Publicado em 23 de agosto de 2020 às 21:02
Com o passar dos meses em contato com a Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, os profissionais da saúde vêm aprendendo mecanismos para lidar com os pacientes de modo a terem mais sucesso com os tratamentos empreendidos. Neste sentido, médicos capixabas apontam as novas práticas desenvolvidas com base na observação de cada caso e garantem que a evolução das técnicas têm, de fato, poupado vidas. >
Para o médico e secretário de Estado da Saúde, Nésio Fernandes, não se trata somente de ter novas condutas terapêuticas, sendo que a maturidade do funcionamento do sistema também pesa no desempenho. "Aqui nós temos o segundo maior hospital Covid-19 do Brasil em número de leitos de UTI, o Jayme dos Santos Neves. Hoje internamos com maior precocidade, ampliamos o acesso à testagem, a regulação funciona com melhor desempenho na garantia do acesso ao recurso hospitalar. Assim temos menos óbitos nas primeiras horas de internação", afirmou.>
Além disso, segundo Fernandes, desde o início do combate ao vírus foi garantida grande oferta de leitos de isolamento. "Isso permitiu evitar a transmissão da doença entre pacientes suspeitos nos hospitais do Estado. Decidimos com base nas convicções disponíveis no momento e nisso acertamos muito", esclareceu.>
Para o médico intensivista Gabriel Rangel, que faz parte da coordenação das unidades críticas e responsável por uma das Unidades de Terapia Intensiva (UTI) para Covid do Hospital Estadual Jayme dos Santos Neves, ao longo do tempo foi se identificando, por meio de estudos e autópsias, que a doença ia além do que no início parecia, em que era considerada como uma patologia pulmonar.>
>
Gabriel Rangel
Médico IntensivistaDe acordo com o médico infectologista Lauro Ferreira Pinto, os médicos "pegaram a mão" no combate à pandemia. "No início tudo era difícil, então eu não tenho dúvida de que os colegas tenham aprendido a lidar com os pacientes", disse. >
No mesmo sentido, para Rangel, ao longo do período em contato com a Covid-19, foi-se aprendendo novas práticas com a ciência e com a experiência de quem cuida. "Precisamos então entender a doença de uma maneira completamente nova, sem buscar semelhanças com outras doenças. Quando começamos a encarar como uma doença exclusiva, isso trouxe muito aprendizado e este aprendizado fez com que a gente tomasse medidas na beira do leito, como equipe multidisciplinar, que modificaram sim a curva de tratamento", acrescentou.>
Para o intensivista, tornou-se óbvio que, além de novas técnicas, foi necessário construir equipes, equipamentos, do dia para a noite, para uma doença nova. "Um time capaz de cuidar de algo tão desafiador. A gente fala muito de ventilação não invasiva, hemodiálise, corticóide, mas, no fim, uma grande questão que evoluiu foi a construção de equipes capazes de conduzir os pacientes com a Covid. É bem claro que a gente evoluiu ao longo desses meses, que temos muito que evoluir ainda", afirmou.>
Para o infectologista Lauro, é possível elencar ao menos cinco fatores que foram fundamentais para a diminuição das mortes. O primeiro deles são os marcadores de gravidade, por meio dos quais os pacientes são acompanhados e têm a inflamação monitorada, com exames de sangue que apontam quem são as pessoas com maior risco. >
O segundo fator apontado pelo médico é a pronação, que consiste em "ventilar a pessoa de barriga para baixo, o que tem prevenido a ida para o respirador, permitindo ventilar melhor", explicou. >
O terceiro fator que tem contribuído com o tratamento é a ventilação não invasiva, que permite não precisar entubar, com uso de oxigênio no momento certo. >
"Além disso, um dos fatores é a corticoterapia, ou uso de corticoides. Apesar disso, deve-se ter cuidado, porque tem pessoas usando corticoide em qualquer momento e na verdade o corticoide é reservado para a segunda fase da Covid, no paciente hospitalizado, dependente de oxigênio", apontou Lauro.>
Como quinto fator, Lauro Ferreira Pinto aponta o uso dos anticoagulantes. "Tudo isso tem composto a melhoria dos cuidados aqui e tem sido observada queda de mortalidade. Principalmente o marcador de acompanhamento dos pacientes que tem sido feito, além do uso de corticoide e da ventilação, todos esses aspectos têm reduzido a mortalidade no Espírito Santo e isso tem sido relatado nos hospitais", concluiu.>
Também para Gabriel Rangel, hoje vem sendo utilizada ventilação não invasiva, suporte de oxigênio com fluxos maiores do que se imaginava possível no começo da pandemia, e se tolera mais a hipoxemia - insuficiência de oxigênio no sangue - desde que não tenha consequências ao pacientes. "Uma das grandes descobertas foi a utilização da posição prona, mesmo no paciente não entubado. Era uma prática comum nos entubados, mesmo no pré-Covid, e isso mostrou um benefício muito grande, evitando entubação. Além disso, um dos principais diferenciais, é que hoje, até por uma oferta de vaga maior nos hospitais, os pacientes chegam mais cedo às unidades de saúde e isso diminui as mortes", concluiu.>
Também para a infectologista Simone Tosi, atuante em gestão hospitalar e coordenadora da supervisão hospitalar dos hospitais da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) desde abril, a ventilação e qualquer outro procedimento invasivo, mesmo que necessário, aumenta o risco de eventos adversos, dentre eles, a infecção relacionada à assistência. "Como infectologista, posso garantir que nossa dedicação em evitar invasões estão implícitas nos bundles, chamados 'pacotes de mudanças'", relatou. >
Apesar de tudo, segundo a especialista, ainda mais mortes poderiam ter sido evitadas. "Em março conhecíamos pouco a doença e até mesmos os pacientes que nos precederam tinham poucas evidências científicas. De qualquer maneira, a curva de aprendizado existe mesmo mediante as patologias já conhecidas, quando é nova para aquela equipe e hospital. Mas estou muito otimista: aprendemos muito e hoje temos uma saúde pública mais estruturada, com mais densidade tecnológica e um RH mais qualificado", finalizou. >
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta