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Paróquia de Itararé protesta com missa após PMs entrarem em área de igreja

Paróquia de Itararé protesta com missa após PMs entrarem em área de igreja

Vídeos e imagens obtidas por A Gazeta mostram policiais na última semana em área da paróquia em Vitória; PM nega intuito de gerar constrangimento ou coação contra a comunidade

Publicado em 23 de julho de 2023 às 14:09- Atualizado há 9 meses

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Ações realizadas pela Polícia Militar do Espírito Santo (PMES) dentro da área da Paróquia Santa Teresa de Calcutá, localizada no bairro Itararé, em Vitória, na última semana, geraram polêmica na comunidade. Neste domingo (23), uma missa foi realizada em protesto à atuação policial e em apoio ao pároco local padre Kelder Brandão.

Imagens obtidas pela reportagem de A Gazeta mostram policiais com cães farejadores na área externa da igreja em dois dias da última semana - manhã de domingo (16) e noite na terça-feira (18). De acordo com João José Barboza Sana, coordenador da Comissão de Promoção da Dignidade Humana da Arquidiocese de Vitória, as ações foram realizadas sem mandado de busca e apreensão. Ele considera o ato uma intimidação ao padre, que já teve posicionamento contrário ao secretário estadual da Segurança Pública, Alexandre Ramalho.

“Pelo que sabemos, a PM não tinha mandado para fazer uma busca na área que pertence à paróquia. Por duas vezes, os policiais estiveram no local, de forma inexplicável, sem mandado, sem motivos. Entendemos que essa ação é ilegal. Concluímos que se trata de um ato grave, uma ação de intimidação em relação ao padre”, disse o coordenador da Comissão de Promoção da Dignidade Humana da Arquidiocese de Vitória.

A Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social (Sesp) negou ações de intimidação contra o padre ou outras pessoas da região. "Destaca que não há qualquer tipo de ação coordenada ou que tenha como intuito gerar constrangimento ou coação contra o religioso, ou qualquer cidadão correto", diz trecho da nota encaminhada à imprensa. 

A Sesp acrescenta ainda que a paróquia "está localizada em uma área de intenso tráfico de drogas, dentro do Território do Bem, e na rota de circulação de criminosos que causam prejuízo a toda aquela comunidade, sendo missão intrínseca das forças policiais localizar, prender e levar à Justiça todos aqueles que atentem contra o Estado Democrático de Direito".

Padre Kelder durante missa neste domingo (23)
Padre Kelder durante missa neste domingo (23). (Alexandre Lemos)

A nota informa que "a equipe do Batalhão de Ações com Cães da Polícia Militar foi acionada, por volta das 11h do último domingo (16), para checar uma denúncia de que bandidos estariam escondendo, possivelmente, drogas e armas dentro de muros em uma rua do bairro Itararé, em Vitória. A equipe esteve no local e realizou a checagem das informações, com uso dos cachorros, no sentido de tentar encontrar qualquer material ilícito, tendo permanecido no local, que fica nas imediações da paróquia Madre Teresa de Calcutá, por cerca de 40 minutos. Nada foi encontrado e os policiais retornaram à unidade".

A respeito da circulação na área da igreja sem autorização judicial e sobre a segunda ação, realizada na noite do último dia 18, a Sesp enviou nota, na noite de sábado (22), informando que "policiais do Batalhão de Ações com Cães (BAC) fazem patrulhamento constante em todas as regiões do Território do Bem, inclusive na área onde está localizada a referida paróquia".

A secretaria ainda diz que "o cão é utilizado com o intuito de farejar qualquer material ilícito. Como aquele local não tem muro, possui acesso direto à rua, o animal vai se deslocando por toda a área e os militares apenas realizam o acompanhamento".

"O mesmo trabalho foi realizado durante aquele dia e noite em diversos bairros da capital, onde o BAC atua. Esse patrulhamento faz parte das operações e tem como intuito transmitir sensação de segurança para a população, que muitas vezes cobra o poder público por mais policiamento em determinadas áreas", completa a nota.

João Sana afirma que o governo já havia sido acionado por diversas autoridades para explicar a atuação dos policiais na área da igreja sem autorização, mas que ainda não tinha se pronunciado sobre o caso.

"O governo do Estado foi acionado por várias autoridades, incluindo parlamentares, e cito nominalmente Camila Valadão, João Coser, Iriny Lopes, que não receberam nenhuma resposta. O governo não se pronunciou, não apresentou até agora nenhum documento legal que justificasse a entrada dos policiais no espaço da Igreja. Entendemos a ação como um ato grave e, por isso, o movimento social, e não só o eclesial, mas de direitos humanos e da sociedade civil, coletivamente, concluiu que se trata de uma ação de intimidação a atuação do padre Kelder na região”, disse Sana. 

A Arquidiocese de Vitória foi procurada para se manifestar e informou que apenas o padre Kelder estava autorizado a falar sobre o assunto. A reportagem tentou contato com o religioso, mas Kelder não atendeu as ligações.

Celebração de desagravo

Às 8 horas deste domingo (23) foi realizada na paróquia uma celebração, presidida pelo bispo auxiliar Dom Andherson Franklin. Durante a celebração, foi lido um manifesto em apoio à atuação do padre Kelder Brandão e às comunidades do Território do Bem, assinado por mais de 100 entidades.

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Manifesto em apoio ao padre Kelder Brandão

Documento assinado por mais de 100 entidades em apoio à atuação do padre Kelder Brandão e às comunidades do Território do Bem foi lido durante missa

Tamanho de arquivo: 35kb

A mensagem diz que desde que chegou ao Território do Bem, o Padre percorreu rua, becos, vielas e escadarias da comunidade e que "sua voz tem se levantado, junto com os moradores dessa região, dia após dia na cobrança do Poder Público e em defesa dessa e de todas as comunidades periféricas cujas realidades de opressão se repetem".

A carta diz ainda que, em função disso, "ameaças e retaliações têm sido recorrentes na vida do padre Kelder e da população mais pobre dessas e de outras regiões de periferia, mas têm se intensificado nos últimos dias. E isso exige de cada um de nós uma posição ético-política em defesa do trabalho e da vida do padre Kelder e dos moradores do Território do Bem."

Durante a missa na manhã deste domingo, padre Kelder criticou a ação da PMES, inclusive o modo de ação na casa de pessoas mais empobrecidas.

Aspas de citação

Hoje, escandalizados como discípulos, transformamos, o escândalo em um ato de desagravo a uma ação obscena, ilegal e imoral da PM, que com portões fechados e na calada da noite, entraram neste espaço fortemente armados e com cães farejadores, sabe-se lá para que ou procurando o quê

Padre Kelder Brandão
Pároco da Paróquia Santa Teresa de Calcutá
Aspas de citação

Kelder Brandão ressaltou ainda que os policiais não apresentaram mandado judicial, nem conversaram com ninguém da comunidade ou tiveram a autorização do arcebispo, ou do próprio padre.

“Hoje transformamos em um ato de resistência à violência policial que está acostumada a fazer isso na casa dos mais empobrecidos e vulnerabilizados. Que a nossa voz se junta às demais vozes da periferia. Somos todos periféricos! Vidas pobres importam!”, finalizou.

Mais apoio 

Após a missa na Paróquia de Itararé, Padre Kelder recebeu novas manifestações de apoio ao longo deste domingo (23). Em um vídeo que circula pelas redes sociais, representantes da Diocese de Cachoeiro de Itapemirim, no Sul do Estado, e da Diocese de Colatina, no Norte, mandaram uma mensagem para o vigário.

"Ficamos sabendo de tudo o que aconteceu com você e gostaríamos de dizer que você tem o nosso apoio e a nossa solidariedade. A profecia não pode faltar", afirmou Dom Luiz Fernando.

Considerada uma das principais vozes do País a favor das minorias sociais, o Padre Júlio Lancellotti, da Arquidiocese de São Paulo, também prestou solidariedade ao Padre Kelder neste domingo (veja no vídeo abaixo).

Não houve profanação ao espaço do templo

O convite para a celebração deste domingo (23), enviado na última semana como, informava que o “ato de desagravo” seria realizado “após nosso espaço sagrado ser profanado por policiais armados e cães farejadores.”

Sana não soube informar se os policiais entraram em espaços internos da igreja ou mesmo no templo. “O que posso afirmar é que as imagens mostram eles andando na área reservada da paróquia. O que foi dito no convite é uma interpretação possível do termo profanação, não a eclesial, ao se referir ao fato de que o espaço da igreja, uma extensão do templo, onde ocorrem atividades da paróquia, ter sido alvo da PM”, informou.

De acordo com padre Hiller Stefanon Sezini, presidente do Tribunal Eclasiástico, na situação ocorrida a entrada dos policiais na área da Paróquia Santa Teresa de Calcutá não constitui profanação. Ele explica que um ato só se constitui profanação, pelas normas canônicas - que regem a Igreja Católica -, quando ocorrem alguns tipos de ataques, como: à Eucaristia, quebradeira de imagens e objetos sacros. E para ser considerado sagrado precisa ser benzido ou consagrado e estar a serviço do culto litúrgico.

Há ainda outras situações, como a realização, por exemplo, de uma festa dentro do templo, ou algum ato profano sobre o altar, ou sacrário. “O fato de entrarem no templo, ainda que fardados, sem promoverem atos profanos (daí a profanação) não se constitui, nem de longe, a dita profanação do templo. Para ser considerado profanação necessita ser um ato deliberado da vontade, isto é, ter a intenção de querer ofender, xingar, mundanizar, etc, o que os cristãos têm por sagrado e santo”, explica.

Diferentes pontos de vista

Um episódio ocorrido há dois meses marcou o início dos desentendimentos entre padre Kelder e o coronel Ramalho. Durante um culto ecumênico, o vigário episcopal para Ação Social, Política e Ecumênica da Arquidiocese de Vitória mostrou-se contrário à posição do coronel em um episódio que teve grande repercussão nas redes sociais.

Em um vídeo postado por Ramalho no Instagram, ele criticava o modo de vida de um jovem negro, que foi preso acusado de tráfico de drogas em Linhares.

“Aqui no Espírito Santo presenciamos, às vésperas da data da abolição da escravidão do Brasil, o secretário da Segurança Pública do Estado, diante das câmeras, expondo e ofendendo um adolescente negro, já inerte e sob sua custódia, dirigindo-lhe vaticínios e palavras ofensivas e humilhantes, evidenciando o racismo estrutural nas instituições públicas capixabas”, afirmou o sacerdote, na homilia.

Coronel Ramalho, entretanto, rebateu as críticas de padre Kelder em entrevista ao colunista Leonel Ximenes, de A Gazeta. “Foi uma fala descabida do padre, lamentável. Não tive intenção de ofender o jovem. Foi apenas um aconselhamento que dei a ele, algo que faço em toda a minha trajetória de policial, há 34 anos”, alegou o secretário da Segurança, na ocasião.

A sede da paróquia

A Paróquia Santa Teresa de Calcutá está localizada em Itararé, um dos bairros que compõem o Território do Bem, do qual fazem parte ainda os bairros da Penha, Bonfim, São Benedito, Consolação, Gurigica, e as comunidades do Jaburu, Engenharia e Floresta.

Bairro da Penha é considerado a sede de uma das maiores facções criminosas do Estado, o Primeiro Comando de Vitória, o PCV, que envolve crimes como tráfico de drogas.

Nas últimas semanas na região, principalmente na área de Gurigica e Bonfim, tem ocorrido operações policiais e trocas de tiros com criminosos. Houve confronto com a polícia, prisões e mortes. Uma delas foi a de um paciente internado em um hospital, atingido na cabeça por uma bala perdida disparada no conflito.

Errata Atualização
23 de julho de 2023 às 18:25

Esta matéria foi atualizada com a resposta enviada pela Sesp a respeito da circulação na área da igreja sem autorização judicial e sobre a segunda ação, realizada na noite do último dia 18.

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