Publicado em 22 de junho de 2020 às 20:16
A promulgação da lei que obriga unidades de ensino particular do Espírito Santo a concederem descontos nas mensalidades traz à tona questões que envolvem o direitos e limites do Poder Público estadual. De acordo com especialistas em direito e em economia, a Lei 11.144/2020 é inconstitucional. Além disso, ao impor a redução, o Estado interfere no livre mercado.>
Como regra geral, a nova norma estadual estabelece redução de 30% nos valores das mensalidades, e o desconto é aplicável a instituições de ensino infantil, fundamental, médio e superior durante a pandemia do novo coronavírus. >
O texto foi promulgado nesta segunda-feira (22) pelo presidente da Assembleia Legislativa, Erick Musso (Republicanos), já que o governador do Estado, Renato Casagrande (PSB), preferiu se abster e não sancionar ou vetar o projeto. A lei começa a valer nesta terça-feira (23) com sua publicação no Diário do Legislativo Estadual. >
O economista e professor da UVV Mário Vasconcelos explica que o livre mercado se baseia na não intervenção do governo na determinação dos preços de um determinado produto ou serviço. Já o preço nada mais é, de uma maneira geral, do que a soma do custo total e da margem de lucro da empresa. >
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"Cada escola tem o direito de colocar o preço da sua mensalidade e isso faz ocorrer uma concorrência entre as unidades de ensino. Preço, qualidade, metodologia, professores e estrutura são algumas das variáveis que dinamizam os preços praticados no mercado. Se você impõe um desconto ou valor de produto, então se passa a ter interferência do Estado na iniciativa privada, o que não é muito bom", aponta. >
Vasconcelos ainda ressalta que o problema é que essa interferência vai acontecer com os contratos já assinados, o que expõe o aspecto jurídico, em que a escola se propõe prestar um serviço e ele não será prestado por conta da pandemia. >
Mário Vasconcelos
economista e professor da UVVDe acordo com o advogado e doutor em Direitos e Garantias Fundamentais Cláudio Colnago, o legislador estadual não tem justificativa para interferir sobre os contratos firmados com as escolas particulares. Ao fazê-lo, ele cria uma distorção de mercado ao tornar inviável a concessão de descontos individuais via acordos, contemplando a realidade de cada pai e mãe. >
"Se há pais e mães que perderam o emprego, há aqueles que desfrutam de remuneração estável. A lei trata esses dois casos como se fossem iguais. Além do mais, o projeto de lei não realizou o necessário estudo de impacto regulatório, instrumento previsto na Lei de Liberdade Econômica que serviria para justificar se o peso da regulação faz sentido ou não", afirma.>
Cláudio Colnago
advogado e doutor em Direitos e Garantias FundamentaisPor se tratar de direito do consumidor na esfera cível, a nova lei já nasce inconstitucional. Isso ocorre porque as matérias relativas ao direito do consumidor devem ser discutidas no Congresso Nacional. A princípio, a lei estabelece a relação entre consumidor e prestador de serviço, que, em regra geral, é competência da União. Por isso, não seria nem competência do Estado nem dos municípios legislar sobre esse tema.>
O advogado especialista em direito educacional Carlos Alessandro S. Silva, que é vice-presidente da Associação Brasileira de Direito Educacional Espírito Santo (Abrade-ES ), conselheiro da Associação Brasileira de Direito Educacional (Abrade Nacional) e membro da Comissão de Direito Educacional da OAB/ES, aponta que a lei aprovada está impondo a revisão de contrato de serviço com base no Código de Defesa do Consumidor.>
Carlos Alessandro S. Silva
vice-presidente da Associação Brasileira de Direito Educacional Espírito SantoUm outro problema será com relação às escolas que estão oferecendo descontos superiores aos impostos pela pelo texto estadual. Com a nova lei, as escolas podem reduzir esses descontos aos mínimos definidos por ela. Por exemplo, se a escola estava dando 40% de redução, mas segundo a nova legislação o mínimo é de 30%, ela pode passar a ofertar esse percentual inferior.>
A advogada especialista em direito empresarial Brenda Scarpino lembra que a matéria é controversa e muito discutida. Ela aponta que, inclusive, o Supremo Tribunal Federal (STF) recebeu nas últimas semanas pelo menos três ações. "Eles alegam a inconstitucionalidade de decretos estaduais que permitiram descontos nas mensalidades escolares durante a pandemia da Covid-19, os processos tentam suspender leis do Maranhão, Pará e Ceará", explica.>
No Rio de Janeiro, por exemplo, a lei estadual que determinava descontos de 30% nas mensalidades de escolas e universidades do Estado foi suspensa. O projeto havia sido aprovado no dia 4 de junho pela Assembleia Legislativa daquele Estado (Alerj).>
Em decisão liminar (provisória), a juíza do Rio de Janeiro Regina Chuquer atendeu ao mandado de segurança coletivo impetrado pelo Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado do Rio de Janeiro (Sinepe-RJ). Em sua decisão, a magistrada afirmou a inconstitucionalidade da lei, por imposição de obrigações contrárias à livre iniciativa e ao ato jurídico perfeito, desobrigando os associados do seu cumprimento. >
Para a juíza, "a leitura dos artigos da lei impugnada demonstra a incompatibilidade formal e material com diversas normas constitucionais". >
O Projeto de Lei 197/2020, que se tornou a Lei 11.144/2020, de autoria do deputado Hudson Leal (Republicanos), tramitou com outras iniciativas anexadas (PLs 205/20, do Pastor Marcos Mansur - PSDB; PL 206/20, de Enivaldo dos Anjos - PSD; PL 212/20, do Capitão Assumção e PL 237/20, do Dr. Rafael Favatto, ambos do Patriota). >
PLACAR DE VOTOS DA LEI DE DESCONTO NAS MENSALIDADES NO ES
A matéria foi aprovada pelos representantes do Legislativo estadual em uma sessão realizada no dia 26 de maio, por 26 votos contra 1. Em seguida foi encaminhado para a sanção do governador do Estado, Renato Casagrande. Porém, o modo como foi realizada a votação também pode fazer com que a lei seja revista.>
O Artigo 197 do Regimento Interno da Assembleia Legislativa do ES prevê que o deputado presente não poderá "escusar-se de votar, salvo declarando previamente não ter assistido à discussão da matéria". >
De acordo com a normativa, o deputado estará impedido de votar, mas poderá assistir à votação, quando a matéria se tratar de "causa própria ou de assunto em que tenha interesse individual". Dessa forma, os deputados estaduais que têm filhos em escolas particulares não deveriam votar, apenas assistir. >
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