Com a pandemia, o planeta inteiro está sob pressão, em meio a decisões drásticas compartilhadas por diferentes governos que afetam o comportamento das pessoas como não se testemunhou por gerações. Fundamentadas em ações para preconizar o distanciamento social, as medidas como o fechamento do comércio desagradam a certos setores econômicos e prejudicam os mais desassistidos, mas se tornaram providências indeclináveis para, emergencialmente, salvar vidas.
No Brasil, a grita se repete, mas o que impressiona mesmo por aqui é a capacidade de proteção dos interesses do serviço público por grupos de pressão política. É simplesmente impossível superar essa barreira, mesmo durante uma crise de saúde pública tão avassaladora. Não há lobby com maior poder de imunidade neste país.
Esta quarta-feira (06) revelou mais um desses episódios notáveis em que a política brasileira se viu refém dessa influência, quando aprovou-se no Senado o socorro de R$ 120 bilhões a Estados e municípios. A ajuda exige uma contrapartida: o congelamento de salários de servidores por 18 meses. Durante um intervalo curto, os professores estiveram entre as categorias passíveis de não terem reajuste durante um ano e meio, mas durou pouco: a pressão foi tanta que o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, retirou-os do texto na segunda versão. Eles passaram, então, a incluir a lista dos imunizados, que poderão ter aumento no período.
Policiais federais, rodoviários federais, ferroviários federais, civis, militares e corpos de bombeiros militares; servidores das Forças Armadas; técnicos peritos criminais; guardas municipais; agentes socioeducativos; profissionais de limpeza urbana; assistentes sociais; profissionais de saúde; profissionais de serviços funerais; e professores.
Essas categorias, consideradas essenciais durante a pandemia, ficaram de fora do sacrifício. Mesmo que se faça necessária distinção entre a elite do funcionalismo e os serviços públicos menos favorecidos, vale sempre ressaltar que o que se pede não é o corte de salários, apenas a sua estagnação temporária. Enquanto isso, na iniciativa privada, o trabalhador, quando não perde o emprego, pode ter até 75% da jornada reduzida e, consequentemente, um encolhimento considerável dos proventos. Empresários e profissionais liberais podem ter ganho zero em determinadas circunstâncias. E os invisibilizados pela informalidade e os desempregados seguem virando a noite na fila da Caixa. Os sacrifícios, definitivamente, precisam ser democratizados.
O próprio Alcolumbre contemporizou, no início da sessão: "O que nós estamos pedindo é uma colaboração, uma contribuição, uma participação. Eu escuto as pessoas falarem de injustiça com servidor. A proposta era reduzir 25% do salário dos servidores públicos do Brasil". Infelizmente, repetiu-se o que a Câmara já havia decidido, estabelecendo a blindagem das categorias.
As cotas de sacrifício precisam atingir todo o setor público, em maior ou menor grau. Os próprios políticos, com cargos eletivos, deveriam dar o exemplo e cortar na própria carne, em prol do interesse público. Na Assembleia Legislativa do Espírito Santo, o único resultado até agora de uma proposta que prevê o corte de 30% no salário dos deputados foi um bate-boca entre os parlamentares, que exigem que a redução seja estendida a todos os Poderes.
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É o que o contribuinte também deseja, que todos se exponham nesse momento socialmente tão frágil. Mas, como é de praxe, ninguém consegue se voluntariar, apenas apontar o dedo para o outro. O que falta é se atinar para o fato de que todos estão no mesmo barco. Aqueles que conseguiram um colete salva-vidas, artigo cada vez mais escasso, ainda não se deram conta de que eles têm tudo para acabarem, sozinhos, em uma praia deserta, sem chances de resgate.
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