Prisão de Daniel Silveira é pedagógica para o extremismo

A contundência do Supremo para a prisão foi um balde de água fria na impunidade. E a votação massacrante na Câmara reiterou o esforço de mostrar que ainda existe lei no Brasil

Publicado em 22/02/2021 às 02h00
Prisão
Deputado federal Daniel Silveira (PSL) chega ao IML do Rio de Janeiro (RJ) na quarta-feira (17) para fazer exame de corpo de delito. Crédito: Futurapress/Folhapress

Em 1999, a insignificância parlamentar do então deputado federal Jair Bolsonaro foi um atenuante para as ameaças feitas, em alto e bom som, à vida do presidente Fernando Henrique Cardoso. Olhando em retrospecto, eram tempos mais simples. Os impropérios proferidos então — a defesa da ditadura militar e o incitamento ao fuzilamento do então presidente — ainda não tinham a caixa de ressonância das redes sociais.

Bolsonaro era um lobo solitário disparatado, mas é fato que o Congresso, na época, fez vista grossa a uma bravata grave. A disciplina no momento oportuno, no sentido didático e expresso de que no Brasil se vive sob a égide do Estado democrático de Direito, tem o poder civicamente pedagógico de desestimular os extremismos nascentes. 

decisão monocrática do ministro Alexandre de Moraes, confirmada em seguida por unanimidade entre seus pares no Supremo Tribunal Federal, de prender o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) teve essa relevância, mais de 20 anos depois do episódio protagonizado pelo atual presidente.

O parlamentar bolsonarista tampouco goza de proeminência na Câmara, ocupando-se prioritariamente de um golpismo que jamais pode ser subestimado. É paradoxal que alguém que faz a defesa do AI-5 e intimide com tanta fúria integrantes de quaisquer Poderes se imiscua no Congresso, um lugar ao qual não se encaixa por princípio. E ainda use um princípio democrático, a liberdade de expressão, a seu favor.

Câmara, na noite da última sexta-feira (19), decidiu pela manutenção da prisão, dentro do trâmite constitucional que cerca a imunidade parlamentar. Está na Carta Magna que “os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. Algo que existe para que os ocupantes do Parlamento não se subjuguem a governos autoritários, não um salvo-conduto para crimes. É essa a distinção que pesa incompreensível para os defensores de uma liberdade de expressão distorcida, que instiga a violência e a instabilidade institucional.

Diante da controvérsia, o  presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), chegou a anunciar a criação de uma comissão pluripartidária para propor alterações legislativas que regulem com mais clareza o artigo 53 da Constituição, que trata justamente da imunidade parlamentar. "Acima de todas as inviolabilidades, está a inviolabilidade da democracia", ressaltou Lira.

Mesmo que estratégicas, as desculpas do deputado antes da votação na Câmara mostram que a prisão, mesmo com regalias, conseguem amansar o tom bélico de lunáticos. Daniel Silveira também foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por crime de coação no curso do processo e outros dois delitos da Lei de Segurança Nacional, com base no vídeo, no qual afirmava o desejo de ver os ministros "na rua levando uma surra",  divulgado pelo parlamentar em suas redes sociais. "Um ex-soldado da Polícia Militar do Rio, instituição na qual se notabilizou pelo mau comportamento” é a descrição do deputado na denúncia.

Silveira já era investigado em dois inquéritos, conduzidos por Alexandre de Moraes, no STF: o das fake news, que apura ataques contra ministros da Corte, e o da organização de atos antidemocráticos no ano passado. Em liberdade, estar sob escrutínio do Judiciário não impediu que o deputado permanecesse agindo, usando a internet como tribuna do ódio.

A contundência do Supremo para a prisão foi um balde de água fria na impunidade. E a votação massacrante na Câmara, mesmo que deputados possuam seus esqueletos no armário no que diz respeito à punição de seus pares, reiterou o esforço de mostrar que ainda existe lei no Brasil. O próprio Congresso está sob ameaça quando a democracia é atacada de forma tão vil.

Os limites da liberdade de expressão cabem à Justiça, e o Supremo cumpriu seu papel. Discursos de ódio, partindo de um deputado eleito pelo povo, são incompatíveis com a atuação parlamentar. As instituições democráticas não podem estar vulneráveis a comportamentos tão baixos, capazes de estimular a violência.

A voz de um deputado é livre para defender ideias e proposições, não a destruição do Estado democrático de Direito que, ironicamente, é o que garante essa liberdade. Daniel Silveira vai aprender, da pior maneira, que o seu mandato não está acima da democracia.

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