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Publicado em 12 de fevereiro de 2022 às 08:15
O sistema de reconhecimento facial de câmeras de vigilância em vias públicas, como o que está sendo implantado em Vitória, divide opiniões. Em diversos locais do mundo, a tecnologia levanta questões éticas sobre o viés racial das identificações, além de suscitar o debate a respeito da privacidade dos cidadãos.>
No caso da capital do Espírito Santo, estão previstos 150 pontos de monitoramento com reconhecimento facial até março deste ano. O supercomputador e o programa custaram juntos R$ 15 milhões aos cofres da prefeitura. A ideia é que as câmeras identifiquem pessoas foragidas, ou seja, que têm mandados de prisão expedidos pela Justiça. >
Antes de entrar nas questões éticas e jurídicas a respeito da tecnologia, é importante entender como ela funciona. O professor do Ifes e doutor em eletrônica e computação Luiz Alberto Pinto explica que há várias maneiras de identificar uma pessoa através da análise de imagens por algoritmos. >
A mais utilizada atualmente procura informações no rosto dos indivíduos e compara com um banco de dados de fotos previamente selecionadas. >
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“Existe mais de uma forma (de identificar as pessoas). A que tem sido mais praticada é a análise da distância entre dois pontos específicos do rosto: de um lado a outro do queixo, do queixo até o meio da testa etc. É um conjunto de pontos que teoricamente podem ser associados a uma só pessoa”, diz. >
Ele aponta que os melhores sistemas fabricados atualmente têm taxas de acerto próximas a 95%, ou seja, a cada 100 tentativas, acertam a comparação entre as duas imagens em 95 delas. >
Contudo, ele explica que há uma série de limitações a esse tipo de tecnologia, que fazem com que essa taxa seja reduzida. >
A primeira delas é a qualidade da imagem da câmera de monitoramento. Em geral, aparelhos instalados em vias públicas não têm boa resolução, pelo risco de serem furtados. >
Em seguida há questões ambientais: a iluminação do local onde a câmera está posicionada pode influenciar negativamente na identificação das pessoas. Há ainda que se considerar o ângulo de visão do equipamento, já que o reconhecimento só é possível se a pessoa for filmada de frente. >
“Se a finalidade for identificar pessoas evadidas, quanto maior a quantidade de imagens capturadas de pessoas que transitam por um determinado local, maior a possibilidade de identificar alguém procurado”, afirma. Isso implica avaliar o rosto de todas as pessoas que passam na frente das câmeras. >
É essa característica - o monitoramento da população em geral - que preocupa alguns especialistas e membros de organizações civis. Eles temem que, sob o pretexto de aumentar a segurança, a privacidade dos cidadãos seja violada.>
“O que estão fazendo é colocar a sociedade sob vigilância constante como se isso resolvesse o problema da segurança. E não resolve. Está provado que medidas desde o aumento do efetivo até a compra de equipamentos não reduz a violência. A violência migra e se adapta”, aponta o professor em Direito Penal e criminologia Lucas Neto. >
Ele diz que o sistema de reconhecimento facial nas ruas opõe dois direitos fundamentais dos brasileiros. De um lado há o direito à privacidade e à imagem dos cidadãos. Do outro, há o direito à segurança. >
Lucas Neto
Professor em Direito Penal e criminologiaJá o advogado da área criminal Ludgero Liberato discorda. Para ele, não há proteção ampla da intimidade quando a pessoa está em um local público.>
“Essa proteção está voltada para a vida privada, que não está acessível para outras pessoas. O que uma câmera na rua vai ver, é o que outras pessoas que estão passando pelo local vão ver também”, aponta.>
Ele lembra ainda que, atualmente, mesmo câmeras de locais privados (na porta de lojas ou condomínios) já são usadas pela polícia para apurar crimes. >
Liberato argumenta que o uso da tecnologia economiza recursos financeiros e humanos, já que permite acelerar a identificação das pessoas sem precisar de vários agentes públicos nessa tarefa. >
Ele pondera, porém, que essa identificação pelas câmeras tem que ser uma ferramenta inicial de apuração. “Havendo dúvida pela identidade, essa pessoa deve ser submetida a outros mecanismos de identificação, até por digital. Esse apontamento inicial que a tecnologia vai fazer não torna inútil a utilização de outro mecanismo”, afirma. >
Estudos diversos apontaram que esses sistemas, apesar de parecerem “impessoais”, podem reproduzir vieses de gênero e raça. Isso significa que eles erram mais na identificação de pessoas negras, principalmente mulheres. >
Uma pesquisa de 2018 do projeto Gender Shades verificou a precisão do reconhecimento facial em quatro diferentes categorias: mulheres de pele escura, homens de pele escura, mulheres de pele clara e homens de pele clara. >
Ele mostrou que, quando o sistema era apresentado a imagens de homens brancos, só errava a identificação facial em 0,8% das vezes. Já no caso das mulheres negras, a taxa de erro era de 34,7%. >
Os pesquisadores explicaram no estudo que, para que o sistema “aprenda” a reconhecer rostos em imagens, é preciso alimentá-lo com fotos de pessoas reais. Porém, os principais sistemas atuais foram treinados com pessoas brancas, o que dificulta a percepção de outras raças. >
Durante o anúncio oficial do sistema de monitoramento por reconhecimento facial de Vitória, o prefeito Lorenzo Pazolini (Republicanos) afirmou que o objetivo inicial é encontrar bandidos foragidos. Mas acrescentou que, no futuro, outras imagens, como de pessoas desaparecidas, podem integrar a base de dados. >
De toda forma, ele esclareceu que só serão utilizadas fotos a partir de autorização da Justiça. >
Questionado por A Gazeta se a população havia sido consultada a respeito das questões de privacidade, ele disse apenas que as imagens já são capturadas pelo município. >
“Nós só estamos inserindo uma solução tecnológica. As imagens já estavam no sistema. Tudo funciona com base na Lei Geral de Proteção de Dados. O que estamos trazendo é uma tecnologia para tratar as imagens”, afirmou.>
O subsecretário de Tecnologia da Informação da prefeitura, Olavo Venturim Caldas, ressaltou que toda tecnologia nova deve ser implantada com cuidado. >
“A gente já ouve falar de pessoas que são confundidas com um assaltante, por exemplo. A tecnologia não está 100% isenta de cometer um erro. Por isso a implementação tem que ser cuidadosa, criando processos e procedimentos para, caso ocorra um erro, não haja prejuízo ao cidadão”, diz. >
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