O que pretende o presidente Jair Bolsonaro?

Ameaças de demissão do ministro da Saúde, que tem feito um trabalho elogiável no enfrentamento da pandemia, expõem um governo que insiste no confronto e prefere se autossabotar a ser contrariado

Publicado em 06/04/2020 às 21h29
Atualizado em 06/04/2020 às 22h12
Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta
Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. Crédito: Isac Nóbrega/PR

Em qual país do mundo um ministro da Saúde que tem se destacado por profissionalismo, dedicação, zelo técnico e capacidade gerencial durante uma pandemia sem precedentes precisa se equilibrar tanto no cargo, sob risco constante de demissão? Só mesmo no governo Bolsonaro um auxiliar da linha de frente é penalizado por fazer bem o seu trabalho e ganhar popularidade por isso. Mais do que por ter adotado diretrizes antagônicas às convicções do presidente no enfrentamento ao novo coronavírus, Luiz Henrique Mandetta está sendo perseguido pela própria sensatez, que atraiu para ele todos os holofotes.

A inveja é corrosiva, e Jair Bolsonaro não disfarça o sentimento quando se transforma em uma metralhadora giratória de indiretas, que qualquer um sabe a quem está direcionada. No domingo (05), fez uma de suas declarações mais incisivas ao afirmar que alguns integrantes de seu governo "viraram estrelas". Como um personagem de novela, disse que a hora deles vai chegar e que não tem medo de "usar a caneta". Um chefe de Estado que manda recado a seus subordinados não passa mensagem alguma além da própria fragilidade.

A insistência em defender a flexibilização do isolamento, enquanto seu ministro mantém as recomendações médicas e científicas internacionais, coloca o próprio presidente em uma quarentena gerencial. Tanto que tem sido cada vez mais sólido nos bastidores o bloco antagônico, reunindo além do chefe da Saúde, os superministros Paulo Guedes e Sergio Moro, com apoio da ala militar. Só não se pode dizer que Bolsonaro se tornou tão decorativo quanto a Rainha da Inglaterra porque a própria Elizabeth II se comprometeu com o distanciamento social em seu pronunciamento no domingo. Uma aparição rara, mas necessária, na qual pediu determinação e autodisciplina aos seus súditos britânicos. 

A popularidade de Mandetta é concreta, há números que a comprovam. Na última pesquisa DataFolha, a aprovação do Ministério da Saúde na condução da crise da Covid-19 chegou a 76%, enquanto a aprovação de Bolsonaro na emergência sanitária é de 35%. Mandetta é médico e político, mas tem deixado falar mais alto o seu perfil técnico durante a pandemia, como o próprio presidente ressaltou que deveria ser a atuação de seu ministério, ao tomar posse.

O ministro da Saúde pode, sim, estar se cacifando para 2022, mas essa não é uma questão para o momento. A preocupação de Bolsonaro com um possível adversário não pode se sobrepor às emergências que são concretas agora. A ala ideológica e familiar do Planalto prefere a autossabotagem à contrariedade. O que pretende o governo com um conflito tão escancarado, em plena crise?

A distensão é uma palavra que não existe para toda a família Bolsonaro, que se alimenta do confronto. Carlos Bolsonaro, seu filho mais incendiário, nesta segunda-feira mesmo fez um ataque à forma física do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que vem a ser do partido de Mandetta, o DEM.

Enquanto isso, o ministro permanece na corda bamba, após um dia em que sua demissão esteve engatilhada. Mesmo que esteja fazendo uma gestão louvável, com repasses de recursos e insumos aos Estados e comunicação franca e eficiente com a população, sem ruídos, Mandetta continuará como um acrobata lépido em um circo de insanos, enquanto não for tirado à força do picadeiro.

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