caso de suspensão de contrato”, ressalta o especialista em Direito do Trabalho, Henrique Fraga.

O advogado, Guilherme Machado Costa, concorda que o governo vai precisar formular uma lei para regulamentar a vida do trabalhador de plataformas digitais. “O Estado deve encontrar uma forma de gerar equilíbrio para não achatar ou até mesmo quebrar as empresas e conceder o mínimo de segurança social para o trabalhador”, destaca.

Costa lembra que a decisão da 6º Vara do Trabalho de Vitória ainda não foi confirmada pelo Tribunal Regional do Espírito Santo (TRT). Esta é a primeira ação, no Espírito Santo, que considera o motorista do aplicado como empregado, concedendo todos os direitos e garantias presentes na CLT, conforme lembra o advogado. Em todo o país, já são mais de 200 reclamações trabalhistas requerendo o reconhecimento do vínculo empregatício, sendo a maior parte das decisões improcedentes.

No Superior Tribunal de Justiça (STJ), o ministro Moura Ribeiro, decidiu recentemente que “os motoristas de aplicativo não mantêm relação hierárquica com a empresa Uber porque seus serviços são prestados de forma eventual, sem horários pré-estabelecidos e não recebem salário fixo, o que descaracteriza o vínculo empregatício entre as partes.”

Uma outra decisão, desta vez do Tribunal Superior do Trabalho (TST), também não reconheceu o vínculo empregatício, sendo o principal argumento adotado pela 5ª Turma a existência de “ampla flexibilidade do autor em determinar sua rotina, seus horários de trabalho, locais que deseja atuar e quantidade de clientes que pretende atender no dia”.

“Até o momento é a única decisão do TST sobre o tema. Caso as decisões de reconhecimento de vínculo empregatício sejam confirmadas pelos Tribunais Superiores poderá trazer sérios impactos não só a Uber e aos respectivos motoristas, mas para todo o setor da informalidade que é composto por muitos tipos de serviços gerados por aplicativos como as entregas em domicílio, cuidados da casa, turismo e reparos em geral”, avalia o advogado.

Na avaliação de Costa, grande parte dos motoristas da plataforma se opõem a formalização do emprego, isso porque os profissionais contam com flexibilidade nos horários e inexistência de patrão os permite ganhar mais dinheiro, gerando a possibilidade de conciliar o trabalho com outros aplicativos.

Para o especialista em Direito do Trabalho, Henrique Fraga, uma relação de emprego pode ser confirmada pela habitualidade, o que não ocorre com os motoristas de aplicativos. “Na minha visão, a juíza tentou colocar uma nova relação de trabalho num modelo de emprego que não se encaixa”, destaca.

O advogado trabalhista Antônio Augusto Genelhu Júnior lembra que os juízes podem julgar de forma independente, mas havendo precedentes, as decisões devem ficar vinculadas aos tribunais superiores.

“Quem comanda o entendimento é o TST. Quando há uma série de julgamentos e o pleno consolida todo o entendimento, é elaborada uma súmula, que deve ser aprovada pelos ministros e todos os outros magistrados precisam seguir”, destaca.

A batalha judicial entre o aplicativo e os trabalhadores também acontece em outras partes do mundo. Uma lei da Califórnia, nos Estados Unidos, obriga a Uber e a Lyft a contratarem dezenas de milhares de motoristas e oferecerem benefícios, como seguro de saúde e horas extras.

Diante do impasse, as duas empresas apresentaram uma proposta para preservar o modelo de motorista independente e decidiram realizar um referendo para selar alguns compromisso. A sugestão foi aprovada no Estado, onde 58% dos eleitores votaram “sim”. Dentre as propostas, está manutenção do atual modelo de contrato, porém os motoristas poderão receber algumas compensações, como renda mínima garantida, uma contribuição para um seguro de saúde e outros seguros.

Este vídeo pode te interessar

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais