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Publicado em 19 de novembro de 2025 às 17:56
A população que se autodeclara preta e parda — que compõe o grupo negro no contexto do IBGE — consolidou sua maioria no Espírito Santo. O grupo representa 61% dos moradores, de acordo com o Censo Demográfico de 2022. Na Grande Vitória, o percentual de pessoas negras é maior, com 64,1%, frente a 35,6% de brancos. >
No entanto, esse avanço numérico esconde uma persistente disparidade estrutural: enquanto 61% dos moradores do Estado são negros, esse grupo continua a ter menor acesso à educação de qualidade, ocupa majoritariamente a informalidade do mercado de trabalho e ainda detém a pior condição habitacional e de saneamento, um cenário que confirma a tese de estar em maior vulnerabilidade, inclusive à violência.>
O Espírito Santo registrou 1.908.803 pessoas pardas (49,8%) e 429.680 pessoas pretas (11,2%), totalizando mais de 2,3 milhões de pessoas. Em contrapartida, a população branca representa 38,6% do total (1.479.275 pessoas). Segundo o IBGE, o número da população preta subiu 46,5% entre 2010 e 2022 no Espírito Santo.>
As pessoas negras também são as maiores vítimas de homicídios dolosos no Espírito Santo. Dados do Observatório da Segurança Pública do Estado apontam que 82% das vítimas dos crimes registrados de janeiro a outubro de 2025 foram pretos e pardos.>
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A desigualdade no acesso ao ensino superior é o ponto mais crítico revelado pelos dados do Censo 2022. Entre as pessoas com 18 anos ou mais no Espírito Santo:>
Isso significa que a proporção de brancos com diploma universitário completo é cerca de duas vezes maior do que a de negros no Estado. >
O quadro se inverte nos níveis mais baixos de instrução. Cerca de 64,2% de toda a população de 18 anos ou mais que tem apenas o fundamental incompleto ou nenhuma instrução é formada por pessoas pretas e pardas.>
Ao olhar os dados sobre rendimentos separados por raça, o Censo 2022 mostra que no Espírito Santo, em média, pretos ganham cerca de 60% a menos do que brancos. O valor total de rendimento entre grupos de ocupação estudados para pessoas brancas é de R$ 3464,12, enquanto pretos recebem R$ 2101,27 e pardos R$ 2286,6. Confira abaixo os valores por grupos de cargos.>
A disparidade educacional se reflete diretamente no mercado de trabalho. Os dados de ocupação para pessoas de 14 anos ou mais mostram que a população negra está muito mais exposta à informalidade e a postos de trabalho com menor proteção social.>
Entre os trabalhadores do setor privado (excluindo domésticos) que estão sem carteira de trabalho assinada, 67,1% são negros e pardos.>
Em termos proporcionais, trabalhadores pretos e pardos têm um risco maior de estarem desprotegidos. Cerca de 14% dos ocupados negros e pardos estão sem carteira no setor privado, enquanto essa taxa cai para 10,5% entre os brancos.>
A exclusão social também aparece em informações sobre a infraestrutura básica. Os dados de moradia mostram que a população negra é a mais afetada pelas condições precárias. >
Dados do Censo mostram que mais de 76% dos moradores em estrutura residencial permanente degradada ou inacabada são pretos e pardos. O mesmo grupo representa 74% dos moradores em casa de cômodos ou cortiço.>
Em números absolutos, 287.859 pessoas pretas e pardas vivem em domicílios que utilizam fossa rudimentar ou buraco como forma de esgotamento sanitário (a pior condição registrada). Embora o percentual interno de cada grupo seja similar (em torno de 12%), o volume de pessoas negras vivendo nessas condições é 59% superior ao de pessoas brancas.>
Para o economista e conselheiro do Conselho Regional de Economia do Espírito Santo (Corecon-ES) Ricardo Paixão, essa predominância numérica não se converte em igualdade de oportunidades. Os dados mostram que, apesar de representarem a maior parcela dos habitantes, pretos e pardos seguem enfrentando maiores barreiras de acesso à educação formal e sofrem com trajetórias escolares mais interrompidas e menor presença em cursos superiores. Esse padrão estrutural limita o avanço socioeconômico e reforça desigualdades que se reproduzem ao longo das gerações.>
“No mercado de trabalho, a desigualdade é ainda mais evidente. Estudos regionais indicam que trabalhadores negros recebem salários menores do que trabalhadores brancos em funções equivalentes, além de terem menor acesso a ocupações formais e de maior qualificação. A informalidade – seja em serviços, comércio ambulante ou ocupações de baixa proteção social – concentra grande parte da força de trabalho negra capixaba, o que os expõe à instabilidade de renda, à ausência de direitos trabalhistas e à vulnerabilidade econômica. Essa dinâmica aprofunda diferenças salariais e diminui as possibilidades de mobilidade social”, afirma.>
Paixão lembra ainda que essas disparidades, portanto, não são acidentais. São expressão de um padrão estrutural que atravessa educação, mercado de trabalho e renda no Espírito Santo. >
Ricardo Paixão
Economista e conselheiro do Conselho Regional de Economia
A distribuição da população negra e branca também tem um componente geográfico. O Censo 2022 apontou que a população parda é predominante em 43 dos 78 municípios do Espírito Santo.>
Já a população branca, embora minoria no Estado, mantém sua predominância em 35 municípios, concentrando a maior parte nas regiões de forte colonização europeia, como Santa Maria de Jetibá (75,7% branca), Laranja da Terra (67,4%) e Domingos Martins (65,7%).>
Estudo realizado pelo Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN) aponta que o fato de a população negra representar o maior percentual populacional ocorre devido ao grande contingente populacional de negros que historicamente foram trazidos de forma compulsória para o Brasil e enviados para os demais estados, até então províncias, durante o passado colonial e imperial brasileiro. >
“A partir dos indicadores populacionais, é possível perceber que o Brasil possui uma população majoritariamente negra, mas, apesar disso, segue ignorando o sentido político, cultural, econômico e social do legado africano”, diz. >
O estudo lembra ainda que as pessoas negras ainda são submetidas e sofrem os piores níveis de exclusão ou acesso inadequado a direitos básicos, como moradia, saúde e educação.>
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