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Coronavírus: pais e escolas travam guerra por desconto nas mensalidades

Coronavírus: pais e escolas travam guerra por desconto nas mensalidades

Em busca de redução no valor pago, alguns responsáveis pelos alunos ameaçam entrar até com processo judicial. Procon orienta como negociar

Publicado em 19 de maio de 2020 às 15:53

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Crianças estudando: suspensão das aulas presenciais foi uma das primeiras medidas no Espírito Santo para conter a disseminação do novo coronavírus. (Pixabay/klimkin)

Pais e escolas estão em "guerra" em meio à pandemia do novo coronavírus. A suspensão das aulas presenciais pelo governo do Espírito Santo, tanto na rede pública como na particular, foi inevitável diante do grande risco de contaminação. A saída para que as crianças mantivessem as atividades escolares foi a adoção do ensino on-line. Além de uma medida inesperada e forçada, nem todas as escolas e professores estavam preparados para essa mudança. 

Por todo o país, as falhas na prestação do serviço são as principais queixas das famílias. Para os pais, as escolas deveriam dar descontos nas mensalidades. Mas não são todas as unidades de ensino que concordam com eles e muitas têm negado esse pedido. Em busca de redução no valor pago, alguns responsáveis pelos alunos ameaçam acionar a Justiça ou até já entraram com processo judicial contra a unidade de ensino dos filhos.

Nesse momento, os professores tiveram o desafio de reformular toda a didática do conteúdo que seria aplicado nas salas de aula. Precisaram aprender a gravar vídeos e a falar para a câmera do celular. Além do desafio pessoal, as empresas onde trabalham estão tendo dificuldade de assegurar conexão, hardware e software necessários para que seus funcionários trabalhem de casa de forma adequada.

Em meio a um turbilhão de novidades, alguns empresários estão com medo de não suportarem o momento e até quebrarem. As aulas que não são dadas agora terão que ser repostas em algum momento, o que vai gerar custo para as unidades de ensino em breve. Além disso, afirmam que se reduzirem as mensalidades mais do que devem, podem acabar ficando no vermelho.

De acordo com o diretor da Idea Consultoria e Treinamento Empresarial e consultor credenciado do Sebrae, João Luiz Borges de Araújo, a escola precisa fazer uma análise detalhada da sua planilha de custos para verificar quais deles ela não teve ou teve redução nesse período. 

"Às vezes, os custos reduzidos podem ser de energia, água, material de limpeza e até de pessoal de serviços gerais e professores. Quais os pontos em que ela teve uma redução de custos e como pode repassar essa redução para os pais?", aponta.

Quanto maior a redução de custos, maior é o potencial de desconto que a unidade educacional pode oferecer aos pais. O especialista lembra que, o maior custo presente na planilha das unidades de ensino é o salário de professores. Isso porque, com a chegada da pandemia e o fechamento das escolas [desde 23 de março, no Espírito Santo], muitas empresas de ensino tiveram que replanejar atividades e como executá-las a distância.

"Também é importante lembrar o que a escola não deve fazer. O primeiro é ignorar a solicitação dos pais e ser distante e fria nesse momento. Deve dizer que vai avaliar a planilha de custos e qual o desconto possível. É claro que alguns gastos que não houve agora vão acontecer nessa extensão de ano letivo. Isso tem que ser calculado e apresentado aos pais. Outra coisa que não se deve fazer é preservar o lucro acima da satisfação dos pais e da situação pela qual a nossa economia passa", explica.

MELHOR CAMINHO É A NEGOCIAÇÃO, ORIENTA O PROCON

Chegar a um denominador comum é o melhor caminho para resolver o problema, avaliam especialistas em defesa do consumidor. Segundo eles, não adianta os pais exigirem o desconto e não aceitarem a proposta, assim como não dá certo as escolas serem inflexíveis. Nesse momento, todos têm que ceder um pouco.

A diretora jurídica do Procon Estadual, Andréa Munhós Ferreira Barroso, explica que ao mesmo tempo que o consumidor não pode suportar toda a carga e arcar com todo o ônus, é preciso encontrar um meio termo para não inviabilizar as instituições de ensino. 

"Temos sugerido e incentivado aos consumidores para que peçam a planilha de custos. Com ela em mãos, conseguem pleitear o desconto mais apropriado e o abatimento inicial seria com base nessa redução. Com o isolamento social, cremos que deve ter ocorrido redução de custos das instituições. Mas acreditamos que um desconto linear, igual para todas instituições de ensino, não é o melhor caminho", afirma.

O desconto linear ao qual Andréa se refere é uma proposta que tramita na Assembleia Legislativa do Espirito Santo. De acordo com o projeto de lei, que ainda está em análise nas comissões da Casa e não foi votado, as escolas deveriam aplicar um desconto mínimo de 30% durante o período de pandemia. A proposta é semelhante à da Câmara Municipal de Vitória, que, em votação em plenário, acabou rejeitada. Boa parte dos vereadores considerou o texto inconstitucional, como explica o advogado João Eugênio Modenesi Filho.

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Não é competência legislativa dos Estados ou dos municípios tratar desse assunto. Se houver uma imposição sobre descontos ou como o tema deve ser conduzido teria que ser da União, por se tratar de direito do consumidor. A proposta de Vitória não foi aprovada porque os vereadores não viram um caminho para levar isso à frente e, me parece, que no caso do Estado o mesmo vai acontecer

João Eugênio Modenesi Filho
Advogado do direito do consumidor
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Desde o fechamento das escolas no Espírito Santo, o Procon estadual recebeu quase 500 reclamações com demandas a respeito da mensalidade escolar. De acordo com a diretora jurídica do órgão de defesa do consumidor, os pais querem informação. Na última sexta-feira (15), o Procon enviou uma notificação recomendatória para que as escolas abram diálogo com as famílias.

500
RECLAMAÇÕES CONTRA ESCOLAS FORAM REGISTRADAS NO PROCON ESTADUAL, DESDE A SUSPENSÃO DAS AULAS PRESENCIAIS NAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO

A orientação do órgão é para que elas apresentem a planilha de custos, um plano pedagógico com formato das aulas que serão dadas durante a pandemia, qual a carga horária e como o conteúdo pode ser revisto.

"A forma de educar mudou, pedimos que as escolas abram um canal de contato para que isso seja explicado para os pais. É dever das instituições prestar todas essas orientações", comenta. 

De acordo com o presidente do Sindicato das Empresas Particulares de Ensino do Espírito Santo (Sinepe-ES), Moacir Lellis, a orientação da entidade é que as escolas analisem caso a caso os pedidos de redução da mensalidade. Sobre a planilha de custos, ele afirmou que os pais têm de ter consciência de que planilha de escola, da área médica e de igreja "não é igual à planilha da nossa casa". 

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Imagina pegar uma planilha anual e colocar ela mensal. As escolas não conseguem fazer o cálculo da redução de gastos mensal. Uma outra coisa que os pais estão esquecendo é a inadimplência que as escolas têm e que é levada em consideração. Além disso, escola nenhuma nossa está cobrando o pai para cancelar o contrato

Moacir Lellis
Presidente do Sinepe-ES
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Segundo ele, apenas 5% das cerca de 200 unidades de ensino (fundamental, médio e superior) associadas ao sindicato ainda não ofereceram nenhum tipo de redução de valores para os pais. "Orientamos desde o início da suspensão das aulas que aquilo que for extracurricular ou extra (alimentação, contraturno, atividades de esportes e dança) não seja cobrado pelas escolas."

PAIS ENTRAM NA JUSTIÇA PARA CONSEGUIR DESCONTO

Mesmo pedindo por desconto, algumas escolas se recusam a conversar. Com isso, os pais se veem obrigados a acionarem a Justiça. Esse é o caso de um grupo de pais de alunos de uma escola tradicional na Capital capixaba. A mãe de um estudante de 4 anos que está no ensino fundamental 1, que preferiu não ser identificada, explicou que mais de 330 pais estão tentando conseguir judicialmente que a instituição forneça informações e atenda seus pedidos.

Representantes dessa escola, do Sinepe-ES, do Ministério Público do Espírito Santo (MPES) e do Procon Estadual participam de audiências no Núcleo Permanente de Incentivo à Autocomposição (NUPA) para resolver a situação. 

De acordo com a mãe, inicialmente, os pais pediam o desconto, mas sempre recebiam a mesma resposta por e-mail. Outro ponto é a carga horária que essas aulas on-line têm, em muitos casos bem inferior às presenciais.

"Eles deram 30% de redução para os alunos do ensino infantil, porém só enviam dois vídeos de cinco  minutos cada um por dia. Você não usa nenhuma infraestrutura da escola, como os laboratórios e salas, ou conta com os professores presencialmente ajudando na socialização das crianças. Houve uma quebra de contrato", aponta.

Enquanto o ensino infantil tem um desconto fixo, no caso dos outros níveis é preciso contatar individualmente a escola e os descontos podem chegar a 20%. Mas, para que isso ocorra, os pais precisam abrir as contas bancárias para a escola, mostrando contracheque, quanto estão recebendo e se houve redução de salário.

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Isso tem sido muito comentado no grupo de pais. Quando você procura individualmente a escola, ela pede toda a sua vida financeira. Mas, quando pedimos a planilha de custos, a escola se nega a entregar. Quem tem que provar são eles e não nós

X.
Mãe de um aluno do ensino fundamental 1 em uma escola particular de Vitória
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A advogada da Associação de Defesa do Consumidor do Espírito Santo Karla Cecília Pinto aponta que é preciso lembrar que o contrato que os pais assinaram é anual e o que eles pagam mensalmente não é uma mensalidade, mas sim uma prestação. 

"O melhor é fazer um acordo. No Judiciário, o que ocorrerá é uma proposta de acordo para que ninguém perca, porque precisamos um do outro. O bom senso tem que falar mais alto nessa hora", afirma.

ESCOLAS SE SENTEM AMEAÇADAS PELOS PAIS DOS ALUNOS

Se os pais se sentem lesados por continuarem pagando o mesmo valor pelas aulas que não ocorrem presencialmente, algumas instituições se sentem ameaçadas pelos responsáveis dos alunos. Esse é o caso do Centro Educacional Renascer, em Jardim da Penha. Segundo a diretora pedagógica da instituição, Gracinda Ribeiro, alguns pais estão chegando a ameaçar a escola para conseguir desconto.

A unidade de ensino atende quase 200 crianças da educação infantil e do maternal, até o 5º ano do ensino fundamental 1. Inicialmente, ela conta que os pais perguntavam quando as aulas seriam repostas. A escola respondia que ainda não tinha essa informação porque não sabia quanto tempo duraria a suspensão das aulas presenciais. 

Depois de um tempo, a escola começou a fornecer aulas gravadas, sendo que para o maternal, por serem muito pequenos, o conteúdo era de contação de histórias e música e, para o fundamental, vídeos explicativos e atividade.

"Em seguida, passamos para as aulas ao vivo. Fizemos uma grade de horário para professores e alunos entrarem para assistir às aulas, com regras como, por exemplo, o uso do uniforme e de fones de ouvido. Fomos disponibilizando as ferramentas que temos para prestar assistência e manter o vínculos com a vida acadêmica", relata.

Ela explica que em meio a toda essa mudança e adequação, a escola está convivendo com pais com diversos comportamentos. "Temos pais que ligam para a escola ameaçando, pais pagando o que querem e pais se dando desconto, ligando para a escola dizendo que tinha um decreto que afirmava que ele têm direito a 30% de desconto (não existe isso), pais dizendo que a gente não está fazendo nada e que recebe sem trabalhar", desabafa.

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Estamos vivendo com uma geração de pais que não querem ouvir o que precisam e ameaçam mesmo. Essa parte das famílias que têm esse tipo de conduta é muito pesarosa para a gente. Nós fazemos o que podemos fazer. Estamos seguindo as diretrizes do Conselho Nacional de Educação e governo do Estado. Para nós, o ano não está perdido. Ele está perdido para quem morrer por causa do coronavírus. Acho que tem que ter bom senso de todos os lados

Gracinda Ribeiro
Diretora pedagógica do Centro Educacional Renascer
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Ela ainda comenta que, em alguns casos, os pais conversam entre em si e já chegam com uma fala agressiva, em vez de buscarem o diálogo. 

"Conversamos com quem chega para isso. Agora, quem chega com uma fala agressiva, não conseguimos nem acalmar a pessoa, nós só podemos ouvi-la. Não dá para chegar num denominador comum se os pais não estão abertos a isso. Oferecemos caminhos para que a escola possa manter sua engrenagem funcionando e para que o pais não abram mão da escola dos filhos", conta a diretora pedagógica.

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