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Escritores capixabas falam sobre a literatura de autoria negra no ES

Escritores capixabas falam sobre a literatura de autoria negra no ES

Os escritores contam que a dificuldade em ganhar o mercado vai do racismo estrutural à dificuldade na divulgação das obras

Publicado em 25 de novembro de 2020 às 16:58

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Ilustração de pessoas negras lendo
A literatura negra capixaba conta com nomes como Suely Bispo e Elisa Lucinda. (Montagem/Canva)

O papel, que se supõe um espaço democrático, onde todos podem depositar suas palavras pode não ser exatamente tão acessível quando se trata da publicação. No Mês da Consciência Negra, tendo o dia 20 de novembro como data oficial pela lembrança de Zumbi dos Palmares e sua luta, o debate sobre o racismo e a desigualdade racial entra em voga e nos lembra que o problema também perpassa a literatura.

Em pesquisa do Grupo de Estudos em Literatura Brasileira, coordenada pela doutora em teoria literária Regina Dalcastagnè, fica evidente a falta de presença negra no mercado. O estudo “Personagens do romance brasileiro contemporâneo”, da Universidade de Brasília, revela que, de um total de 197 autores analisados entre 2005 a 2014, 97,5% eram brancos, e, nas obras, apenas 22 de 414 protagonistas eram negros, no mesmo período. Tendo início em 2003, o estudo analisou 692 romances em três espaços de tempo: 1965 a 1979; 1990 a 2004; e 2005 a 2014.

Além dos dados da pesquisa citada, existem também outras evidências de que o mundo literário é dominado por brancos, deixando os de pele com mais melanina à margem. Quando olhamos para os membros da Academia Brasileira de Letras, logo se nota a falta da presença negra nas cadeiras da Instituição, assim como em bienais, a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) e nas listas de selecionados prêmios de pterígio, como o Jabuti, a questão se repete.

LITERATURA NEGRA CAPIXABA

Essas marcas de uma desigualdade racial enraizada são notadas pelos autores negros capixabas em diversas instâncias. “Tem muitos lugares em que existe resistência para tratar da figura negra. É uma estratégia de racismo estrutural mesmo”, comenta o autor Maxwell dos Santos.

O escritor e professor Maxwell dos Santos
O escritor e professor Maxwell dos Santos. (Agência Varal/Divulgação)

Contra essa negação em abordar a história negra, a lei Nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, tornou obrigatória o ensino da história e cultura afro-brasileira na rede de ensino do país, legislação que o escritor e professor de língua portuguesa Wagner da Silva Gomes afirma ser de grande importância.

“Ultimamente, acho que tem sido bem falado nas escolas, mas tem que trazer uma coisa de dia a dia também, porque fica muito uma data às vezes comemorativa. Então, por exemplo, por que não toda semana alternar entre um autor negro e um autor branco, ou então cada dia de aula alternar?”, sugere Gomes.

Os obstáculos se mostram também na divulgação, Wagner, que tem dois livros físicos publicados e mais dois e-books lançados, relata que sua obra de estreia “Classe Média Baixa”, de 2014, teve uma divulgação com bom alcance tanto na TV quanto em jornais, já em “Nix: Microfones por tubos de Ensaio “, de 2018, nenhum veículo de comunicação deu abertura para o título.

O escritor e professor de língua portuguesa Wagner Silva Gomes
O escritor e professor de língua portuguesa Wagner Silva Gomes. (Saulo Ribeiro)

“Normalmente fica muito restrito à divulgação da própria editora e a gente que divulga também, no boca à boca mesmo, as redes sociais ajudam bastante”, explica Gomes, pontuando que essa falta de cobertura pode ser fruto também de um cenário político desfavorável às questões ligadas à igualdade. 

Wagner também tem dois e-books publicados durante a pandemia, "Moço Velho ou um Areal do Belo" e "Coroa para Três Rainhas". Eles são gratuitos, mas os leitores podem fazer contribuições voluntárias caso queiram apoiar o escritor. Além desses, o professor está com a obra "Qual é o Esquema da Parada" em pré-venda pela editora Pedregulho. 

Maxwell, que conta com 11 livros publicados, também comenta sobre uma falta de abertura na mídia, mas detalha: “Não é nem pela questão da cor, é até pela questão da conjuntura que alguns espaços e programas não tem mais espaço para livros”. O autor, no entanto, afirma que não existe nenhum tipo de ação afirmativa para compra de obras de autores negros, o que atribui a um pensamento meritocrático, ou seja, a ideia de que os que mais trabalham e se dedicam é que ganharão destaque.

“As prefeituras e o Governo do Estado se limitam a viabilizar financeiramente a publicação do autor, mas elas não cuidam dos processos seguintes, que são a distribuição, a divulgação e a circulação”, completa o escritor de “O Aniversário Solidário de Cecília”, o recém lançado livro infantil que conta com protagonismo negro. Maxwell também é autor dos livros: "As 24 horas de Anna Beatriz", "Ilha Noiada", "Os senhores da fome", "Comensais do Caos", "Ele era só um Garoto" e outros. 

Já a poetisa e estudante de Serviço Social, Larissa Pinheiro, autora do livro "Janela da Alma", chama a atenção para uma resistência ao consumo da arte das pessoas negras. “Tem muita gente que eu conheço que consome, mas a gente sabe que existe todo um racismo que atravessa toda a sociedade. E eu espero que criem mais políticas para divulgar autores negros, porque aqui no Estado existem muitos artistas, assim como eu, que merecem a valorização”. A jovem escritora que começou a escrever aos 12 anos está desenvolvendo sua segunda obra de poesias, ainda sem data de publicação prevista.

A poetiza e autora do livro
A poetiza e autora do livro "Janela da Alma" . (Arquivo Pessoal)

Dentre os nomes capixabas negros, se destacam mulheres com a escritora e atriz Suely Bispo; a ativista quilombola e idealizadora do clube literário antirracista Pretaria Books, Mirts Sants; e a cantora, poetiza e atriz Elisa Lucinda. As duas primeiras participaram de um painel sobre a literatura de autoria negra no evento on-line 'Encontro das Pretas', na última terça-feira (24h).

Suely cita mais nomes que valem ser destacados quando o assunto é literatura negra no Espírito Santo: "Waldo Motta, escritor negro capixaba, reconhecido nacional e internacionalmente. Vera Viana, falecida em 2020, mulher negra, importante nome da nossa dramaturgia. Sempre falo o nome dela nas minhas palestras. Theodorico Boamorte, da Serra, com literatura de cordel. Vejam a web serie Palavra negra, ali dá para ver muita gente. O livro de Zacimbas a Suelys também traz muitas novas escritoras negras capixabas, livro organizado pela professora, doutora em Letras, Cibele Verrangia, nome importante para a literatura".

Para os três autores capixabas entrevistados, o dia da Consciência Negra é sinônimo de resistência e lembrança da luta diária contra o racismo. A literatura é a sua arma contra a violência. Fica abaixo uma lista de obras locais escritas por negras e negros, para que a sua estante possa ficar diversa. Já pensou em quantos livros de autoria negra você tem ou leu?

JANELA DA ALMA

O livro de poesias Janela da Alma
O livro de poesias 'Janela da Alma'. (Larissa Pinheiro)

  • Autora: Larissa Pinheiro
  • Sinopse: Uma coletânea de poesias com escrita leve mergulhada em sentimento. O livro é artesanal, em formato cartoneiro e foi lançado em 2019, em evento no Museu Capixaba do Negro (Mucane).
  • Valor: R$ 20
  • Venda: No perfil no Instagram @iamlaripinh e no endereço de e-mail [email protected]

O ANIVERSÁRIO SOLIDÁRIO DE CECÍLIA

O livro infantil
O livro infantil "O aniversário solidário de Cecília". (Reprodução/ Livro "O aniversário solidário de Cecília")

  • Autor: Maxwell dos Santos 
  • Sinopse: Baseado numa história real ocorrida no Rio de Janeiro, o livro digital infantil conta a estória de Cecília, uma menina pretinha que, ao completar oito anos, pede aos pais a distribuição de marmitas de feijoada com macarrão para pessoas em situação de rua de Vitória.
  • Gratuito
  • Disponibilizado no Google Drive

A MENINA TRANSPARENTE

Livro infantil da escritora Elisa Lucinda
Livro infantil da escritora Elisa Lucinda. (Reprodução/ Capa "A Menina Transparente")

  • Autora: Elisa Lucinda
  • Sinopse: Uma menina que mora na música, no mar, na comida da panela, nas flores e no coração dos apaixonados. Mas, às vezes, ela aparece tão de mansinho que tem gente que nem percebe e a deixa de lado. Qual o nome dela?
  • Valor: R$34,90 
  • Venda: Amazon

NIX: MICROFONES POR TUBOS DE ENSAIO

Romance
Romance "NIx Microfone Por Tubo de Ensaio". (Reprodução/ Capa "NIx Microfone Por Tubo de Ensaio")

  • Autor: Wagner Silva Gomes
  • Sinopse: Em Nix: microfone por tubos de ensaio, a música é central. Ká, a protagonista, é rapper e, para estruturar a personagem, Wagner Silva Gomes utilizou suas experiências e poesias. O romance traz, em seu enredo, cenários da Grande Vitória e eventos reais. As referências de Wagner para construção de Nix são essenciais para tratar dos temas que o livro traz, como abrigo social, tráfico de pessoas e a luta social por melhor qualidade de vida.
  • Valor: R$ 39
  • Venda: No site da editora Pedregulho.

ELE É SÓ UM GAROTO 

E-book
E-book "Ele é só um garoto", de Maxwell dos Santos. (Divulgação/ Maxwell dos Santos)

  • Autor:  Maxwell dos Santos
  • Sinopse: O e-book é baseado na história real de Kristi Kollar, atriz e ativista americana que fora violada por membro da igreja  que frequentava.  Tendo como pano de fundo as eleições municipais de 2012, a obra conta sobre uma jovem evangélica que foi molestada por seu colega de congregação.  O agressor, menor de idade, é filho do policial civil aposentado, advogado, jornalista e apresentador Ariel Masotti, que comanda o programa "Cana Braba", líder de audiência no horário. Ele é defensor da redução da maioridade penal para todos os crimes. No entanto, quando se vê às voltas com a acusação de violação contra seu filho, Ariel faz de tudo para livrar seu filho de qualquer acusação. 
  • Gratuito    
  • Onde acessar:  Através do link do drive da obra

QUAL É O ESQUEMA DA PARADA

Livro
Livro "Qual é o Esquema da Parada". (Reprodução/ Capa "Qual é o Esquema da Parada")

  • Autor: Wagner Silva Gomes
  • Sinopse: O livro é uma espécie de jogo da vida. Nele, os jogadores são os trabalhadores da educação que, colocados numa situação em que devem lutar contra os desmandos do prefeito Medianera, se veem numa contradição real da luta de classes. Todos os lances são decisivos e as cenas nos fazem imaginar cada fala de cada personagem porque estão muito próximos de nós. Algumas passagens nos transportam um pouco para o conto '1º de Maio', de Mário de Andrade (1997). Trata de temas que afetam a classe trabalhadora - aqui, o magistério. (Por: Andressa Santos)
  • Valor: R$ 36. A obra está em pré-venda, tendp seu lançamento no dia  10 de dezembro
  • Venda: No site da editora Pedregulho 

*Sarah Bichara é estagiária da Rede Gazeta, sob orientação do editor Erik Oakes.

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Errata Atualização
3 de agosto de 2021 às 09:48

A matéria foi atualizada com a contribuição da escritora Suely Bispo, informando nomes fundamentais da literatura negra capixaba.  

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