A quem interessa o fim da Lava Jato?

Ao se apropriar do termo "lavajatismo", o procurador-geral da República, Augusto Aras, e a defesa de Lula se tornam quase siameses no ataque à força-tarefa

Publicado em 30/07/2020 às 06h00
Atualizado em 30/07/2020 às 06h00
O procurador-geral da República, Augusto Aras, preside a 8ª sessão ordinária do Conselho Superior do Ministério Público Federal (CSMPF)
Augusto Aras atacou frontalmente a Lava Jato ao caracterizá-la como uma "uma caixa de segredos". Crédito: José Cruz/Agência Brasil

As perigosas declarações do procurador-geral da República, Augusto Aras, sobre a Lava Jato acabaram ironicamente por empurrar o bolsonarismo para bem perto do lulopetismo,  levando-se em consideração que Aras não somente ocupa o cargo por indicação do presidente como se comporta como aliado. Perto demais,  não se sabe se a ponto de concretizar o proverbial "o inimigo do meu inimigo é meu amigo", mas o suficiente para estremecer o discurso de combate à corrupção que acompanha Jair Bolsonaro desde a campanha eleitoral, um de seus mais consideráveis propulsores de votos.

O chefe do Ministério Público atacou frontalmente a força-tarefa ao caracterizá-la como uma "uma caixa de segredos", justificando tal afirmação com o volume de informação acumulado e sua suposta "opacidade". Os 350 terabytes de dados reunidos, citando mais 38 mil pessoas, por si só não revelam nada além daquilo que foi perceptível pela opinião pública desde 2014: um trabalho incessante, que chegou ao esquema de corrupção político-econômico na Petrobras, mas foi ainda mais longe, expondo tentáculos internacionais desse aparato arquitetado nas entranhas do partido político que estava no poder.  

PT pode ter sido o mais visado, mas não foi o único. Além de Lula, nomes como o de Eduardo Cunha (MDB), Sérgio Cabral (MDB), Michel Temer (MDB) engrossam a lista das prisões realizadas no âmbito da operação, que também atingiu tucanos como José Serra e Aécio Neves. Empresários também foram parar atrás das grades, reforçando que ideologia e poder econômico pouco importavam. Foram 293 prisões e 253 condenações. 

O "punitivismo" denunciado de forma despropositada pelo procurador-geral é, como os números explicitam, a justiça sendo finalmente feita para os crimes de colarinho branco, como há muito se esperava no país. Augusto Aras desmoraliza a Lava Jato para imobilizar suas engrenagens. Mesmo que a operação também tenha sido passível de erros e deslizes processuais, é um caso a ser tratado pela Corregedoria-Geral da Procuradoria-Geral da República. 

No cargo que ocupa, Augusto Aras deve seguir os trâmites protocolares, mas preferiu lavar a roupa suja em público. Primeiro, para uma plateia de advogados criminalistas com muito interesse em ver a Lava Jato conjugada no passado. Depois, para senadores... ambiente no qual não é difícil encontrar quem tenha o mesmo interesse, mesmo que eclipsado pelo discurso anticorrupção que é de praxe. Lá, aproveitou para tecer críticas a operações de busca e apreensão da Polícia Federal em gabinetes de parlamentares. Convenientemente.

  Ao se apropriar do termo "lavajatismo", Aras e a defesa de Lula se tornam quase siameses.  O discurso é o mesmo, o de descrédito da operação, de enumeração de supostos abusos, que podem ter havido, mas na boca do procurador-geral da República não podem surgir como ilações. Seu comportamento não é republicano, mas se encaixa perfeitamente nesses tempos em que a quebra de decoro institucional passou a ser encarada com uma assustadora naturalidade. O desmonte da Lava Jato é evidente, mas pode vir a implodir a própria reputação do Ministério Público Federal, o que é inaceitável na mesma proporção.

A própria Justiça  impôs correções à Lava Jato, quando houve excessos. O processo investigativo precisa ser corrigido quando falha, principalmente no que venha a impedir o direito à ampla defesa. E a maioria esmagadora das investigações e condenações foram confirmadas pelas instâncias superiores, inclusive pelo STF.

A Lava Jato não está acima do bem e do mal, também deve passar por escrutínio. O que não significa asfixiá-la, como parece ser a intenção. Quando Aras usa palavras como "chantagem" e "extorsão" para se referir aos métodos dos procuradores, ele consegue fazer com que os êxitos percam a glória. O que cai bem a um governo que não só perdeu seu bastião da moralidade, o ex-juiz Sérgio Moro, como passou a tê-lo como um adversário. Bolsonaro deve se apressar na defesa da Lava Jato para não ser acusado, justamente, de estelionato eleitoral.

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