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Café forte ou fraco: classificação faz sentido para quem entende?

Café forte ou fraco: classificação faz sentido para quem entende?

Para especialista, o fruto tem uma complexidade de sabor ligada a um conjunto de fatores, como o tipo de solo, de terra e a altitude, por exemplo. Entenda

Publicado em 20 de setembro de 2021 às 14:46

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Café é uma bebida que faz parte do dia a dia do brasileiro, e as marcas mais lembradas pelo capixaba estão no Recall 2021
Café conta com classificações mais complexas do que ser forte ou fraco. ( John Schnobrich/ Unsplash)

Chamar um café de "forte" ou "fraco" é a melhor forma de classificá-lo? Para os especialistas no assunto, os chamados "coffee experts", definitivamente, não. Isso porque o fruto tem uma grande complexidade de sabor, ligada a um conjunto de fatores, como o tipo de solo, de terra e a altitude onde os grãos são cultivados, entre outros elementos que conduzem para sabores específicos.

Em entrevista ao jornalista Mário Bonella, apresentador do CBN Cotidiano, da CBN Vitória, Rafael Marques Cotta, que tem certificação internacional "Q-Grader" do Instituto Nacional do Café (CQI, na sigla em inglês), contou como são feitas as classificações oficiais do café e o que leva a bebida a ser considerada especial ou não. O entendedor circula pelos municípios do Espírito Santo e analisa os cafés capixabas, entrando em contato com compradores no exterior para viabilizar a comercialização dos grãos especiais.

Ele iniciou explicando como é definida a pontuação dos cafés especiais, que precisa atingir 80 pontos em uma escala própria, e afirmou que um café de ótima qualidade costuma ter coloração mais clara, como se fosse, para os leigos, o dito café "mais fraco".

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Estamos acostumados a encontrar cafés tradicionais (não-especiais) no mercado, com uma torra muito escura, que normalmente vão trazer um amargor muito forte, e é aquele café que geralmente não se consegue beber sem colocar açúcar. Esses não têm tanta qualidade assim quanto os colhidos maduros, separados os grãos verdes, secos em terrenos suspensos, com toda a higiene

Rafael Marques Cotta
Avaliador de cafés
Aspas de citação

GOSTO E SABOR SÃO A MESMA COISA?

Para Rafael Marques Cotta, se tratando de café, gosto e sabor são conceitos diferentes. "Gosto está geralmente ligado ao ácido, cítrico, amargo, salgado, doce. Já o sabor está mais relacionado a lembrar de um caramelo, morango, chocolate, ervas, entre outros. E isso é questão de treino, muito treino. Hoje seguimos uma metodologia de prova em que correlacionamos cada sabor com cada fruto. O café apresenta mais de mil componentes olfativos, que vão dar mais de mil tipos de sabores diferentes", afirmou.

A exportação de café é a segunda atividade que mais rendeu divisas no agronegócio capixaba em 2021
Café é um fruto rico em complexidade, segundo especialista. (Valter Campanato/Agência Brasil)

O que ele costuma dizer é que todas as pessoas são degustadoras, embora nem sempre parem para prestar a atenção no sabor e no aroma. "Mas ao provar algo, uma fruta, por exemplo, sabemos se ela está verde ou madura. E o café é um fruto, então coloco na boca e avalio se está doce, se tem aquela cica relacionada à maturação do fruto, que dá aquela "travada", como no caso de um caqui", disse o especialista.

Quanto aos sabores, o avaliador garante que cada região vai apresentar particularidades, sendo que os cafés da Etiópia, por exemplo, apresentam forte sabor de morango e quem está habituado a comer a fruta poderá perceber. Já no Espírito Santo, é muito comum encontrar, em algumas regiões, sabores como o melado de cana. "O sabor mais exótico que já senti foi de jasmim, em um café que tomei em Brejetuba em 2011. Só falar dele que já me vem a referência sensorial", descreveu.

COMO RECONHECER UM CAFÉ ESPECIAL?

Para classificar um café como especial há uma série de critérios a serem observados. A pontuação pode ir de 0 a 100, sendo que são avaliados 10 atributos diferentes. São eles:

  1. Fragrância | Aroma
  2. Uniformidade 
  3. Ausência de Defeitos
  4. Doçura
  5. Sabor
  6. Acidez
  7. Corpo
  8. Finalização
  9. Harmonia
  10. Conceito Final (impressão geral sobre o café)

Segundo Rafael Marques Cotta, um defeito seria, por exemplo, deixar um "retrogosto" desagradável, que é a sensação que fica na boca após provar a bebida em uma xícara metálica ou adstringente. O café de qualidade é naturalmente doce e fica na boca, fazendo com que o apreciador queira continuar tomando.

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Eu não coloco açúcar porque avalio a fruta, em que há uma série de componentes de açúcares. Tomar café é como fazer uma calda de pudim, ele vai passar pelo fogo e desenvolver reações químicas que potencializam a qualidade. Se o café não tem qualidade, não adianta ter uma boa torra que a qualidade não vai aparecer

Rafael Marques Cotta
Avaliador de café
Aspas de citação

Ainda comentando sobre a classificação dos cafés de maior qualidade, o degustador explicou também como a produção dos especiais está mudando a agricultura do Espírito Santo e gerando mais renda para os produtores. O que muda, segundo ele, é basicamente o cuidado na cadeia produtiva.

"Desde o pé deve-se observar se o grão está maduro. Assim, se misturar maduro com verde ou passado, por exemplo, sem se fazer uma colheita seletiva, teremos um café com pontuação baixa. Do contrário, se usarmos só os grãos maduros, colocarmos em um terreno suspenso, secarmos de forma lenta, provavelmente teremos um café com pontuação acima de 80 pontos, o que é considerado especial", disse Rafael.

A PROVA DO CAFÉ

Como Rafael explicou, o que define a pontuação são os dez atributos avaliados. A partir daí, faz-se a soma e, se passar de 80, é especial. "Quando nós vamos provar, colocamos cinco xícaras do mesmo café e avaliamos todas elas, para ver o ponto que é a uniformidade. Se nenhuma apresentar defeito, teremos um café com pontuação alta. Às vezes ocorre a hipótese de atingir mais de 80 pontos, mas em uma única xícara caiu um grão que passou do ponto — este anula a qualidade do café como um todo e ele não será especial", afirmou.

Segundo o Q-Grader, ao provar o café, não se experimenta apenas uma xícara, mas o ano inteiro de trabalho de um produtor. Para a prova dos profissionais, a atenção deve ser muito focada, sem haver barulho, sem odores no entorno, e deve haver um ambiente propício à concentração. "É importante provar com mais de um profissional, já que uma pessoa pode não estar em um dia bom e isso pode afetar", alertou.

DÚVIDAS FREQUENTES

  • Café filtrado/coado servido no Mangalô Cafe Bar, na Curva da Jurema, em Vitória

    01

    Tipos de xícara ou copo interferem no sabor?

    De acordo com Rafael, muitas vezes o copo de plástico pode absorver um calor muito grande e soltar resíduo que dificulte a percepção do sabor da bebida. Já no copo de cerâmica, por exemplo, dependendo da borda, às vezes o café pode ir para um lado da língua que pode favorecer a sentir mais acidez ou doçura. "Isso é pouco perceptível. Mas os copos fazem diferença. É recomendável usar xícara de vidro ou porcelana", disse.

  • 02

    Armazenar em garrafa pode interferir?

    Para o Q-Grader, ao colocar açúcar misturado ao café em uma garrafa, pode acontecer que a mistura oxide no fundo da garrafa. "Isso pode trazer um sabor químico. Mesmo o café sem açúcar, ao ser engarrafado, pode sofrer oxidação, já que o fruto contém açúcares naturais. Para evitar, é preciso limpar bem a garrafa para evitar acúmulo no fundo, possibilitando que isso solte a cada café por conta da temperatura da água", informou.

  • 03

    Como coar o café?

    Cada aspecto do preparo pode fazer diferença no resultado. O que acontece no filtro de pano, segundo Cotta, é que, se não limpar bem, deixa resíduo de cafés anteriores. "A cada café novo será trazido um pouco do velho, que oxidou. Quando for fazer no pano, deve-se escaldar bem primeiro, limpar o filtro para não ter contaminação do café antigo. O filtro de papel traz uma pureza maior, mas tem que escaldar bem, porque às vezes ele tem resíduo de celulose", explicou.

  • 04

    É possível reconhecer um bom café por selo na embalagem?

    O especialista contou que a própria Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic) oferece um selo de pureza para ser colocado em cafés, mas este item, no entanto, não diz se o café é ou não especial. "Mas há associações como a BSCA — Associação Brasileira de Cafés Especiais — que atesta que o produto está acima de 80 pontos. Com ou sem selo, é importante buscar conhecer um pouco da história do produtor, que é identificado na sacola. Ver a origem, pesquisar e trocar uma ideia com ele, entender o processo", recomendou.

  • Cafezal

    05

    Ser “100% arábica” é o suficiente?

    Durante muitos anos, o café conilon foi alvo de certo preconceito, como se fosse sinônimo de café ruim. Rafael explicou que isso aconteceu porque ele era tratado de forma descuidada, muito usado para produção de pó solúvel ou de blends (combinações de grãos) pela indústria. "O conilon é um café que traz um sabor muito forte, tem o dobro da cafeína do arábica, e a cafeína traz um gosto mais amargo à bebida. Mas, hoje, com os cuidados de colher maduro, secar de forma lenta, nós conseguimos ter conilons especiais", definiu.

  • 06

    Embalagens de "cafés fortes e extrafortes"

    Existe a associação dos termos cafés "fortes e extrafortes" com a fase da torra. "O extraforte é torrado em uma intensidade maior, o que faz trazer maior amargor, que confundimos com sabor. Mas o que se quer, na verdade, é obter a doçura da fruta. O forte e o extraforte certamente terão menos doçura", alertou.

  • 07

    Existe receita ideal?

    Para o especialista, existe uma receita que pode ser usada em casa como padrão. Para fazer um café especial, a proporção ficaria em um copo americano, de 200ml, para uma colher de sopa não cheia de pó de café. "Isso dá mais ou menos 10 gramas de café para 200 ml. Destaco que o café especial traz uma sensação mais leve, aspecto mais claro, com mais acidez e doçura. E, sim, acidez é um bom atributo, ele traz um cítrico, faz a boca salivar e denota presença de uma fruta viva", descreveu.

  • 08

    Mito ou verdade: quanto mais torrado, pior

    De fato, existem indústrias que torram o café a um ponto em que fica difícil entender o que se está bebendo. "O gosto vira de carvão e essa técnica é usada para esconder impurezas, já que obriga o consumidor a colocar açúcar", disse.

  • 09

    Cafeteira italiana

    Para quem tem uma cafeteira italiana em casa, ela funciona com um pouco mais de temperatura. "Em um filtro de papel e filtro de pano não há uma resistência tão grande da água contra o pó, mas na italiana, sim. Isso porque colocamos em cima do fogo e a temperatura da água sobe, logo entra em ebulição, passando por uma peneira de metal, o que gera uma pressão sobre o pó que deixa o café mais concentrado. Se isso é bom ou ruim, é mais uma questão de gosto. Para quem gosta de café mais intenso, é uma boa opção", frisou.

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    10

    O que exatamente é um cappuccino?

    Para os que não são fãs do café puro, geralmente acabam procurando cappuccinos ou outras variações. Para Rafael, nestes casos, é possível que a pessoa tenha tido uma experiência prévia desagradável, com cafés mais amargos. "Nesse caso sugiro tentar provar um café especial, em uma cafeteria, por exemplo. Talvez em uma conversa com um barista passe a entender e talvez virar fã. Mas, falando do capucino, ele tem adição de leite. O italiano, original, é feito com leite vaporizado, que transforma a gordura do leite em açúcar, e mistura com espresso. Mas é comum encontrar industriais com adição de baunilha, chocolate e até bicarbonato para dar espuma", explicou.

  • 11

    Temperatura certa

    O especialista Rafael Marques Cotta deixou o alerta de que ferver demais a água pode queimar o pó do café. "Consequentemente, acaba-se estragando o trabalho de uma cadeia inteira. A temperatura ideal está em torno de 91, 92 graus. A olhos nus, deve-se parar de ferver quando a água começa a borbulhar", esclareceu.

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