Alexandre Schwartsman, economista
Alexandre Schwartsman, economista
Alexandre Schwartsman

"Falta protagonismo do Executivo para levar as reformas adiante"

Economista e ex-diretor de assuntos internacionais do Banco Central é otimista com relação ao crescimento da economia em 2020, mas acredita que o presidente Bolsonaro precisa dar mais atenção à agenda de reformas.

Alexandre Schwartsman, economista
Publicado em 20/01/2020 às 05h00
Atualizado em 20/01/2020 às 05h00

O ano de 2020 começou em clima de otimismo: especialistas e empresários apostam em um crescimento econômico superior ao visto nos últimos tempos, em uma retomada pós-crise. Essa visão é compartilhada pelo economista e ex-diretor de assuntos internacionais do Banco Central Alexandre Schwartsman. Ele ressalta, contudo, que o país ainda tem um longo caminho pela frente, principalmente na aprovação de reformas importantes como a tributária e administrativa.

Para Schwartsman, os juros baixos têm dado um alívio no endividamento crescente do país, mas o problema central precisa ser atacado com mais furor. “Não vamos ficar permanentemente com uma taxa Selic tão baixa como está agora (em 4,5%). Temos uma janela de oportunidade de dois a três anos para aprovar reformas que sinalizem que as contas públicas vão ficar em ordem”, diz.

Crítico da atuação do presidente Jair Bolsonaro, ele avalia que as políticas propostas pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, têm ido na direção certa. Porém, têm esbarrado na dificuldade de articulação do Executivo nacional. “O ministro tem feito a parte dele, de formular uma série de coisas, mas não dá para resolver tudo no ‘posto Ipiranga’. Falta comando. Falta um papel de protagonismo do Executivo para levar essas reformas adiante”, avalia.

Voltando ao clima de otimismo, o economista aposta na aceleração da geração de empregos, vindos principalmente da construção civil. Confira entrevista:

Assim que 2019 começou, havia uma crença de que teríamos uma melhora significativa na economia. Mas o crescimento esperado não se concretizou. Esse ano, novamente há esse otimismo. O que faz crer que será melhor?

Há diferenças com relação com a relação à época entre o final de 2018 e o início de 2019. Tivemos uma série de eventos contrários que não vimos no início. Vários foram imprevisíveis: há a estimativa de que o desastre em Brumadinho (rompimento de barragem de rejeitos em Minas Gerais da Vale, em janeiro de 2019) possa ter custado meio ponto percentual do Produto Interno Bruto (PIB) no ano. Também não foi devidamente levado em conta o colapso da economia argentina, por exemplo. E a Argentina é um pedaço importante das exportações de manufaturados do Brasil. O que embasa de maneira mais sólida a capacidade de crescimento melhor este ano é que já conseguimos encaixar esses efeitos negativos, em particular o que houve na Argentina, nas nossas projeções. Quanto à economia global, todo mundo já enquadrou a ideia de que terá um ritmo de crescimento mais baixo do que o imaginado no passado. No caso do Brasil, tivemos uma queda de taxa de juros que não foi pequena, de dois pontos percentuais. Temos visto por conta disso uma série de desenvolvimentos positivos, seja na área de mercados de capital, seja na indústria da construção civil. Temos também observado alguma melhora no mercado de trabalho. A geração de emprego, ainda que seja no mercado informal ou por conta própria, tem sido mais rigorosa agora. Isso sugere uma economia com capacidade de crescer 2% a 2,5%. Melhor que os últimos três anos. Mas não é aquele crescimento que a gente pode “bater no peito, hastear a bandeira e cantar o hino.

Havia muita esperança também em torno da reforma da Previdência, promulgada em novembro. Para o senhor, ela teve o efeito esperado?

A reforma da Previdência foi aprovada no segundo semestre e os efeitos apareceram bem no finalzinho do ano. Vimos uma queda relevante do risco Brasil, abaixo de 100 pontos. Mas o veredito sobre o impacto da reforma ainda esta por ser dado.

O senhor disse que o emprego tem crescido mesmo devagar e a qualidade dos vínculos está pior. O que pode contribuir para melhorar essa situação? De onde o senhor acredita que a retomada do emprego virá?

A novidade do ponto de vista da oferta é a construção civil. Esse é um setor que está reagindo mais rápido à questão da queda da taxa de juros. É uma área que depende muito de crédito e o crédito habitacional é de boa qualidade para os bancos. Ele é como uma hipoteca, não formalmente, mas, na prática, há a garantia do próprio imóvel, o que tende a fazer os bancos mais dispostos a ofertar crédito. Ainda por cima, a construção civil é um setor intensivo de mão de obra. Olhando pela ótica da demanda, a minha aposta é que crescimento vai continuar se baseando na expansão do consumo das famílias. A queda no custo do crediário, a expansão da massa de salário, isso deve dar impulso para as vendas. O varejo já teve um desempenho muito melhor e isso eventualmente vai chegar na produção também.

Muitos empresários batem na tecla da necessidade das reformas administrativa e tributária para que o crescimento econômico acelere. O senhor acredita que será possível fazer essas entregas em 2020, considerando que é um ano de eleição?

A gente já perdeu muito tempo na reforma tributária. Toda a discussão tem apontado para sentido correto, de simplificação, unificação, etc, mas se fala de períodos de transição longos. De qualquer forma, o Executivo avançou muito pouco. O que é inexplicável dado que o Congresso parece tão disposto a levar a reforma adiante, sendo que já há propostas em tramitação. Já a administrativa nem sequer teve uma proposta enviada. Outras chegaram antes como a PEC Emergencial e o Pacto Federativo. Há uma pauta longa. Não é só uma questão de ser ano eleitoral, porque vimos em 2018 que foram campanhas curtas por conta do pouco dinheiro. Acho que o fato de ser ano eleitoral não pode ser desculpa para não fazer reforma. O que está faltando é uma articulação política mais firme do governo sobre o que ele quer. Se quer fazer reforma administrativa, tem que mandar. Não dá para ficar enrolando. Falta comando. Falta um papel de protagonismo do Executivo para levar essas reformas adiante.

O senhor acredita que o Executivo tem atualmente esse papel de protagonismo?

Não. O ministro da Economia tem feito a parte dele, de formular uma série de coisas, mas não dá para resolver tudo no “posto Ipiranga”. Tem outros setores, como notadamente a Casa Civil, que precisam se empenhar um pouco mais, mostrar um pouco mais de gana. Temos uma sorte extraordinária de ter um comando da Câmara dos Deputados que parece ter se imbuído da ideia que precisa levar as reformas adiante. Mas não é só o Legislativo, o Executivo poderia mostrar vontade maior de levar isso adiante. Nesse cenário pós-reforma da Previdência, não temos visto isso. Jogador tem que ir na bola como faminto vai num prato de comida.

Se todas essas reformas não passarem, que quadro teremos?

Temos um teto de gastos que, na ausência da reforma da Previdência, não aguentaria ate 2022. A reforma da Previdência deu um fôlego de dois a três anos. Então, o teto de gastos talvez dure até 2024 ou 2025. Mas outras reformas precisam entrar a tempo de reverter essa trajetória de endividamento crescente. Conseguimos fôlego porque o juro está baixo, mas sem reforma não vai ter jeito. Até porque não vamos ficar permanentemente com taxa tão baixa como está agora. Temos uma janela de oportunidade de dois a três anos para aprovar reformas que sinalizem que as contas públicas vão ficar em ordem, que o endividamento vai ficar contido.

A taxa Selic atingiu baixa histórica em 2019, em 4,5%. Qual impacto desse juro baixo na economia?

O primeiro é o estímulo para o consumo. Um cara que for aplicar hoje consegue 4,5% ao ano. Tirando o imposto, de cerca de 0,7 pontos, fica 3,8% de juros, o que é muito próximo a zero quando se fala em aplicar dinheiro. Sem incentivo a aplicar, há o incentivo a gastar dinheiro, portanto, consumir mais. A taxa baixa de juros tem o efeito que já comentei sobre a construção civil. Essa queda tem se traduzido também na queda nos custos de financiamento. No mercado de capital há um movimento constante das empresas grandes de buscar cada vez mais financiamento por meio da emissão de papéis. Pelo ponto de vista do governo, há uma redução do custo do próprio financiamento e isso colabora para manter a dívida pública controlada.

A Selic tão baixa pode despertar maior volume de investimentos? Pode fazer projetos serem retirados da gaveta?

A ideia vai no mesmo sentido do que falei. Projetos que talvez não fossem competitivos até então, com taxa real de juros perto de zero passam a sê-lo.

É possível manter o juro baixo diante da pressão inflacionária, da crise internacional que faz o dólar subir?

Essa pressão inflacionária do final do ano (2019), no meu diagnóstico, é evento acidental e transitório. Está muito ligado à questão da febre suína na China e aumento no preço da carne. O que fez subir o índice de preços. Mas me parece ter sido algo pontual e localizado. Localizado porque se deu em um grupo restrito de produtos e pontual porque deve durar um ou dois meses, e não deve se prolongar. A minha perspectiva é de ter inflação baixa, provavelmente abaixo da meta em 2020. Menor que 4%. Se eu estiver correto, conseguiremos manter os juros na casa de 4% a 4,5%. Nossa normalização de política monetária seria a partir de 2021. Temos horizonte ainda de 12 meses e juros ainda baixo.

A indústria foi um grande vilão em 2019, e continua muito ociosa. Acredita que essa ociosidade é fruto de uma baixa demanda ou da pouca competitividade frente ao mercado internacional?

Eu diria que a indústria foi mais vítima do que vilão. Mas sobre a pergunta, há um pouco de ambos. Demanda interna nós temos. A demanda de varejo tem subido, mas não é só interna, ainda mais na indústria. O Brasil exporta relativamente pouco comparado ao seu PIB, mas quando se fala da indústria, o setor depende de exportação. A capacidade de competição da indústria manufatureira é baixa. Consegue exportar em volume só para a Argentina. Ou seja, tem problema de competição? Tem. Tem problema de falta de demanda? Tem.

Como mudar esse cenário?

Com a reforma tributária, principalmente. Não que todo o problema seja tributário. Mas, entre todos os instrumentos, acho que a reforma tributária é o que há no momento. A moeda brasileira desvalorizou uma barbaridade e mesmo assim não conseguimos exportar. Não temos remédio rápido na questão da competitividade.

Até que ponto o mercado está satisfeito com o liberalismo de Paulo Guedes?

Não estou tão próximo do mercado financeiro, mas o folclore é que o mercado adora o Paulo Guedes. Tenho restrições bastante graves ao presidente, que dá muito menos atenção à pauta econômica do que ela merece. O ministério da Economia perde energia em discussões que me parecem despropositadas, como a possível volta CPMF no começo do ano. A proposta de capitalização da Previdência que, em si, poderia ter sido melhor formulada, acabou extremamente vaga. O comando político é desastroso. Já o econômico está na direção correta. Gosto do sentido das coisas, mas deixa a desejar em alguns detalhes importantes. Perdemos meses nessa história de CPMF e, mais recentemente, com o projeto da Carteira Verde Amarela (proposta do governo para geração de empregos) quando me parece que os problemas mais sérios estão em outras frentes.

As declarações e ações do presidente, por exemplo em relação ao meio ambiente, aquecimento global, preconceitos, etc podem ter efeito no crescimento econômico?

Não sei se tem impacto direto, mas quanto ele se preocupa com as muitas palavras nos livros didáticos, quem faz xixi na cabeça do outro, não está dedicando o tempo dele para aprovar as reformas. Se tivesse fazendo isso, talvez estivéssemos em situação melhor do que estamos hoje. O presidente foca em pautas, do meu ponto de vista, secundárias. Estaríamos melhor se tivéssemos comando politico mais engajado nessas questões. E não é só o ministro-chefe da Casa Civil (Onyx Lorenzoni) que realmente é fraco, mas a falta de apetite do presidente para essas questões.

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