Ana Paula Feitosa dos Santos Braga, mais conhecida como Ana Paula Braga, assassinada nos EUA
Ana Paula Feitosa dos Santos Braga, mais conhecida como Ana Paula Braga, assassinada nos EUA. Crédito: Rede Sociais

FBI e polícia de Los Angeles vão detalhar como capixabas mataram jovem nos EUA

Dois capixabas foram denunciados pelo assassinato de uma mineira nos Estados Unidos e, após o crime, fugiram para o Espírito Santo. O crime foi investigação pelo FBI, Polícia de Los Angeles e, no Brasil, pelas polícias Federal, Civil e Militar e MPES

Tempo de leitura: 9min
Vitória
Publicado em 10/11/2022 às 07h52

Dois americanos — um agente do FBI e um policial de Los Angeles — participam de um julgamento no Fórum Criminal de Vitória nesta quinta-feira (11). Eles atuaram nas investigações do assassinato de uma mineira, ocorrido nos Estados Unidos (EUA), em janeiro de 2020. Os autores do crime, denunciados pelo Ministério Público do Espírito Santo (MPES), foram dois capixabas, que em uma fuga cinematográfica percorreram vários estados americanos, passaram pelo México, até chegarem ao Espírito Santo, onde foram presos.

Eles vieram ao Brasil acompanhados de uma equipe composta por tradutores e adidos. Vão relatar aos jurados como foram as investigações realizadas nos EUA sobre o assassinato da mineira Ana Paula Feitosa dos Santos Braga, de 24 anos, morta na casa que ela tinha acabado de alugar em Los Angeles.

Vão sentar no banco dos réus os jovens Thiago Philipe de Souza Bragança, o Lipinho, e Wenderson Júnior Dalbem Silva, mais conhecido como Júnior ou Negão. Eles foram denunciados como autores do homicídio pelo Ministério Público do Espírito Santo (MPES) e pronunciados — decisão judicial que os encaminha para o Tribunal do Júri — pelo juiz da Primeira Vara Criminal de Vitória, Marcos Pereira Sanches.

O crime aconteceu em 30 de janeiro de 2020 e foi descoberto quando os jovens chegaram ao Brasil. Dias antes tinham começado a enviar mensagens e vídeos por WhatsApp para familiares pedindo dinheiro para a fuga. Material que acabou ajudando nas investigações.

Ao chegarem ao Espírito Santo, começaram a extorquir dinheiro dos próprios familiares, contando que tinham cometido um homicídio e fazendo ameaças.

“Agiliza o trem que, você tá ligado que o bagulho aqui é doido, entendeu. Vou tentar fazer bem feito para, se achar o corpo, é só segunda-feira”, diz Thiago em um vídeo enviado a familiares pedindo dinheiro. Foram os parentes que denunciaram à polícia.

O superintendente da Polícia Federal no Espírito Santo, Eugênio Ricas, avalia que a fuga foi motivada, principalmente, pelo medo da legislação penal da Califórnia.

“A Califórnia tem pena de morte e eles mataram a Ana em Los Angeles, um crime bárbaro, covarde. Fugiram para o Brasil com medo da pena de morte, se lá fossem condenados. Iam passar o resto da vida no corredor da morte, aguardando a execução, ou na melhor das hipóteses, pegariam uma pena perpétua”,

Thiago Philipe Souza Bragança e Wendersonl Júnior Dalbem Silva suspeitos de matarem Ana Paula
Thiago Philipe Souza Bragança e Wenderson Júnior Dalbem Silva  denunciados pela morte de  Ana Paula. Crédito: Redes sociais

Investigação internacional

A Polícia de Los Angeles (LAPD) foi acionada após a PF receber as informações sobre o homicídio. Eles foram à casa de Ana, descobriram a cena do crime e conseguiram obter volume expressivo de provas: manchas de sangue, digitais, DNA, imagens de Thiago e Wenderson na casa de Ana e até da fuga com o carro da vítima. Investigações conduzidas com o apoio do FBI.

“Foram provas, robustas, obtidas pela Polícia de Los Angeles, obtidas através da cooperação internacional. São provas materiais que demonstram que eles efetivamente mataram a Ana, e sumiram com o corpo dela”, relata Ricas.

Na época do crime, Ricas atuava como adido internacional da Polícia Federal nos EUA e ajudou a viabilizar a cooperação entre as polícias. Ele destaca o ineditismo do caso.

“Até aquele momento nunca tínhamos tido uma ação assim, um homicídio praticado nos Estados Unidos em que um um brasileiro é vítima, e outros dois são acusados pelo crime e fogem para Espírito Santo. As investigações foram conduzidas pelos dois países e agora eles vão à júri com a presença de policiais do departamento de Los Angeles e de um agente do FBI, que vão relatar como fizeram as investigações”, observa Ricas.

Edredon onde foi embrulhado corpo de Ana Paula Braga, Los Angeles, na Califórnia, morta por Thiago Philipe Souza Bragança e Wenderson Júnior Dalbem Silva
Corpo de Ana Paula Braga, assassinada nos EUA por dois capixabas. Crédito: Redes sociais

Morte por asfixia

No início de janeiro de 2020, Ana Paula hospedou por uns dias, em sua casa, os capixabas Thiago e Wenderson. No final do mesmo mês, eles tiveram um desentendimento e a jovem foi morta por asfixia, com o uso de um cinto e fio elétrico.

O corpo de Ana Paula foi enrolado em um edredom. Os acusados pelo crime ainda filmaram a cena. Nas imagens Thiago informa: “Já está embrulhado já… Negão tem que limpar este sangue aqui”. Negão é o apelido de Wenderson.

Em outro vídeo Thiago está com o telefone da vítima e relata: “Eu matei ela e ainda estou com o telefone da mulher. Peraí… vamos nas fotos aqui…”

Neste último vídeo Thiago aparece usando um tênis vermelho, o mesmo calçado foi identificado pelo agente da Polícia Federal Mário Freitas no Brasil. “Recebemos informações de que ele estaria em Cariacica. Fomos investigar para obter um mandado de prisão, e no dia ele usava o mesmo tênis vermelho”, relata. Dias depois os jovens foram presos.

O corpo de Ana Paula foi retirado da casa, enrolado em um edredom e colocado no porta-malas do seu carro, que foi utilizado por Thiago e Wenderson na fuga. Os dois relataram em depoimento terem jogado o corpo na lixeira de um cassino, mas  ele nunca foi encontrado. As investigações apontam que foi queimado com o lixo. 

Ana Paula Feitosa dos Santos Braga, mais conhecida como Ana Paula Braga, assassinada nos EUA
Ana Paula Feitosa dos Santos Braga, mais conhecida como Ana Paula Braga, assassinada nos EUA. Crédito: Reprodução/Instgaram

Fuga de cinema

Após o crime, Thiago e Wenderson realizaram um fuga cinematográfica utilizando o carro de Ana Paula. Eles saíram de Los Angeles para a cidade de Desert Hot Springs, ambas na Califórnia, onde jogaram o corpo de Ana em uma lixeira. De lá  percorreram três estados americanos, chegando a Oklahoma, onde abandonaram o carro. Seguiram para Houston, no Texas, onde pediram mais dinheiro aos parentes.

“Tô na rodoviária, o resto de dinheiro que eu tinha, eu comprei a passagem e só dá para chegar até Houston”, disse Thiago em ádio enviado aos parentes.

Na sequência foram para a capital do México, onde Wenderson, que estava sem o passaporte, conseguiu uma autorização da embaixada local para viajar. Lá gravaram um novo vídeo para os familiares, no hotel onde estavam hospedados.

“Aproveitar a suíte presidencial, à vista, pedir uma cervejinha, ali tem o bar dos arrombados, só marcar que nós tá brotando”. As imagens mostram o local sendo descrito por Thiago, com a voz de Wenderson falando sobre o bar.

Do México vieram para o Brasil. Chegaram em Vitória oito dias após o crime. Foram para o interior do Espírito Santo, em Barra de São Francisco, onde ameaçaram parentes, apontam as investigações, e depois para Cariacica, onde foram presos em 23 de fevereiro de 2020.

“Eles confessaram o crime. Foram presos e, posteriormente, a prisão temporária foi convertida para uma prisão preventiva, e permanecem detidos até o julgamento”, relata Ricas.

Ana Paula Feitosa dos Santos Braga, mais conhecida como Ana Paula Braga, assassinada nos EUA
Ana Paula Braga, assassinada nos EUA, trabalhava como motorista de aplicativo. Crédito: Reprodução/Instagram

Provas contundentes

Para os promotores que atuam no Tribunal do Júri, em Vitória, as provas obtidas com a cooperação internacional não deixam dúvidas de que Thiago e Wenderson foram os autores do crime.

Apostam no senso de justiça dos jurados de Vitória e em uma condenação alta para os acusados de um crime que consideram grave. Apontam que além do assassinato, eles ocultaram o corpo de Ana e fugiram dos Estados Unidos para o Brasil, tentando evitar uma pena mais severa.

Observam ainda que o fato do corpo de Ana não ter sido encontrado não impede a realização do julgamento por falta de materialidade do crime. Entre as provas, relatam, existem áudios dos réus com o celular da vítima, vídeos do corpo de Ana, dele enrolado em um edredom, imagens dele sendo escondido no porta-malas, e áudios dos denunciados informando que o jogaram em uma lixeira.

Delma Teles Feitosa, mãe de Ana Paula Feitosa dos Santos, de 24 anos, assassinada nos EUA por dois capixabas
Delma Félix Feitosa, mãe de Ana Paula Feitosa dos Santos, de 24 anos, assassinada nos EUA por dois capixabas. Crédito: Vilmara Fernandes

Mãe quer condenação

Aos 58 anos, Delma Félix Feitosa aguarda com ansiedade o julgamento dos acusados de matarem a sua filha. “Em janeiro faz três anos que mataram a minha filha. Estou ansiosa pelo julgamento. quero que sejam condenados”, relata.

Quando Ana morreu, a mãe se preparava para encontrá-la nos EUA. “Estava com viagem marcada para lá, para julho de 2020. Mas eles mataram ela antes”, conta.

Em um vídeo em que mostra a nova casa alugada em Los Angeles, Ana revelou que preparava um quarto para a mãe. “Este é o quarto da minha princesa”.

“Ana era a minha salvação, ela que cuidava de mim. Agora só Deus tem me ajudado”, conta Adelma que relata que Ana era sua única filha e que, por ser doente, vive com recursos de auxílio doença.

Ela virá ao Espírito Santo para acompanhar o julgamento. “Quero vê-los serem condenados”, desabafou. "Ela ajudou eles. Botou dentro da casa. Alugou carro para eles trabalharem. No final, quando ela pediu o quarto [de volta], eles mataram ela. Eu só tinha ela", contou, ao esclarecer ainda que tem depressão. "Tive que tirar o útero após ter minha filha e nunca mais tive saúde para trabalhar".

Delma ainda fala da punição que quer para os capixabas:

Nome do Autor da Citação

Cargo do Autor

"Minha expectativa é de que eles peguem 80 anos de cadeia. Eles foram muito cruel com minha filha. Era ela que me mantinha no Brasil, pagava meu aluguel. Agora, estou vivendo de favor na casa dos outros e de benefício do governo"
Telefone de Ana Paula Braga, morta nos EUA, nas mãos do assassino
Telefone de Ana Paula Braga, morta nos EUA, nas mãos de Thiago. Crédito: Redes sociais

O agente especial do Diplomatic Security Service (DSS) Ali Ahmed, do Consulado dos EUA em Porto Alegre, disse que a atuação em conjunto com o Brasil foi essencial para solucionar o crime brutal.

"Hoje é um ótimo exemplo de colaboração entre o Brasil e os Estados Unidos. Demonstramos como nosso alcance global contribuiu para combater a impunidade em crimes internacionais. Nós temos orgulhos de trabalhar com nossos parceiros brasileiros."

O agente especial do Serviço de Segurança Diplomática (DDS) Ali Ahmed, do Consulado dos EUA em Porto Alegre
O agente especial do Serviço de Segurança Diplomática Ali Ahmed, do Consulado dos EUA em Porto Alegre. Crédito: Vilmara Fernandes

O que dizem os réus

Thiago e Wenderson confessaram participação no assassinato,  mas dão versões diferentes sobre a autoria do crime,  em depoimentos prestados à Justiça estadual.

Thiago informou que se hospedou na casa da vítima, mas que pagava aluguel para ela. Disse ainda que na segunda semana que estavam na casa tiveram desentendimento com um amigo de Ana e que por isto a vítima tentou matá-los. E que no dia 30, quando o crime ocorreu, ouviu um grito de socorro e encontrou Ana, com uma faca, em cima de Wenderson.

Foi quando ele afastou Ana. Disse ainda que na sequência, Wenderson pegou o cinto e passou no pescoço da vítima e mandou que Thiago o segurasse, o que ele fez. Foi quando Ana parou de se mexer. Após o crime, decidiram fugir.

Já Wenderson diz que no dia 30 houve uma discussão entre Thiago e Ana e que ela o atingiu com uma faca. Wenderson afastou os dois, mas posteriormente a vítima agrediu Wenderson com a mesma faca e que ele a segurou.

Na sequência informa que Thiago arrancou o cinto da vítima e que com ele a estrangulou. Wenderson diz que gritou, falando que com o aperto do cinto ela seria morta, mas que Thiago disse que era para ajudá-lo ou ele também seria morto. E em seguida ele o auxiliou a enrolar o corpo de Ana no edredom e iniciaram a fuga para o Brasil.

O advogado Marcos Farizel, que defende Thiago, disse que o inquérito foi muito bem feito. "A expectativa é de que tenham um julgamento com imparcialidade, eles são réus confessos, admitiram todos os fatos. A tese da defesa não será absolvitória", explicou, ao dizer também que vai tentar desqualificar alguns agravantes contra seu cliente.

O advogado Wagner Batista Campanha, que faz a defesa de Wenderson, disse que espera um resultado ainda nesta quinta-feira (10). "A expectativa é que seja um julgamento mais rápido e que a gente consiga demonstrar a habilidade individual de cada um, o que aconteceu e que realmente quem cometeu o crime não foi o meu cliente. A gente acredita nos jurados e na Justiça do Brasil, vamos esperar para que seja resolvido tudo hoje, da melhor forma".

O que diz o Ministério Público

Segundo o promotor de Justiça Leonardo Augusto de Andrade Cezar dos Santos, o Ministério Público acredita na sabedoria do júri. "Os jurados de Vitória são bastante inteligentes. A expectativa é que eles sejam condenados, principalmente pela quantidade de prova que a gente tem e pela brutalidade que foi esse crime", disse.

O promotor de Justiça Bruno Oliveira explicou que a cooperação da investigação entre Estados Unidos e Brasil está sendo essencial para desvendar o crime porque a maioria das evidências foi coletada lá. 

Atualização

10 de novembro de 2022 às 09:50

O nome dos agentes americanos foi retirado da matéria a pedido da juíza que preside o inquérito.

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