Da Naufrágio à Alma Viva: Judiciário não pode continuar sendo desmoralizado

A sociedade espera que os desembargadores continuem dando o exemplo, sem corporativismo, pois a Justiça não pode ser colocada em xeque por aventureiros, que não honram a toga

Publicado em 31/07/2021 às 02h00
TJES
Sessão de quinta-feira (29) do Tribunal de Justiça do Espírito Santo. Crédito: Reprodução/YouTube

É inconcebível que os juízes investigados no âmbito da Operação Alma Viva, mesmo depois do afastamento de suas funções, em 15 de julho, tenham insistido solenemente em atrapalhar as investigações, com o constrangimento de testemunhas e a destruição de provas, como apontou o Ministério Público do Estado (MPES) durante o procedimento criminal.

Com as circunstâncias expostas pela  procuradora-geral de Justiça, Luciana Andrade, o Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) não tinha outra saída que não fosse a decretação da prisão preventiva de Alexandre Farina Lopes e Carlos Alexandre Guttman, agora denunciados por suspeita de venda de sentenças. A decisão unânime dos desembargadores nesta quinta-feira (30) foi também uma forma de zelar pela reputação do Judiciário capixaba.

A Alma Viva é uma nova mancha na magistratura menos de 13 anos após a Operação Naufrágio, que levou à prisão magistrados, advogados e uma servidora, também em um esquema de negociações judiciais que envolvia o então presidente do TJES, o desembargador Frederico Guilherme Pimentel, e sete familiares, além de outros desembargadores.

No dia 9 de dezembro de 2008, quando a operação foi deflagrada, a sede do Poder Judiciário no Estado foi trancada, sem que funcionários pudessem assumir seus postos. O presidente foi preso por um dia, e a punição foi somente administrativa: a famigerada aposentadoria compulsória. Frederico Guilherme Pimentel morreu em dezembro passado, aos 78 anos, em decorrência da Covid-19.

As sombras da Naufrágio não serviram de freio para a má atuação dos juízes, segundo denúncia do Ministério Público. O episódio foi lembrado pelos desembargadores, como Pedro Valls Feu Rosa. "Todos os aqui acusados já estavam na instituição em 2008, durante a Operação Naufrágio, e sentiram na pele a vergonha sofrida lá atrás, viram a polícia vasculhando as dependências do Poder Judiciário, mas, aparentemente, nem isso os intimidou. Pouco mais de uma década depois, cá estamos a tratar de delitos análogos. Registro novamente o que expressei há poucos dias: até na boca de um pistoleiro nossa instituição está", lamentou o magistrado durante seu voto.

A desembargadora Eliana Munhoz chegou a comparar os dois casos, colocando o envolvimento dos juízes no esquema de venda de sentenças um patamar acima da operação deflagrada em 2008. "Este é o mais triste episódio do Poder Judiciário no Espírito Santo. Muito mais triste que a famigerada Naufrágio, que nos envergonhou perante o país. Este é o episódio mais triste e vergonhoso que o Poder Judiciário capixaba poderia enfrentar."

Os pontos de convergência com a Naufrágio acabam sendo inevitáveis. Em 2008, os indícios de envolvimento de membros do Judiciário nos crimes se deu por meio de interceptações telefônicas da Operação Titanic, que desvendou um esquema de sonegação fiscal que culminou na prisão do empresário Adriano Scopel.

Polícia Federal, na ocasião, flagrou ligações telefônicas na qual o empresário e seu pai tentavam a reversão de decisões judiciais desfavoráveis mediante o oferecimento de vantagem indevida aos desembargadores Frederico Pimentel e Elpídio Duque.

Não muito diferente do esquema atual, descoberto também a partir de outra investigação. Os promotores que atuam na ação penal do homicídio da médica Milena Gottardi, em 2018,  colheram o depoimento à Polícia Civil de Dionatas Alves Moreira, executor confesso do crime, que afirmou que o então policial civil Hilário Frasson, ex-marido da médica e denunciado como mandante, havia sugerido que a ex-esposa fosse morta na Serra, "porque o juiz era amigo dele e era mais fácil resolver as coisas". 

Com as investigações, descobriu-se que o magistrado "amigo" de Hilário seria Alexandre Farina, diretor do Fórum da Serra. Já o juiz Carlos Alexandre Gutmann é investigado por suposta vantagem indevida em sentença sobre a posse de um terreno que teria sido intermediada por Hilário e Farina, segundo o Ministério Público.

O pedido de prisão foi feito pela procuradora-geral de Justiça, Luciana Andrade, que também havia solicitado a medida cautelar que proibiu Gutmann e Farina de se aproximarem do Fórum da Serra, para impedir que tentassem interferir nas investigações. A medida acabou não se mostrando suficiente para conter os magistrados e os outros denunciados. 

Durante a sessão do TJES, a procuradora-geral citou as movimentações dos juízes e também do empresário Eudes Cecato e do advogado Davi Ferreira, também investigados: "Encontro na cidade de São Paulo entre os investigados Eudes Cecato e o magistrado Alexandre Farina, que já lá se encontrava a pretexto de tratamento médico; intensa comunicação telefônica entre Davi Ferreira e o magistrado Gutmann; histórico de buscas na internet efetuados por Davi Ferreira no qual procurou informação sobre transferência de dados entre aparelhos da marca Iphone, bem como apagar dados contidos no aparelho, comunicação telefônica por aplicativos de mensagem entre Eudes Cecato e Alexandre Farina por interpostas pessoas. Fatos esses que nos levam ao presente e necessário requerimento de prisão preventiva".

Os dois magistrados, bem como os demais envolvidos, têm direito à ampla defesa, uma garantia do Estado democrático de Direito ao qual eles devem servir, como exemplos de probidade. Lamentavelmente, as conversas telefônicas por aplicativos de mensagens e outros registros encontrados em aparelhos celulares apontam para uma postura inaceitável a qualquer servidor público, ainda mais um membro do Judiciário.

A Operação Naufrágio deveria ter deixado sobre eles uma marca, da importância da moralidade na instituição que preza pela Justiça, a balizadora da vida em sociedade. O Tribunal de Justiça não pode continuar sendo desmoralizado por quem não merece estar em seus quadros. A sociedade espera que os desembargadores continuem dando o exemplo, sem corporativismo, pois a Justiça não pode ser colocada em xeque por aventureiros, que não honram a toga.

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