Publicado em 27 de julho de 2020 às 08:11
Especialistas em tributação veem um ambiente favorável para uma reforma ampla dos impostos sobre consumo no país, mesmo diante da crise econômica gerada pela pandemia e da proposta reduzida de reforma apresentada pelo governo na última semana. >
Segundo tributaristas, há um consenso entre estados e crescente apoio entre municípios pequenos e médios para uma unificação dos impostos em um único Imposto sobre Valor Agregado (IVA), modelo que já é adotado hoje por 168 países.>
Eurico de Santi, professor da FGV Direito de São Paulo e diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), cita ao menos quatro motivos que explicam, na sua visão, esse ambiente favorável.>
O primeiro deles, diz Santi, é o espólio da guerra fiscal que envolveu os estados nos últimos 50 anos. Com a concessão de benefícios para atrair indústrias dos mais diversos setores, os estados acabaram corroendo sua própria base de arrecadação de ICMS, impostos que travou negociações de reformas anteriores.>
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Um segundo fator, segundo o tributarista, é a crescente desmaterialização da economia, que aumentou a base de tributação dos municípios, responsáveis pela arrecadação do Imposto Sobre Serviços (ISS), reduzindo a base das unidades da federação.>
Diante desses dois pontos, a proposta de criação de um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) como contida na PEC 45 da Câmara -idealizada pelo CCiF- aumenta a base tributária dos estados, que passam também a tributar serviços. Já para os municípios, a base de arrecadação igualmente cresceria, pois eles passam a tributar também mercadorias.>
Os municípios de grandes capitais resistem ao modelo, por temerem perder receitas com a tributação sobre serviços nessa economia digitalizada, ressalva o tributarista.>
Ele destaca, porém, como um quarto ponto, que estados do Norte e Nordeste também se beneficiariam do modelo de tributação no destino contido na proposta de reforma da Câmara, pois produtos produzidos no Sul e Sudeste e consumidos nas demais regiões seriam tributados na ponta do consumo.>
"Isso cria uma brutal desconcentração da arrecadação para os estados consumidores e não industrializados e nem prestadores de serviço", diz Santi, reconhecendo, porém, que esses estados perdem instrumentos de incentivo fiscais para atração de investimentos.>
Para Eduardo Fleury, sócio do FCR Law - Fleury, Coimbra & Rhomberg Advogados, a crise e a proposta do governo, podem ironicamente se converter em fatores favoráveis à uma reforma ampla dos impostos sobre consumo no país.>
"As grandes reformas tributárias que foram feitas em outros países foram feitas em época de crise e de guerra. Quando as pessoas sentem que podem perder muito, aceitam modificações que representam perdas muito pequenas para elas", diz Fleury.>
Já a proposta do governo, que prevê apenas a unificação da PIS e da Cofins - impostos de âmbito federal - sob uma alíquota única de 12%, pode fortalecer o apoio às propostas de reforma em tramitação na Câmara e no Senado, na avaliação do tributarista.>
A proposta da Câmara prevê a unificações de cinco tributos (IPI, PIS, Cofins, ICMS, ISS), hoje cobrados por governo federal, estados e municípios, em um IBS com alíquota em torno de 25%. Já a proposta do Senado pretende unificar nove tributos (IPI, IOF, PIS, Pasep, Cofins, CIDE-Combustíveis, Salário-Educação, ICMS, ISS).>
"Quando você reúne todos os impostos, há setores que acabam ganhando ou ficando na mesma situação. Quando se unifica apenas PIS e Cofins com uma alíquota muito alta, há setores que se sentem mais prejudicados, como o de telecomunicações", exemplifica Fleury.>
Já os governos dos estados temem perder espaço na arrecadação do ICMS se a tributação de PIS e Cofins for elevada dos atuais 3,65% para 12%, e por isso também têm preferência pela discussão unificada, como uma forma de garantirem sua parcela da arrecadação.>
Apesar do otimismo de parcela dos tributaristas, há quem veja a piora no ambiente econômico como um empecilho para discussões de reformas de um modo geral, o que tende comprometer um avanço mais rápido de uma reforma tributária ampla.>
"Tem menos ambiente agora para a aprovação de uma reforma do que antes", avalia Marcus Vinicius Gonçalves, sócio-líder de Tributos da KPMG no Brasil. "No ano passado, teve um movimento muito forte, tanto do ponto de vista da iniciativa privada, quanto político, de um consenso quanto à necessidade da reforma. Ali era o momento ideal", afirma.>
Gonçalves avalia que a pandemia também prejudica a discussão. "A pandemia atrapalha porque vamos passar ainda por um período de ajuste das empresas e do governo", afirma.>
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