Legislação de trânsito precisa aceitar imagens como prova de imprudência

Motorista que deu cavalo de pau na região do Parque Moscoso, em Vitória, vai continuar dirigindo porque não houve flagrante por agente de trânsito, mesmo com a "denúncia" das câmeras

Publicado em 28/10/2020 às 06h00
Essas três manobras foram feitas na segunda-feira (21). O motorista já foi identificado, segundo agentes da Guarda Municipal de Vitória
Imagens de câmeras de videomonitoramento flagraram um motorista fazendo uma manobra perigosa, conhecida como cavalo de pau. Crédito: Reprodução

A manobra automobilística popularmente conhecida como "cavalo de pau" pode até tirar o fôlego dos espectadores da franquia "Velozes e Furiosos", mas é inaceitável que saia da ficção e seja praticada nas ruas de forma tão naturalizada quanto ficou exposta nos flagrantes da imprudência de um motorista na região do Parque Moscoso, no Centro de Vitória, em setembro passado. As imagens de câmeras de videomonitoramento na região mostravam o condutor efetuando o perigoso movimento repetidas vezes, a ponto de quase atropelar uma mulher que passava pela rua.

A Polícia Civil informou que o motorista, identificado como Tiago Fardin, de 36 anos,  já teve a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) suspensa quatro vezes por cometer infrações no trânsito. E não parece se corrigir, mesmo com a recorrência da punição. Em uma das ocasiões em que o direito de dirigir foi tirado, ocorridas todas entre 2005 e 2017, a infração foi a mesma registrada no mês passado, prevista no artigo 308 do Código de Trânsito Brasileiro, que trata de "disputa automobilística ou exibição de perícia automobilística em via pública sem autorização, gerando perigo para incolumidade pública ou privada". O inquérito do episódio mais recente foi finalizado com o indiciamento do motorista. Contudo, ele seguirá autorizado a dirigir até a Justiça concluir o processo.

Isso porque a legislação de trânsito esbarra em um anacronismo que precisa ser revisto com urgência. Mesmo tendo sido exposto pelas câmeras de videomonitoramento, o condutor não foi autuado em flagrante pela Polícia Militar ou pela Guarda Municipal, o que é exigido pela lei para multar e suspender a CNH.

Em pleno 2020, com a onipresença das câmeras não só nos espaços públicos como nos celulares, as imagens não valem nada nos procedimentos administrativos que já tirariam temporariamente um motorista negligente das ruas. Mesmo em um caso no qual  a vida de outras pessoas foi claramente colocada em risco.

Em fevereiro do ano passado, um projeto de lei de autoria do senador Fabiano Contarato iniciou a jornada de tramitação no Congresso, justamente para alterar o Código Brasileiro de Trânsito, reconhecendo o registro de infrações de trânsito feito por qualquer pessoa, física ou jurídica, em foto ou vídeo.

Assim, a prova passará a ser ser remetida a uma autoridade de trânsito, que poderá lavrar o auto de infração,  assegurando o direito à contraprova. É uma matéria que poderia ter sido apreciada dentro do esforço legislativo que acabou por reformar o Código de Trânsito, sancionado recentemente. Mas o governo federal nunca escondeu suas intenções de abrandar as punições no trânsito e teve algumas vitórias nesse sentido com a celebração das novas regras pelos parlamentares.

"Eu apresentei um projeto de lei determinando que toda forma de obtenção de imagens tenha valor jurídico para a lavratura de autos de infração, porque contra fatos não há argumentos", reforçou o senador, que foi delegado de Delitos de Trânsito por mais de dez anos e diretor-geral do Departamento Estadual de Trânsito (Detran-ES), ao Bom Dia ES, na TV Gazeta.

Por mais que as quatro suspensões de CNH anteriores do motorista não tenham surtido efeito educativo sobre ele, permitir que alguém que encara o trânsito como diversão inconsequente, como ficou evidente nas imagens, é contribuir para perpetuar a impunidade. Regras mais rígidas deveriam até cassar o direito de dirigir permanentemente. Com multas pesadas.

Pelo segundo dia consecutivo, este jornal se posiciona em editorial contra a impunidade em distintas esferas. Casos de homicídio brutais como o que vitimou o cliente da distribuidora de bebidas na Serra, relatados neste espaço na véspera, expõem as deficiências penais e morais que permitem a barbárie. No caso dos crimes de trânsito, a situação não se distingue. Ao volante, a cidadania é quase sempre ultrapassada por um individualismo que passa por cima de tudo e de todos, ostentando a falta de harmonia que torna as vias tão violentas. É preciso conscientização, sim, mas sobretudo a imposição de leis mais severas. A violência no trânsito começa com a imprudência e a falta de respeito.

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