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Com novas práticas médicas, mortes pela Covid-19 podem ter diminuído no ES

Com novas práticas médicas, mortes pela Covid-19 podem ter diminuído no ES

Médicos capixabas apontam as novas práticas desenvolvidas com base na observação de cada caso e garantem que a evolução das técnicas têm, de fato, poupado vidas

Publicado em 23 de agosto de 2020 às 21:02

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Parte da equipe da UTI2 que luta todos os dias para salvar as pessoas contaminadas pelo coronavírus
Parte da equipe da UTI que luta todos os dias para salvar as pessoas contaminadas pelo coronavírus. (Carlos Alberto Silva)

Com o passar dos meses em contato com a Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, os profissionais da saúde vêm aprendendo mecanismos para lidar com os pacientes de modo a terem mais sucesso com os tratamentos empreendidos. Neste sentido, médicos capixabas apontam as novas práticas desenvolvidas com base na observação de cada caso e garantem que a evolução das técnicas têm, de fato, poupado vidas.

Para o médico e secretário de Estado da Saúde, Nésio Fernandes, não se trata somente de ter novas condutas terapêuticas, sendo que a maturidade do funcionamento do sistema também pesa no desempenho. "Aqui nós temos o segundo maior hospital Covid-19 do Brasil em número de leitos de UTI, o Jayme dos Santos Neves. Hoje internamos com maior precocidade, ampliamos o acesso à testagem, a regulação funciona com melhor desempenho na garantia do acesso ao recurso hospitalar. Assim temos menos óbitos nas primeiras horas de internação", afirmou.

Além disso, segundo Fernandes, desde o início do combate ao vírus foi garantida grande oferta de leitos de isolamento. "Isso permitiu evitar a transmissão da doença entre pacientes suspeitos nos hospitais do Estado. Decidimos com base nas convicções disponíveis no momento e nisso acertamos muito", esclareceu.

Para o médico intensivista Gabriel Rangel, que faz parte da coordenação das unidades críticas e responsável por uma das Unidades de Terapia Intensiva (UTI) para Covid do Hospital Estadual Jayme dos Santos Neves, ao longo do tempo foi se identificando, por meio de estudos e autópsias, que a doença ia além do que no início parecia, em que era considerada como uma patologia pulmonar.

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Temos uma doença nova, que durante o período inicial se considerou como doença pulmonar, até pelos primeiros relatos dos primeiros países afetados, mas que ao longo do tempo foi se identificando que se tratava de algo muito mais sistêmico. Além disso, se mostrou, e essa, para mim, é uma das questões mais difíceis, que é uma doença muito longa, que as coisas aconteciam de maneira quase que linear, mas se prolongando muito. A gente aprendeu, ao longo desses últimos meses, que o tempo correto para tomar medidas é crucial

Gabriel Rangel
Médico Intensivista 
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OS MÉDICOS "PEGARAM A MÃO", DIZ ESPECIALISTA

De acordo com o médico infectologista Lauro Ferreira Pinto, os médicos "pegaram a mão" no combate à pandemia. "No início tudo era difícil, então eu não tenho dúvida de que os colegas tenham aprendido a lidar com os pacientes", disse.

No mesmo sentido, para Rangel, ao longo do período em contato com a Covid-19, foi-se aprendendo novas práticas com a ciência e com a experiência de quem cuida. "Precisamos então entender a doença de uma maneira completamente nova, sem buscar semelhanças com outras doenças. Quando começamos a encarar como uma doença exclusiva, isso trouxe muito aprendizado e este aprendizado fez com que a gente tomasse medidas na beira do leito, como equipe multidisciplinar, que modificaram sim a curva de tratamento", acrescentou.

Para o intensivista, tornou-se óbvio que, além de novas técnicas, foi necessário construir equipes, equipamentos, do dia para a noite, para uma doença nova. "Um time capaz de cuidar de algo tão desafiador. A gente fala muito de ventilação não invasiva, hemodiálise, corticóide, mas, no fim, uma grande questão que evoluiu foi a construção de equipes capazes de conduzir os pacientes com a Covid. É bem claro que a gente evoluiu ao longo desses meses, que temos muito que evoluir ainda", afirmou.

CINCO FATORES

Para o infectologista Lauro, é possível elencar ao menos cinco fatores que foram fundamentais para a diminuição das mortes. O primeiro deles são os marcadores de gravidade, por meio dos quais os pacientes são acompanhados e têm a inflamação monitorada, com exames de sangue que apontam quem são as pessoas com maior risco.

O segundo fator apontado pelo médico é a pronação, que consiste em "ventilar a pessoa de barriga para baixo, o que tem prevenido a ida para o respirador, permitindo ventilar melhor", explicou. 

O terceiro fator que tem contribuído com o tratamento é a ventilação não invasiva, que permite não precisar entubar, com uso de oxigênio no momento certo. 

"Além disso, um dos fatores é a corticoterapia, ou uso de corticoides. Apesar disso, deve-se ter cuidado, porque tem pessoas usando corticoide em qualquer momento e na verdade o corticoide é reservado para a segunda fase da Covid, no paciente hospitalizado, dependente de oxigênio", apontou Lauro.

Como quinto fator, Lauro Ferreira Pinto aponta o uso dos anticoagulantes. "Tudo isso tem composto a melhoria dos cuidados aqui e tem sido observada queda de mortalidade. Principalmente o marcador de acompanhamento dos pacientes que tem sido feito, além do uso de corticoide e da ventilação, todos esses aspectos têm reduzido a mortalidade no Espírito Santo e isso tem sido relatado nos hospitais", concluiu.

NOVAS TÉCNICAS

Também para Gabriel Rangel, hoje vem sendo utilizada ventilação não invasiva, suporte de oxigênio com fluxos maiores do que se imaginava possível no começo da pandemia, e se tolera mais a hipoxemia - insuficiência de oxigênio no sangue - desde que não tenha consequências ao pacientes.  "Uma das grandes descobertas foi a utilização da posição prona, mesmo no paciente não entubado. Era uma prática comum nos entubados, mesmo no pré-Covid, e isso mostrou um benefício muito grande, evitando entubação. Além disso, um dos principais diferenciais, é que hoje, até por uma oferta de vaga maior nos hospitais, os pacientes chegam mais cedo às unidades de saúde e isso diminui as mortes", concluiu.

Também para a infectologista Simone Tosi, atuante em gestão hospitalar e coordenadora da supervisão hospitalar dos hospitais da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) desde abril, a ventilação e qualquer outro procedimento invasivo, mesmo que necessário, aumenta o risco de “eventos adversos”, dentre eles, a infecção relacionada à assistência. "Como infectologista, posso garantir que nossa dedicação em evitar invasões estão implícitas nos “bundles”, chamados 'pacotes de mudanças'", relatou. 

Apesar de tudo, segundo a especialista, ainda mais mortes poderiam ter sido evitadas. "Em março conhecíamos pouco a doença e até mesmos os pacientes que nos precederam tinham poucas evidências científicas. De qualquer maneira, a curva de aprendizado existe mesmo mediante as patologias já conhecidas, quando é “nova” para aquela equipe e hospital. Mas estou muito otimista: aprendemos muito e hoje temos uma saúde pública mais estruturada, com mais densidade tecnológica e um RH mais qualificado", finalizou. 

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