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Publicado em 30 de dezembro de 2025 às 10:48
Uma reunião do Conselho Municipal de Saúde de Colatina, no Noroeste do Espírito Santo, ocorrida no último dia 23, terminou com acusações de injúria racial e de homofobia entre o secretário municipal de Saúde e uma conselheira. O encontro havia sido marcado para tratar de um possível bloqueio de até R$ 239 milhões em recursos em verbas federais e estaduais, o que pode comprometer serviços essenciais na cidade, como o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e unidades de pronto atendimento.>
Após a reunião, uma das integrantes do conselho, Marilia Cruzio Avelino, registrou boletim de ocorrência na Delegacia de Colatina, alegando que, durante o encontro, afirmou que iria ao banheiro e "tomar ar", momento no qual o secretário municipal de Saúde, Raul Amicci, teria respondido: "Vai mesmo, que está fedendo".>
Ao registrar o boletim de ocorrência, a conselheira afirmou que "se sentiu suja, discriminada e envergonhada" diante dos demais conselheiros. "Fiquei pensando como eu voltaria para aquele auditório depois da fala do secretário, que foi racista, preconceituoso e machista.">
Procurado por A Gazeta, o secretário negou que tenha cometido racismo e disse que a reunião estava com os ânimos acalorados, com pouco espaço para o entendimento.>
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"O que disse foi 'Vai mesmo, que está fedendo', mas era em referência à situação, ao cenário de pouco diálogo e compreensão ali. Quis dizer que a situação estava fedendo, ruim. Não houve qualquer menção à pessoa dela, nem à raça, nada assim. Tanto que, na mesma hora, eu reiterei isso aos demais conselheiros, que permaneceram na reunião após a saída dela. A reunião foi toda gravada. Não compactuo com atitudes discriminatórias e repudio racismo", declarou Raul Amicci.>
O secretário também foi à delegacia registrar boletim de ocorrência, mas por homofobia. Segundo ele, ao sair da reunião, a conselheira teria proferido insultos de cunho homofóbico.>
"A conselheira disse pelos corredores, em voz alta, diversos insultos contra mim, coisas que três pessoas ouviram e presenciaram. Comentários homofóbicos, como 'aqui não é lugar de bicha' e 'isso que dá colocar gay para ser secretário'. Não é a primeira vez que sou alvo de comentários assim, mas, desta vez, a situação saiu muito da normalidade. O que está em jogo não é apenas minha imagem e minha honra, mas o funcionamento dos serviços de saúde de Colatina", manifestou.>
Questionada pela reportagem se teria feito essas ofensas, a conselheira negou. "Em nenhum momento proferi palavras que ferem a integridade humana. Até porque não condiz com a minha fé e com a minha militância de vida. Minha assessoria está ciente de todos os fatos e confiamos na Justiça", declarou.>
O Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES) ajuizou uma ação civil pública contra o município de Colatina e membros do Conselho Municipal de Saúde, denunciando uma possível paralisia institucional que ameaça a continuidade dos serviços de saúde pública local.>
Segundo o órgão ministerial, o conselho teria se omitido de forma consciente na tarefa de deliberar sobre a prestação de contas de recursos da saúde referentes ao 2º e 3º quadrimestres de 2024, além do Relatório Anual de Gestão (RAG). Essa inércia impede a validação de dados no sistema DigiSUS, o que gera risco de bloqueio de mais de R$ 239 milhões em repasses federais e estaduais, necessários para a manutenção do Samu, hospitais filantrópicos e programas de vacinação.>
Diante do perigo de colapso financeiro, o juiz deferiu, em 19 de dezembro, o pedido de tutela de urgência, determinando que o secretário de Saúde convocasse, no prazo de 10 dias úteis, uma reunião extraordinária com pauta exclusiva para a deliberação dos relatórios atrasados. A decisão obriga os conselheiros a cumprirem seu papel institucional, emitindo pareceres motivados para que o município possa regularizar imediatamente as informações no sistema DigiSUS. >
Foi estabelecida uma multa diária de R$ 100 mil, a incidir pessoalmente sobre cada conselheiro e sobre o secretário de Saúde em caso de novo descumprimento. Caso a paralisia persista, o prefeito de Colatina está autorizado a declarar a vacância dos cargos dos conselheiros omissos e proceder à recomposição imediata do órgão. >
Além das multas, as autoridades foram advertidas de que a resistência à ordem judicial pode resultar em responsabilização por crimes de prevaricação e desobediência, além de atos de improbidade administrativa.>
Sobre isso, o secretário afirmou que já havia apresentado o relatório anual de gestão mais de uma vez, inclusive na Câmara Municipal, e que as falhas apontadas pelo MPES se deram porque o conselho não emitiu o parecer técnico no DigiSUS, apesar das apresentações terem sido feitas dentro do prazo. >
"Agora, com a decisão da Justiça, sanamos essa questão. Tudo o que estava pendente foi aprovado. Mas, durante a reunião, nem a presidente do Conselho reconhecia o sistema do DigiSUS, como se nunca tivesse tido contato com a plataforma. Eu mostrava os dados que estavam ali, e ela os tratava como se fossem relatórios alheios. Por fim, cumprimos as aprovações, mas a ata da reunião será encaminhada para que a Justiça, após o recesso, analise o afastamento liminar desses conselheiros por incapacidade funcional. É notório que colocaram em risco a saúde de Colatina por uma ação política", manifestou.>
Em nota publicada nas redes sociais, o Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Colatina (SISPMC) repudiou o que classificou como "ato de racismo cometido pelo secretário municipal de Colatina" contra a servidora integrante do conselho.>
"É inadmissível que isso aconteça! Racismo é crime e não pode ser naturalizado, normalizado ou ignorado, ele fere a dignidade, reforça desigualdades históricas e fragiliza a democracia. O sindicato também manifesta seu apoio à servidora e espera que as autoridades competentes tomem as devidas providências", diz a nota>
Entidades, coletivos e políticas capixabas, como a deputada federal Jack Rocha (PT), a deputada estadual Camila Valadão (Psol) e a vereadora Ana Paula Rocha (Psol), assinaram uma nota de repúdio à fala do secretário, classificando-a como racismo.>
"As organizações, entidades e movimentos abaixo-assinados vêm a público denunciar e repudiar, com indignação, a violência racista cometida pelo secretário municipal de Saúde de Colatina durante reunião do Conselho Municipal de Saúde, ao afirmar que uma conselheira, mulher negra e servidora pública, 'estava fedendo'", diz a nota.>
"Não se trata de um 'comentário infeliz'. Trata-se de racismo. Trata-se de violência. Trata-se da reprodução explícita de estigmas racistas que historicamente desumanizam mulheres negras, atacam seus corpos, tentam constrangê-las publicamente e buscam expulsá-las dos espaços de poder, decisão e controle social", manifestam as entidades no texto.>
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