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Capixabas percorreram 3,4 mil quilômetros para fugir dos EUA após matarem brasileira

Capixabas percorreram 3,4 mil quilômetros para fugir dos EUA após matarem brasileira

No caminho da fuga cinematográfica, eles foram deixando rastros digitais, com o uso de celulares e o envio de áudios e vídeos para familiares

Publicado em 10 de novembro de 2022 às 18:49

Crime nos EUA: capixabas são julgados em Vitória por homicídio de brasileira em Los Angeles
Crime nos EUA: capixabas são julgados em Vitória por homicídio de brasileira em Los Angeles Crédito: Arte A Gazeta

Os dois capixabas acusados de matarem uma brasileira nos Estados Unidos percorreram cinco estados americanos até a fronteira com o México, em um trajeto de 3.400 quilômetros, para fugirem após o crime. Pelo caminho foram deixando rastros digitais, com o uso de celulares e o envio de áudios e vídeos para familiares.

As informações foram apresentadas durante julgamento, que é realizado no Fórum Criminal de Vitória nesta quinta-feira (10), de Thiago Philipe de Souza Bragança, o Lipinho, e Wenderson Júnior Dalbem Silva, mais conhecido como Júnior ou Negão.

Eles foram apontados como autores do assassinato da mineira Ana Paula Feitosa dos Santos Braga, de 24 anos, morta na casa que ela tinha acabado de alugar em Los Angeles, Califórnia.

Foram denunciados pelo Ministério Público do Espírito Santo (MPES) e pronunciados - decisão judicial que os encaminha para o Tribunal do Júri - pelo juiz da Primeira Vara Criminal de Vitória, Marcos Pereira Sanches.

Investigação internacional

As duas primeiras testemunhas ouvidas pelo Tribunal do Júri participaram das investigações do crime nos Estados Unidos. Um deles é um agente do FBI.

O agente explicou aos jurados que, a partir das informações que recebeu da Polícia de Los Angeles, fez uma análise dos celulares de Ana e do denunciado Wenderson. O trabalho levou em consideração as torres de celular que foram utilizadas por onde os aparelhos percorreram.

Foi por esta análise de rastreio dos celulares que ele identificou que os réus percorreram os seguintes estados americanos: saíram da Califórnia e seguiram para o Arizona, Novo México, Oklahoma e Texas.

No último estado passaram por seis cidades até chegarem a Laredo, na fronteira. “Onde acreditamos que eles atravessaram a fronteira”, informou.

Um percurso total de 3.400 quilômetros. Segundo os agentes, os telefones deixaram de ser rastreados quando saíram dos Estados Unidos.

O período analisado por ele teve início no dia 30 de janeiro, data em que ocorreu o crime. O rastreio começa com os telefones presentes na casa de Ana. Por volta das 18h32, ele mostra os telefones se afastando do local da residência, seguindo para o Norte, em direção a localidade de Desert Hot Springs, onde chegam por volta das 21h20, em um resort.

Perto do resort eles abandonaram o corpo em uma lixeira. No dia 31 de janeiro, por volta das 4h24, eles deixam a localidade e viajam para Oklahoma. No dia 1º de fevereiro foi constatado que eles receberam duas chamadas e outras duas foram feitas.

Pela manhã de 2 de fevereiro os dois telefones voltam a viajar e no trajeto o telefone de Wenderson recebeu 3 chamadas. À noite ele foi identificado como estando em uma estação de ônibus. E por volta das 17h50 o celular estava no ponto em que o carro de Ana foi abandonado.

Às 21h21, ainda em 1º de fevereiro, os telefones começam a viajar em direção a Houston, no Texas. Às 22h37, o telefone da Ana teve a última chamada nos EUA. Às 4h30 de 2 de fevereiro os telefones chegam ao Texas.

De acordo com o agente do FBI, no dia 2 de fevereiro, entre 15h37 e 17h11, são feitas as últimas chamadas do telefone de Wenderson nos EUA. À noite ele segue de San Antonio para Laredo, que fica na fronteira com o México. Às 2h49 o telefone do Wenderson teve atividade e o agente acredita ser quando eles atravessaram a fronteira.

Polícia de Los Angeles

Em seu depoimento, o primeiro desta quinta-feira (10), o policial de Los Angeles relatou que começou as investigações a partir de vídeos e fotos recebidos da Polícia Federal no Brasil que mostravam o corpo da vítima em um edredom e com cinto e fio elétrico enrolados no pescoço.

Nas investigações, eles descobriram que um dia antes do crime, policiais atenderam uma ocorrência por reclamações de barulho no apartamento da Ana, e as câmeras corporais dos policiais gravaram ela ao lado de Thiago e Wenderson.

Já no dia do crime, câmeras do prédio de Ana também filmaram os três entrando no apartamento, e por volta das 18h54, Thiago e Wenderson deixaram o local com um “embrulho bem pesado”, relatou o policial.

Ao ser questionado pelo MPES, o policial confirmou que o embrulho que Thiago e Wenderson carregavam ao sair da casa de Ana era o mesmo filmado pelos denunciados, e que continha o corpo da vítima.

Segundo o policial, o corpo de Ana foi descartado em uma lixeira na cidade de Desert Hot Springs. Eles investigaram o destino do lixo e descobriram que ele foi levado para um aterro. Foram até o local de descarte do lixo, um aterro, conseguiram localizar até o ponto onde o lixo foi jogado, mas não conseguiram localizar o corpo.

“Tinham 24 dias de lixo, quilos e quilos, que havia sido compactado com maquinaria bem pesada, o que acelera a decomposição, e que a chance de localizar o corpo nestas circunstâncias era muito pequena”, relatou.

Informou ainda que o carro de Ana tinha dispositivo de rastreamento, o que permitiu identificar que Thiago e Wenderson fugiram de Los Angeles, abandonando o carro em Oklahoma.

Informou também que o rastreamento do telefone da Ana, que estava com Thiago, indicou que eles depois foram para Houston e na sequência para o México. Posteriormente chegaram ao Brasil.  

Thiago Philipe Souza Bragança e Wendersonl Júnior Dalbem Silva confessaram assassinato de Ana Paula Braga
Thiago Philipe Souza Bragança e Wendersonl Júnior Dalbem Silva confessaram assassinato de Ana Paula Braga Crédito: Montagem A Gazeta | Redes sociais

Ele relatou ainda que o pai de Thiago mora nos Estados Unidos e que ele tem um relacionamento conturbado com o filho. E que no final de janeiro, Thiago enviou áudio pedindo dinheiro. Posteriormente ele recebeu também um vídeo que mostrava o corpo de Ana.

O policial de Los Angeles relatou que durante as investigações também ouviram o depoimento do ex-marido de Ana, que relatou que eles foram para os EUA por volta de 2017 e que tiveram um filho. Eles se separaram quando o marido descobriu que Ana o traía.

Também entrevistaram um tio paterno de Thiago, que falou que seu estabelecimento comercial foi alvo de um roubo, onde vários cheques desapareceram, e que a polícia descobriu, posteriormente, que foi Thiago que praticou o furto.

O tio também relatou que a mãe de Thiago, que vive no Brasil, também ligou para ele, pedindo que desse dinheiro ao sobrinho porque ele tinha matado uma mulher nos EUA. O tio disse que não o ajudou.

Ele ainda relata sobre o vídeo feito por Thiago no México. O policial americano disse que as imagens foram compartilhadas pelo telefone da Ana e que Thiago e Wenderson também utilizaram os aparelhos pessoais para enviar as imagens para a família.

Sobre as investigações feitas no apartamento da Ana, a perícia de Los Angeles encontrou sangue em três locais: uma mancha no chão da sala, que pelo teste apontou ter 91% do sexo feminino e 9% do sexo masculino. Encontraram ainda uma faca, onde 91% do sangue era do sexo feminino, 2% do sexo masculino. E ainda no interruptor, que era masculino. O exame foi feito para identificar a presença de sangue nestes locais.

Morte por asfixia

No início de janeiro de 2020, Ana Paula hospedou por uns dias, em sua casa, os capixabas Thiago e Wenderson. No final do mesmo mês, eles tiveram um desentendimento e a jovem foi morta por asfixia, com o uso de um cinto e fio elétrico.

O corpo de Ana Paula foi enrolado em um edredom. Os acusados pelo crime ainda filmaram a cena. Nas imagens Thiago informa: “Já está embrulhado já… Negão tem que limpar este sangue aqui”. Negão é o apelido de Wenderson.

Em outro vídeo Thiago está com o telefone da vítima e relata: “Eu matei ela e ainda estou com o telefone da mulher. Peraí… vamos nas fotos aqui…”.

Neste último vídeo Thiago aparece usando um tênis vermelho, o mesmo calçado foi identificado pelo agente da Polícia Federal Mário Freitas no Brasil. “Recebemos informações de que ele estaria em Cariacica. Fomos investigar para obter um mandado de prisão, e no dia ele usava o mesmo tênis vermelho”, relata. Dias depois os jovens foram presos.

Fuga de cinema

Segundo as investigações, após o crime, Thiago e Wenderson fugiram com o carro de Ana Paula, de Los Angeles para a cidade de Desert Hot Springs, ambas na Califórnia. O corpo da jovem foi levado no porta-malas e jogado na lixeira de um cassino.

De lá a dupla percorreu três estados americanos, chegando a Oklahoma, onde abandonaram o carro. Seguiram para Houston, no Texas, onde pediram mais dinheiro aos parentes.

“Tô na rodoviária, o resto de dinheiro que eu tinha, eu comprei a passagem e só dá para chegar até Houston”, disse Thiago.

Na sequência foram para a capital do México, onde se hospedaram em um hotel até Wenderson, que estava sem o passaporte, conseguir uma autorização da embaixada local para viajar. Na cidade eles gravaram um novo vídeo para os familiares, no hotel onde estavam hospedados.

“Aproveitar a suíte presidencial, à vista, pedir uma cervejinha, ali tem o bar dos arrombados, só marcar que nós tá brotando”. As imagens mostram o local sendo descrito por Thiago, com a voz de Wenderson falando sobre o bar.

Do México vieram para o Brasil. Chegaram em Vitória oito dias após o crime. Foram para o interior do Espírito Santo, em Barra de São Francisco, e depois para Cariacica, onde foram presos em 23 de fevereiro de 2020.

“Eles confessaram o crime. Foram presos e, posteriormente, a prisão temporária foi convertida para uma prisão preventiva, e permanecem detidos até o julgamento”, relatou o superintendente da Polícia Federal no Espírito Santo, Eugênio Ricas. 

O que diz a defesa

O advogado Wagner Batista Campanha, que faz a defesa de Wenderson, afirmou que, no julgamento, "várias testemunhas já demonstraram a personalidade dele e a forma como ele é na comunidade, que é bem diferente do outro rapaz, e também foram ouvidas testemunhas que vieram dos Estados Unidos e muitas dúvidas foram dirimidas."

"A minha expectativa é que o meu cliente responda pelo que realmente cometeu. Não sendo acusado de uma monstruosidade dessa, mas sim pelo fato de ele, infelizmente, ter tido a necessidade de sair em fuga nos Estados Unidos, para não ser preso ali, e ter de fato ocultado o cadáver. Contudo, a parte do homicídio ele não praticou. E no julgamento essa nossa tese está bem demonstrada", disse Campanha.

Já o advogado Marcos Farizel, que defende Thiago,  disse o cliente "confirmou sua participação e assumiu a autoria dos fatos, porém de uma forma um pouco diversa em relação as qualificadoras sustentadas pelo Ministério Público, que é a tese nossa. Nós vamos procurar desqualificar as qualificadoras para amenizar o resultado final da pena".

"Isso significa que ele está denunciado pelo Ministério Público, no art. 121, com três qualificadoras, que são motivo fútil, meio cruel e impossibilidade de defesa da vítima, o que eleva a pena de 12 a 30 anos. A defesa vai tentar substituir essas qualificadoras para cair para uma pena mais branda entre 6 a 20 anos", disse Farizel.

A expectativa dos advogados da defesa é que o julgamento se encerre no final da noite desta quinta-feira.

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