Falta de vacinas traduz a incompetência do governo Bolsonaro

Planalto deveria ter fechado acordos ao longo do ano passado com todas as fabricantes que mostrassem segurança e eficácia para garantir imunização. Em vez disso, incinerou verba pública na compra e distribuição de medicamento inútil

Publicado em 20/02/2021 às 02h00
Presidente Jair Bolsonaro exibe caixa de hidroxicloroquina durante a posse de Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde
Presidente Jair Bolsonaro exibe caixa de hidroxicloroquina durante a posse de Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde. Crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Diante da atuação baratinada do governo federal, era uma morte anunciada, mas não deixa de ser revoltante aos brasileiros assistir à campanha de vacinação contra o novo coronavírus definhar, tão logo começou. Diversas cidades do país, como Rio de Janeiro e Salvador, já foram forçadas a interromper os trabalhos por falta de doses, e outras tantas têm estoque apenas para os próximos dias. É como ver o bote salva-vida afundar após um naufrágio.

O risco de pane total levou o Ministério da Saúde a tomar uma decisão arriscada na sexta-feira (19), a pedido da Frente Nacional dos Prefeitos. A partir da remessa de 4,7 milhões de doses prometida para o dia 28 deste mês, o plano muda: os municípios devem aplicar toda a quantidade recebida, em vez de reservar número suficiente para a segunda aplicação, necessária para garantir a eficácia.

A expectativa é que ocorra a distribuição de mais 21 milhões de doses em março, o que cria a esperança de entrega dos lotes para a segunda rodada em tempo hábil. O reforço precisa acontecer em um prazo máximo de 28 dias. O histórico do Executivo federal, no entanto, depõe contra o clima de otimismo. Mais de um mês após o início da campanha, o Brasil conseguiu realizar a primeira aplicação em pouco menos de seis milhões de pessoas, o que equivale a 2,6% de sua população. Daí em diante, o país passa a depender do cumprimento de promessas, da disputa internacional e, o que é mais temeroso, de suas capacidades de planejamento e logística.

Únicas duas vacinas aprovadas e em uso no país, a Coronavac e a Astrazeneca têm sua capacidade de produção pelo Instituto Butantan e pela Fiocruz, respectivamente, atrelada à importação de insumos da Índia e da China, com quem a gestão de Jair Bolsonaro queimou pontes, mesmo em meio à escassez da matéria-prima, devido à alta demanda. Um dia após ser acusado de demora na entrega pelo ministro Pazuello, o Butantan revelou o envio de três ofícios ao Ministério da Saúde em 2020, oferecendo 160 milhões de doses, 60 milhões delas ainda no ano passado. Todos foram ignorados.

O imunizante da Pfizer, que acaba de mostrar 85% de eficácia com apenas uma dose, também foi desdenhado pelo ministro. Entre agosto e setembro do ano passado, a farmacêutica tentou acertar a venda de 70 milhões de doses com o governo Bolsonaro, sem resposta. Em janeiro, Pazuello ainda criticou supostas condições “leoninas” exigidas pela fabricante, que negociou seus lotes com outros países, onde é aplicado em larga escala.

O governo federal deveria ter fechado acordos ao longo do segundo semestre do ano passado com todas as fabricantes que mostrassem segurança e eficácia. Em vez disso, incinerou verba pública na compra e distribuição de medicamento inútil contra a Covid-19. Neste exato momento, em que as vacinas começam a sumir das unidades da saúde do país, o Ministério da Saúde está com edital aberto para aquisição de mais… hidroxicloroquina.

É uma miopia descarada. Mesmo diante dos alertas de uma segunda onda, com mais de mil mortes por dia e sem nenhuma vacina aprovada, a pasta comandada por Pazuello elaborou no ano passado um orçamento para 2021 aquém do desafio de enfrentamento à pandemia. Em janeiro, segundo documentos obtidos pela Folha, o ministério pediu a abertura de créditos extraordinários sob a alegação de que o avanço da Covid-19 em 2021 era “imprevisível”.

Atualmente, o Brasil esbarra nos recordes de mortes diárias, com velocidade de infecção acelerada. A interrupção da vacinação é altamente desastrosa, uma vez que a imunização só é eficaz com a proteção coletiva. Na pior crise sanitária de sua história, o país joga no lixo décadas de expertise em imunização de massa. Se seguir o ritmo modorrento que vem imprimindo, o país levaria mais de três anos para vacinar 70% da população e, finalmente, impedir o vírus de circular. Ao incluir as ameaças das novas cepas na equação, a tragédia aumenta exponencialmente. Sem uma reação imediata, os brasileiros entrarão em 2022 numa terceira ou quarta onda. E com um ministro que dirá que esse destino era incerto.

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