Em vez de criar imposto, Brasil deve aprender a fazer mais com menos

Pressão por aumento de receitas via taxação enquanto fecha os olhos para a adiposidade da máquina pública é a receita do fracasso. Reforma tributária deve vir acompanhada de mais inteligência na alocação dos recursos públicos

Publicado em 31/07/2020 às 06h00
Atualizado em 31/07/2020 às 06h00
Ministro da Economia, Paulo Guedes, em cerimônia no Palácio do Planalto
Ministro da Economia, Paulo Guedes, em cerimônia no Palácio do Planalto. Crédito: Edu Andrade/ Ascom/ ME

Paulo Guedes veio para confundir, não para simplificar. As propostas para a reforma tributária apresentadas até o momento pelo ministro da Economia, parafraseando ditado popular, vendem uma aparente facilidade para, ao fim e ao cabo, manter a mesma dificuldade. Fatia projetos, muda nomes de impostos e acena com uma série de benesses em um espetáculo de prestidigitação para iludir o contribuinte. Na ponta do lápis, os anúncios feitos até agora mudam o emaranhado fiscal apenas para que o peso do Estado continue igual, senão maior.

A unificação de PIS e Cofins sob uma alíquota de 12% proposta pelo governo, batizada de Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS), pode fazer com o que tributo sobre consumo chegue a um patamar entre 33% e 35%, a maior taxa do mundo. Esse número é alcançado com a inclusão dos impostos estaduais e municipais, deixados de fora do discurso pelo Executivo federal, que hoje giram em torno de 22% do valor de produtos e serviços.

O governo ainda pensa em criar novo imposto, despertando um fantasma do passado. A cobrança sobre transações digitais de Guedes tem cara de CPMF e rabo de CPMF, mas o governo insiste em negar que seja uma versão 2.0 da contribuição sobre movimentações financeiras altamente criticada por seu efeito trator na economia. Para acalmar os ânimos, o ministro agora promete que a alíquota de 0,2% sobre transferências e pagamentos eletrônicos, por exemplo, pode abrir espaço enxugar outras taxas.

É um avanço, já que antes o Planalto apenas atrelava a criação da nova CPMF à desoneração da folha de pagamento e agora vislumbra mudança mais profunda. Mesmo assim, o nível de detalhamento visto nos estudos da equipe econômica sobre a criação do novo imposto, com alíquotas e montante de arrecadação definidos, não é nem de longe o mesmo empenhado nos cálculos da economia que o empregador teria com a redução de tributos sobre o pagamento de seus funcionários. São palavras ao vento.

Além disso, o governo federal silencia sobre redução de gastos. A mesma assertividade que começa a ser demonstrada na reforma tributária deve ser empregada na reforma administrativa e no plano de privatizações e concessões. Esses movimentos devem ser sincronizados. A pressão pelo aumento de receitas via taxação enquanto fecha os olhos para a adiposidade paquidérmica da máquina pública é a receita do fracasso. O Brasil progrediu em legislações que prezam pela transparência e a eficiência na gestão dos recursos, como a Lei de Responsabilidade Fiscal, mas a cultura pródiga na alocação de verbas permanece, vide a sanha pela flexibilização do teto dos gastos.

A mudança de postura de Paulo Guedes, com a promessa de uma racionalização de impostos, veio depois de algumas articulações do governo federal com o Congresso, para evitar o mesmo erro cometido na aprovação do Fundeb, em que a falta de diálogo com Câmara e Senado impôs uma derrota ao Planalto.

É bem-vinda a junção de PIS e Cofins, duas das maiores fontes de litígio entre os impostos federais, mas os planos do Ministério da Economia ainda são raquíticos face ao tamanho do problema. Até o momento, o Brasil tem pequenos retratos do que pode vir, mas não consegue enxergar o filme. Propostas que já circulam no Legislativo são mais amplas e entregam não apenas simplificação, como também solucionam gargalos distributivos. A PEC 45, que tramita na Câmara, já inclui o ICMS e ISS, por exemplo, na unificação de impostos sobre bens e serviços, prevendo ainda uma fase de transição para que as empresas se adaptem às novas regras e para que Estados e municípios não percam arrecadação no novo modelo, que acaba com a guerra fiscal entre os entes.

O novelo de mais de 80 impostos, taxas e contribuições existentes no Brasil, com leis e decretos que impõem regras distintas em cada canto, amarram a construção de um país mais justo, que entrega à altura do que cobra de seu povo. O custo burocrático, a redução de investimento e a insegurança jurídica provocadas pela alta carga tributária são um peso morto para o desenvolvimento, aliado às distorções distributivas que se traduzem no dia a dia dos brasileiros, como a ineficácia de serviços públicos. Mesmo com o crescimento pífio da economia brasileira nos últimos anos, a arrecadação não deixou de crescer, tanto que começou o ano com recorde para os meses de janeiro.

O governo federal deve aproveitar os ares reformistas que ventam entre deputados e senadores para enfrentar a complexidade e a regressividade do sistema tributário brasileiro, que reduzem a eficiência econômica e aumentam a desigualdade social. Essas duas chagas, se não forem combatidas, serão ainda mais gravosas neste pós-pandemia, em que tarefas essenciais do poder público, como gerar emprego e renda e atender as camadas vulneráveis, se tornarão ainda mais cruciais. É hora de o Brasil modernizar a máquina estatal e aprender a fazer mais com menos.

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