
Não é irônico que, na mesma semana em que é noticiada a impossibilidade de a União reaver R$ 23 milhões em um caso confirmado de superfaturamento de obras públicas, uma outra notícia mostre uma juíza eleitoral cobrando de um ex-candidato a vereador a devolução de R$ 0,80 aos cofres públicos?
São obviamente situações distintas, mas que demonstram um dilema tão ou mais brasileiro que o samba: o trato complicado com a coisa pública, que deságua tanto na corrupção quanto no patrimonialismo, quando os limites entre o público e o privado se confundem. "Vale Tudo" não é uma novela com esse nome à toa.
A decisão da juíza pode parecer exagerada, mas é a justiça sendo praticada. Na decisão, a magistrada afirma não ter encontrado indícios "de má-fé, fraude ou que o candidato quisesse prejudicar o dinheiro público", assim os erros foram considerados apenas "ressalvas", como informou o repórter Tiago Alencar na matéria. A moralização no uso dos recursos públicos é algo que se atinge também nos pequenos deslizes: é preciso soar o alarme em qualquer tropeço.
No caso dos R$ 23 milhões, neste espaço mesmo, na terça-feira (9), foi explicada a razão de não haver ressarcimento do valor aos cofres públicos: o Tribunal de Contas da União (TCU) confirmou o superfaturamento em obras do Porto de Vitória anteriores à concessão, mas decidiu pelo arquivamento da Tomada de Contas Especial (TCE) que poderia determinar a devolução da quantia. Isso porque o TCU deixou de ter jurisdição para exigir o ressarcimento de uma empresa privada.
Não deixa de parecer injusto que alguém seja obrigado a devolver R$ 0,80, enquanto R$ 23 milhões vazam pelo ralo. É o preço que se paga pela demora de decisões tão significativas — o caso do Porto de Vitória é de 2012. Mas isso não exime os deslizes menores de ressarcimento, pelo valor simbólico que devem ter para toda a sociedade. Não é só por 80 centavos... é assim que se pratica a ética.
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