Publicado em 13 de outubro de 2020 às 21:38
Na última sexta-feira (9) o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio Mello, deferiu habeas corpus em favor de André Oliveira Macedo, de 43 anos, conhecido como André do Rap. >
Acusado de ser um dos líderes do Primeiro Comando da Capital (PCC) de São Paulo, André deixou a Penitenciária 2, em Presidente Venceslau, no estado paulista, na manhã do dia seguinte.>
Segundo informações do Jornal Nacional, da TV Globo, o traficante teria fugido para o Paraguai ainda na noite de sábado (10). Na noite de sábado (10), o presidente do STF, Luiz Fux, suspendeu a decisão do ministro Marco Aurélio Mello. >
A medida de Fux atendeu a um pedido da Procuradoria-Geral da República. Fux destacou que a soltura do chefe do PCC compromete a ordem pública e que se trata de uma pessoa "de comprovada altíssima periculosidade".>
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Para entender o que está por trás da decisão do STF, a reportagem de A Gazeta ouviu a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-ES), a Associação Espírito-Santense do Ministério Público (Aesmp), professores de Direito Penal e pesquisadores do tema.>
O posicionamento do ministro Marco Aurélio Mello se baseou no artigo 316 do pacote anticrime (Lei 13.964), aprovado em dezembro do ano passado pelo Congresso. O texto orienta que, a cada 90 dias, as prisões preventivas sejam revisadas "sob pena de tornar a prisão ilegal".>
Para o professor de Direito Constitucional e Penal da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Ricardo Gueiros, a lei toca em uma espécie de ferida antiga, ou seja, a da questão das prisões provisórias.>
Na avaliação dele, o modelo penal do Brasil optou por dizer que as prisões provisórias seriam a exceção; e a liberdade seria a regra antes da condenação trânsito em julgado. Nesse sentido, temos as regras no código de processo penal estipulando essas situações excepcionais, explica.>
Ele pontua que no processo, o tempo das prisões preventivas se tornou longo e, às vezes, maior que a própria pena que veio a ser conhecida posteriormente. O professor acredita que a discussão vai provocar o STF a conceder uma interpretação uniformizadora do artigo 316 do Código de Processo Penal.>
Técnica e teoricamente, mesmo que o acusado não tenha advogado, isso não deve - ou pelo menos não deveria - interferir. Aliás, esse foi um dos objetivos da lei: criar um impulso do próprio judiciário com o fim de revisar a necessidade da situação excepcional sem a necessidade de um pedido formal de um advogado.>
O professor de Direito Penal e presidente da Comissão de Advocacia Criminal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-ES), Anderson Burke, defende que a prisão necessita estar cotidianamente fundamentada com fatos contemporâneos que justifiquem a sua necessidade, sob pena de igualmente se tornar ilegal.>
Apesar do teor de muitas críticas bem intencionadas que podem levar a um retrocesso quanto às garantias que hoje estão positivadas, a decisão aqui comentada possui amparo legal por ter fundamento na Constituição e no Código de Processo Penal, principalmente no art. 316, parágrafo único do CPP, dispositivo este que representa um avanço e modernização da leitura constitucional da prisão provisória.>
Assim como prevê o texto da lei, Anderson destaca que os juízes que estão realizando a revisão periódica de 90 dias, de ofício ou mediante provocação, estão cumprindo o dever de aplicar garantias que estão previstas aos presos tanto no Código de Processo Penal (CPP) como na Constituição. >
"Devido ao caráter excepcional da prisão que possui uma acertada matriz constitucional por recair sobre a liberdade do ser-humano, a revisão periódica de ofício no prazo de 90 dias é fundamental para se evitar ou sanar ilegalidades a todos que estão no sistema penitenciário em caráter provisório, sejam pobres ou ricos", atesta.>
A Associação Espírito-Santense do Ministério Público (Aesmp) diz que o artigo 316 é uma alteração recente da lei que busca garantir mais direitos aos réus. Na opinião do presidente da Associação, Pedro Ivo de Souza, a decisão de Marco Aurélio Mello não tem sido a posição dos tribunais.>
Pedro Ivo de Souza
Presidente da AesmpPara a Associação, o artigo precisa ser melhor discutido no Congresso Nacional. O comando de 90 dias, como já tivemos outros tantos, não é imperativo. O prazo de 90 dias é indicativo. Bom é que, de 90 em 90 dias, não só o juiz, mas o sistema analise nesse prazo a prisão da pessoa. Esse prazo pode ser até menor, se há modificação da situação do réu.>
De acordo com a Secretaria de Estado da Justiça (Sejus), o Espírito Santo conta 22.544 detentos no sistema prisional capixaba. Desse total, 7.701 são provisórios. A reportagem de A Gazeta questionou o Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) quanto ao número de internos aguardando revisão há mais de 90 dias. >
No entanto, o Tribunal de Justiça do Estado informou que os sistemas utilizados pelo Poder Judiciário não permitem extrair essa situação, apenas o número de presos provisórios. Quanto ao Ministério Público, o Tribunal destaca que é dever processual do MP velar pelo cumprimento, apontando ao magistrado sempre a necessidade de realizar a revisão.>
Informamos, ainda, que os magistrados do Espírito Santo já foram capacitados acerca de todas as alterações do pacote anticrime e estão aptos a aplicá-las. Nos casos concretos compete à defesa apontar eventual descumprimento do referido dispositivo, afirma o TJES.>
Para o professor de Direito Constitucional e Penal da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Ricardo Gueiros, o impacto sob os presos provisórios do Estado dependerá, da decisão que vier a ser proferida pelo Plenário do STF.>
Como houve uma decisão monocrática do ministro Marco Aurélio e, posteriormente, uma revogação da decisão pelo ministro (Luiz) Fux, tem-se dois pontos cruciais a se discutir; e, por certo, a proporção do impacto gerado acaba por fomentar a celeridade de uma pacificação sobre tema", declara.>
O professor de Direito Penal e presidente da Comissão de Advocacia Criminal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-ES), Anderson Burke, explica que o julgamento colegiado pode ratificar o teor da decisão liminar pela soltura ou estabelecer entendimento contrário no sentido da manutenção da prisão preventiva.>
Decisões do STF com caráter vinculativo aos tribunais de segunda instância são exceções e devem ser comunicadas formalmente à presidência do tribunal do Estado objeto do comando decisório para que se tenha efeitos, o que não é o caso da decisão aqui comentada. Porém, é importante se considerar que certamente a jurisprudência, principalmente do Supremo Tribunal Federal, é uma importantíssima fonte do direito no Brasil, o que pode iluminar os julgamentos que vêm acontecendo pelos Estados.>
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