Publicado em 7 de agosto de 2020 às 11:01
Um produto altamente inflamável e explosivo, apontado como o possível causador da tragédia no Porto de Beirute, no Líbano, o nitrato de amônio (NH4NO3) também é usado e armazenado por indústrias instaladas no Espírito Santo. Há duas empresas autorizadas a manipular o material, segundo o Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), um dos órgãos responsáveis por dar as licenças em relação a esse agente.>
Uma das companhias está localizada em Viana e trabalha com a fabricação de fertilizantes agrícolas. A outra utiliza o material na fabricação de explosivos, na zona rural de Cachoeiro de Itapemirim.>
Apesar de chegar até as empresas por caminhões, ainda não está claro, no entanto, como que o nitrato de amônio entra no Estado, já que os principais terminais portuários da Região Metropolitana negam receber e armazenar a carga. >
Com autorização apenas para descarregar esse tipo de mercadoria, o Porto de Vitória, por exemplo, não recebe navios com o composto desde 2017, segundo fontes ligadas a Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa).>
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A importação desse material não é tão simples. Devido ao seu alto potencial de explosão, a compra é controlada pelo Exército. A corporação, aliás, define ainda as regras de transporte, manipulação e armazenamento, mas não esclareceu como é feito o transporte do produto dentro do Espírito Santo.>
De acordo com o Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), das cinco fábricas de fertilizes licenciadas no Espírito Santo, apenas a de Viana utiliza o nitrato de amônio. >
Já a indústria de explosivo de Cachoeiro de Itapemirim, segundo o Iema, foi devidamente licenciada, com apresentação de estudos ambiental e de análise de risco, verificando a distância de segurança em relação à área urbana e exigindo os procedimentos declarados nas Fichas de Informação de Segurança de Produtos Químicos (FISPQs).>
No Espírito Santo, os terminais do Porto de Vitória podem realizar carga e descarga de nitrato de amônio. Embora tenham autorização para movimentar a carga, segundo o Iema, eles não têm permissão para armazenar esse tipo de produto. >
A operação de receber e descarregar essa mercadoria não é muito comum nos portos capixabas. De acordo com fontes ligadas ao setor, a última remessa de NH4NO3 foi há três anos e quando chegou foi logo descarregada para os caminhões.>
A Codesa, responsável pelo Porto de Vitória, informou que o local não tem permissão e, portanto, não armazena nitrato de amônio. "Todas as cargas operadas e armazenadas são fiscalizadas pela própria Codesa, Iema e Antaq e são respeitados todos os requisitos de segurança", disse por nota. >
Segundo o Iema, o Porto de Tubarão tem autorização para estocar, além de carvão, minério e grãos, também fertilizantes. Mas a Vale, dona do complexo portuário, disse que o nitrato de amônio atualmente não é armazenado nem transportado no local.>
O Portocel, controlado pela Suzano, empresa do ramo florestal que produz celulose em Aracruz, também informou que não opera com esse tipo de carga. >
Em transmissão no YouTube, na noite desta quinta-feira (06), Daniel Vidal Pérez, chefe de pesquisa e desenvolvimento da Embrapa Solos Rio de Janeiro, explicou que esses produtos chegam por via marítima - principalmente dos portos de Santos (SP), Rio Grande (RS) e Paranaguá (PR), que são graneleiros - e distribuídos pelo país por terra.>
As embarcações carregam até 30 mil toneladas do produto. Depois viaja dentro do Brasil em caminhões que podem levar até 40 toneladas. Cada parte desse processo deve passar por fiscalização.>
Daniel Vidal Pérez
Chefe de pesquisa e desenvolvimento da Embrapa SolosO nitrato de amônio no Brasil é matéria-prima para um fertilizante usado na agricultura brasileira, principalmente no cultivo da cana-de-açúcar, de frutas e de hortaliças. Mas devido à toda a regulação, custos e perigo que envolvem esse produto, ele não é o adubo mais utilizado no agronegócio nacional, perde para a ureia.>
O Brasil é um grande importador de fertilizantes. Compra de fora entre 50% e 65% do nitrogênio e 90% do potássio consumidos no mercado doméstico. Já o nitrato de amônio representa 3% do que o país utiliza em fertilizantes. Segundo levantamento feito pela consultora Stonex, a pedido do G1, o país importou 1,2 milhão de toneladas do composto em 2019. >
Além disso, por causa do seu poder oxidante, ele também é um dos principais insumos da fabricação de explosivos comerciais destinados à mineração ou à construção civil.>
TONELADAS DE NITRATO DE AMÔNIO IMPORTADO PELO BRASIL
A tragédia no Líbano, que dizimou toda a área portuária de Beirute e destruiu prédios próximos, matou centenas de pessoas e deixou pelo menos 4 mil feridos. No local da explosão havia 2,75 mil toneladas da substância. >
(Vídeo mostra como era antes e como ficou depois o Porto de Beirute com a explosão)>
O nitrato de amônio tem como fórmula química NH?NO?. Ele é feito a partir da combinação de gás de amônia com ácido nítrico líquido, feito de amônia. Normalmente, ele é produzido como pequenas pelotas porosas, ou prills. >
O nitrato de amônio não queima sozinho, é preciso ter uma fonte combustora, como aconteceu em Beirute. Por outro lado, ele atua como uma fonte de oxigênio, o que pode acelerar a queima de outros materiais.>
Apenas em temperaturas suficientemente altas o nitrato de amônio pode se decompor por si só. De acordo com especialistas, este processo cria gases, incluindo óxidos de nitrogênio e vapor de água. E é esta rápida liberação de gases que causa uma explosão, por isso seu uso na fabricação de explosivos. >
De acordo com o Ministério da Agricultura, mais de 300 empresas fazem a mistura do nitrato para produzir fertilizantes no país. Mas, neste caso, a concentração do produto é menor e, dessa forma, tem baixo risco de explosão.>
Em live nesta quinta-feira com a Embrapa, o vice-presidente de Vendas e Marketing da Yara Brasil, multinacional que tem uma unidade na Serra, Cleiton Vargas, disse que o agronegócio tem um crescimento de produtividade com uso continuo de nitratos. "Quando comparamos o uso de nitrato de cálcio e amônio versus a ureia, por exemplo, ele emite 20% menos gás carbônico. Os nitratos são chave para atingir uma produção mais sustentável", disse.>
A principal característica do nitrato de amônio é a rápida absorção de nitrogênio por parte da planta. Isso ajuda na expansão das raízes e torna o plantio mais forte contra fatores climáticos, como a seca, por exemplo. >
"Esse produto chega às mãos do produtor misturado com outras matérias-primas. Com isso ele tem um índice muito menor de periculosidade e é testado para saber qual a probabilidade de que ocorra algum tipo de acidente", explica Cleiton.>
Por ser um um produto perigoso, o controle da chegada do nitrato de amônio no Brasil é feito pelo Exército. De acordo com a Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados (DFPC) do Ministério da Defesa, o decreto nº 10.030, de 30 de setembro de 2019 aprovou o regulamento de Produtos Controlados pelo Exército (PCE). Com isso, atribuiu competência ao Comando do Exército também para regulamentar, autorizar e fiscalizar as atividades desenvolvidas com o nitrato de amônio.>
"Para uma empresa exercer atividades com o nitrato de amônio, é necessário obter junto ao Exército um Certificado de Registro (CR), conforme critérios estabelecidos pela Portaria nº 56 Comando Logístico (Colog), de 5 de junho de 2017, além de seguir todas as orientações previstas na Portaria nº 147 Colog, de 21 de novembro de 2019", explicou o Ministério da Defesa, em nota.>
Com relação ao armazenamento e à distância de segurança, o ministério destacou que toda empresa precisa seguir rigorosamente o previsto no Anexo H item 2.4, da Portaria 147/Colog, que visa mitigar os danos causados por eventual acidente.>
"Por fim, cabe destacar que o Exército, por meio do Colog e da DFPC, cumpre sua missão institucional, realizando constantemente operações em conjunto com órgãos de segurança pública e outras agências, nos níveis federal, estadual e municipal, fiscalizando os produtos controlados, entre eles o nitrato de amônio, em beneficio da sociedade brasileira", informou o ministério.>
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