Publicado em 17 de janeiro de 2025 às 18:13
- Atualizado há 3 meses
O número de pessoas mortas em confronto com a polícia aumentou no Espírito Santo em 2024. De acordo com o Observatório de Segurança Pública do Estado, houve um crescimento de 9,3% nos registros de letalidade policial. De 598 confrontos, 78 mortes foram registradas no ano passado, o maior índice desde 2009. A Gazeta ouviu o comandante-geral da Polícia Militar capixaba, coronel Douglas Caus, e um especialista em Segurança Pública para comentarem o cenário.
Segundo o documento analisados, os dados podem estar relacionados à maior disponibilidade de armas e munições em poder dos criminosos, além dos conflitos entre gangues rivais, nos quais, frequentemente, a polícia atua e acaba se tornando alvo dos criminosos.
O professor universitário Pablo Lira, especialista em Segurança Pública e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, afirmou que a maior circulação de armas entre civis pode estar relacionada ao aumento dos confrontos com as forças de segurança.
“A gente já vem observando essa tendência de aumento nos casos de confronto com a polícia, tanto no Brasil quanto no Estado do Espírito Santo. A gente vem acompanhando nas estatísticas nacionais por meio do Fórum Brasileiro de Segurança Pública esse crescimento. E o que leva a esse aumento das ocorrências de confronto com a polícia? A gente está observando aí nos últimos anos uma maior disponibilidade de armas de fogo no nosso país. Armas e também munições, sem um devido investimento e atenção na fiscalização desse armamento e também das munições”, destacou.
Lira ressaltou que o aumento da circulação de armas também contribui para o fortalecimento do arsenal do crime. “Elas estão parando nas mãos dos criminosos. Isso aumenta a força deles. Com o número maior de armas de fogo disponíveis, sem mencionar as que circulam no mercado ilegal, né, que chegam com maior facilidade aos criminosos”, afirmou.
“Além disso, estamos observando no Brasil uma expansão da atuação das facções criminosas. Elas possuem influência nacional, estão entrando em confronto com grupos criminosos locais. Esses confrontos também têm levado a polícia a atuar nos territórios, nas comunidades, para garantir a segurança, né? Afinal, a grande maioria da população nesses territórios é composta por trabalhadores. Então, nessa questão das facções criminosas, o aumento do número de facções e os confrontos entre esses grupos fazem com que as polícias interfiram, o que resulta em um aumento dos casos de embates e, consequentemente, no maior número de mortes provenientes dessas situações”, explicou Pablo Lira.
A explicação do especialista em segurança pública, converge com o entendimento do coronel Douglas Caus, comandante-geral da Polícia Militar.
"A gente precisa ampliar o entendimento sobre esse fato, que ocorre no Espírito Santo. O Estado está inserido em um contexto maior, de disputa entre facções em âmbito nacional. Hoje, temos uma guerra entre o PCC e o Comando Vermelho em quase todas as unidades federativas do Brasil. Isso tem resultado em diversos confrontos por território. O PCC, atualmente, é uma organização criminosa com forte presença no Paraguai, na Bolívia e na Colômbia, buscando drogas não apenas para consumidores brasileiros, mas também para exportação internacional, abastecendo mercados na Ásia, América do Norte e Europa", disse o coronel para A Gazeta.
"O Comando Vermelho, no passado, era uma facção que comprava drogas aqui na América do Sul e vendia no mercado nacional. Hoje, também atua no mercado internacional, oferecendo drogas para a América, Europa e Ásia. Isso aumenta a rentabilidade e expande a cadeia logística do crime no Brasil. Essa cadeia é responsável por abastecer tanto o mercado interno quanto o internacional. Quando as facções abastecem o mercado nacional, invariavelmente, se aliam a grupos locais. Elas fornecem logística de armamentos e drogas para os Estados, e o Espírito Santo é um deles. Aqui, temos o Primeiro Comando de Vitória, ligado ao Comando Vermelho, e o Terceiro Comando Puro, associado ao TCP do Rio de Janeiro. O PCC, por sua vez, tem uma atuação menor em comparação com essas duas facções no Estado", explicou Douglas Caus.
Segundo o comandante-geral da PM capixaba, o crime organizado tem recrutado seguidores dentro das unidades prisionais no Espírito Santo.
"O Espírito Santo é, atualmente, praticamente abastecido pelo Terceiro Comando Puro (TCP) e pelo Comando Vermelho, ambos oriundos do Estado do Rio de Janeiro. Há também uma pequena atuação, principalmente no mercado internacional, utilizando nossos portos. Além disso, dentro da massa carcerária capixaba, ainda existem integrantes, filiados e batizados ao PCC. No entanto, há poucas áreas de venda de drogas dominadas pelo PCC no Espírito Santo, concentrando-se, principalmente, na Grande Vitória", afirmou.
"Nós fazemos parte de um ecossistema muito maior do que o Espírito Santo e maior do que o Brasil. O PCC é uma facção verticalizada, com uma sintonia geral que emite ordens a seus membros não apenas no estado de São Paulo, mas também em todos os Estados onde a presença é forte. Essas ordens vindas de São Paulo precisam ser cumpridas. Dito isso, a facção se alia a outras locais e também alcança membros dentro do sistema carcerário", relatou.
"E quem coordena isso no Brasil? São as chamadas 'sintonias' dos Estados e dos países. O PCC, por exemplo, está presente em mais de 20 países, incluindo Europa e Ásia, fornecendo drogas com representantes nesses locais. Já no caso do Comando Vermelho e do TCP, que são as facções mais fortes no Espírito Santo, o PCC tem uma presença menor. Essas facções são mais horizontais. O que isso significa? Que elas atuam principalmente no Rio de Janeiro, onde está sua liderança, mas, nos outros estados, se conectam a facções regionais sem exercer, ao contrário do PCC, uma ascendência direta sobre elas. Por isso, elas são consideradas horizontais", explicou.
Douglas Caus explicou que, embora seja raro o crime organizado se unir, isso já aconteceu no Espírito Santo. Segundo ele, um exemplo foi durante os ataques a ônibus na Grande Vitória, acompanhados por animosidade no sistema carcerário.
"Então, o TCP e o Comando Vermelho, aqui no Estado do Espírito Santo, se conectam ao Rio de Janeiro apenas para trazer armas, munições e drogas. Mesmo dentro do Estado, o PCV, Comando Vermelho do Bairro da Penha (em Vitória), que é o ícone dessas facções, também mantém ligação com o Comando Vermelho de Vila Velha, o Primeiro Comando de Vitória e os comandos de Vitória, Cariacica e Serra. Você deve se lembrar, lá atrás, daquela grande queima de quase 30 ônibus e a rebelião no sistema carcerário. Aquilo foi uma demonstração de unidade entre eles, mas fora isso, dificilmente se unem. Quando a polícia enfrenta o Primeiro Comando de Vitória no Bairro da Penha, isso repercute em Cobi, Garanhuns, Laranjeiras e Planalto Serrano, que também são áreas do Primeiro Comando de Vitória", explicou.
“No Estado, as facções não possuem ascendência suficiente para determinar uma sequência de ataques ao governo, à Polícia Militar ou a outras facções. Dentro desse contexto, as facções que atuam no Espírito Santo são horizontais. A principal premissa para a existência dessas organizações é a necessidade de mercado para a venda de drogas”, explicou.
O comandante destacou que o conceito de dominação precisa ser melhor compreendido. Segundo ele, no Espírito Santo ainda não há áreas de dominação por facções, mas sim áreas de atuação. “Aqui, no Bairro da Penha, por exemplo, a polícia mantém uma patrulha 24 horas, realizando apreensões de armas, munições e drogas a qualquer momento. Entramos e saímos de qualquer local”, afirmou.
Caus comparou a situação com o Estado do Rio de Janeiro, onde, em algumas comunidades, a polícia enfrenta grandes dificuldades para operar. Ele citou práticas como barricadas, óleo derramado nas vias, areia para dificultar o avanço de blindados, chapas de aço e ônibus atravessados. “Ou seja, para o Estado entrar ali, ele entra, mas não permanece, não realiza patrulhamento normal. Se uma, duas, três ou quatro viaturas entrarem, serão alvejadas com tiros de fuzil. Já aqui no Espírito Santo, temos áreas de atuação, o que é muito significativo, pois essas facções ficam confinadas em suas áreas”, concluiu.
“As duas facções que mais se enfrentam aqui são o Terceiro Comando Puro (TCP) e o Primeiro Comando de Vitória (PCV). Existem bocas de fumo na região que geram rentabilidade de 200, 300, até 350 mil reais por mês. Se somarmos várias dessas bocas em uma área, temos uma capitalização significativa. Se uma comunidade vizinha é dominada pelo TCP e o PCV vai lá e toma a região, o que ele ganha? Ele conquista pontos de venda de drogas, aumenta a comercialização e, consequentemente, sua capitalização. Porém, para isso, não basta simplesmente chegar e declarar que a área agora é sua”, contou o comandante-geral da Polícia Militar Douglas Caus.
“As duas facções precisam de traficantes e homicidas bem armados, equipados com pistolas, fuzis e granadas, para conseguirem, nessa guerra, dominar e expulsar a outra facção. A disputa é entre eles. E o que a Polícia Militar faz? Nós conhecemos muito bem esses locais de confronto e atuamos para conter essa guerra. Trabalhamos nas regiões disputadas por ambos”, destacou.
“Nós demos um prejuízo ao tráfico de drogas em armas, munições de mais de 110 milhões de reais, em 2024. Quanto o tráfico ganha no Espírito Santo por ano? Se a força pública, nesse caso a Polícia Militar, causa um prejuízo desse tamanho, então por que o tráfico continua? Nós não temos um parâmetro de mensuração, porque o negócio é rentável, eles continuam trocando tiros com a Polícia Militar, continuam tentando tomar outros territórios”, disse o coronel Douglas Caus para A Gazeta.
"E isso, nós vamos aumentar a sarrafo. Cada instituição tem que fazer sua parte. A Polícia Militar, como estou explicando, deve investigar esse dinheiro lucrado pelo tráfico, como lavagem de dinheiro, com a Polícia Civil e a Polícia Federal. Precisamos identificar a lavagem em postos de gasolina, supermercados, depósitos em conta, o trânsito de dinheiro daqui para o Rio de Janeiro, de onde vêm as armas. Se não estancarmos essa teia, que é a lavagem de dinheiro, ela vai retroalimentar as facções, principalmente onde existem territórios disputados e onde se enfrentam com o Estado”, disse Douglas Caus.
Caus disse que a Polícia Militar tomou uma decisão."É uma decisão de Estado, de manter o Espírito Santo, todo ele livre de dominação de facção. Pode ter área de atuação, de dominação, não. Essa disposição do Estado em garantia via pública, domínio do Estado e aí efetivar o direito à segurança pública por parte dos nossos cidadãos, é uma decisão estratégica", disse o coronel que comanda da PM no Espírito Santo.
“Quando nós entramos nessas áreas, as pessoas que são gerentes, que estão ali reabastecendo as bocas de fumo, com uma sacola contendo 40, 50 mil reais em drogas, um fuzil custando mais de 50 mil reais, uma pistola mais de 20 mil reais, eles não querem perder aquela droga, aquele armamento, nem serem presos. A prisão significa sair da comunidade, ir para o sistema carcerário, pagar advogado e parar de lucrar. Então, esses indivíduos, quando se deparam com a força pública no patrulhamento, atiram com dois motivos: primeiro, para acertar o policial militar e, segundo, para tentar dissuadir a polícia de continuar sua progressão até prendê-los”, explicou o coronel Douglas Caus.
“Eles atiram para matar o policial e também para tentar fugir. Nossa tropa está muito bem treinada e os armamentos que estamos utilizando hoje são de altíssima qualidade e precisão. Nossos fuzis são israelenses, com duas miras, então o policial bem treinado, com equipamento sofisticado, tem maior assertividade. No combate com traficantes, para proteger nossas vidas, estamos sendo mais precisos. Isso tem um poder dissuasório contra esses criminosos, dificultando que enfrentem nossos policiais militares. Essa estratégia tem dado resultados positivos no Espírito Santo, confinando as facções em áreas específicas. Com isso, elas não conseguem sair para atacar outras facções, diminuímos os homicídios e conseguimos prender os criminosos dentro das comunidades, o que também previne mortes”, disse o comandante-geral da PM capixaba.
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