Publicado em 3 de setembro de 2020 às 17:30
O trabalho remoto, também conhecido pelo termo em inglês home office, ganhou escala no Brasil, de forma forçada, como alternativa para deter o contágio na pandemia da Covid-19. >
Passados quase seis meses desde a sua disseminação entre as empresas, os dados consolidados desse sistema de trabalho constituem uma espécie de novo indicador das desigualdades econômicas do país.>
Em julho, dos 8,4 milhões de trabalhadores remotos do Brasil, praticamente a metade, 4,9 milhões, estava no Sudeste, região que concentra profissionais mais qualificados e a geração de PIB (Produto Interno Bruto). Apenas 252 mil estavam no Norte, fatia mais pobre do país.>
Os números estão na Pnad Covid-19 do IBGE (Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, dedicada a medir os efeitos econômicos da Covid-19).>
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Quando se compara a proporção de trabalhadores em home office com a população ocupada em cada região, a disparidade fica mais evidente.>
Cerca de 10% de toda a população ocupada no Brasil estava nesse sistema em julho.>
A fração, porém, é maior no Sudeste, onde 13% da população ocupada estava no trabalho remoto, e bem menor no Norte, onde a apenas 4% trabalhavam em casa diante de um computador.>
A parcela também é mais alta na região Sul, onde quase 9% estavam no teletrabalho, e menor no Nordeste, que tinha 7,8% da população ocupada em home office.>
Detalhe: a região Sul tem uma população ocupada menor (13,5 milhões) do que o Nordeste (17,9 milhões).>
Chama a atenção o dado do Centro-Oeste. A força da economia local é a agricultura, que pressupõe uma maior demanda por atividades presenciais, mas, ainda assim, 9% da população ocupada estava em teletrabalho.>
A capacidade de geração de riqueza e renda média, porém, colocam o Centro Oeste mais próximo do Sudeste e do Sul do que do Norte e Nordeste.>
Na avaliação do professor João Luiz Maurity Saboia, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), os dados do IBGE retratam o que se intui: o trabalho remoto é um benefício adicional para os mais qualificados, especialmente para a parcela que tem curso superior completo.>
A análise dos dados do IBGE sob a ótica do nível de instrução confirma essa percepção.>
Entre os que estão no trabalho remoto, 6,1 milhões, quase 73% do total, concluíram o ensino superior completo ou uma pós-graduação, detalha o levantamento do IBGE.>
Em contrapartida, apenas 70 mil dos trabalhadores que estão no sistema não completaram nem o fundamental.>
"O home office não é para qualquer um, é para determinadas ocupações e setores", afirma Saboia.>
O pesquisador Daniel Duque, do FGV-Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), reforça que pesa também a qualidade do acesso à internet. O fato de o Sudeste ter uma infraestrutura de rede mais ampla e conexões mais ágeis favorecem o teletrabalho na região.>
"No Sudeste, a internet chega a um número maior de pessoas e há mais predisposição para se trabalhar em casa, pois isso reduz o tempo perdido no deslocamento, por exemplo", diz.>
Ele destaca ainda que essa região também concentra empresas mais sofisticadas e tem um número maior de trabalhadores qualificados do que o Norte e Nordeste.>
Os especialistas ainda argumentam que o home office é uma boa régua para medir as distinções entre trabalho formal e informal no Brasil.>
De acordo com o IBGE, os informais representavam 15% -ou 1,3 milhão de trabalhadores- do universo de funcionários em casa. No mercado, porém, constituíam quase 40% da população ocupada no segundo trimestre.>
A leitura do economista Rodolpho Tobler, também do FGV-Ibre, é que a questão da informalidade talvez explique por que há tão poucos em teletrabalho na região Norte. Segundo ele, o emprego no Norte é mais informal, com ocupações mais difíceis de serem exercidas no trabalho remoto.>
"As pessoas não conseguem trabalhar em casa -é uma realidade nessa região", afirma.>
A Pnad Contínua divulgados nesta sexta (28) trazia que 57,9% da população ocupada no Norte está na informalidade, com destaque para os estados do Pará (56,4%) e Amazonas (55,0%).>
No Sudeste, esse número é bem inferior (31,5%). São Paulo tem uma parcela de informais ainda menor (28,6%).>
Na avaliação de João Luiz Maurity Saboia há outra questão: a natureza do trabalho informal no Brasil, onde ainda prevalecem atividades com baixo uso de tecnologia, não adequadas ao home office.>
"Normalmente, são prestadores de serviços na agricultura, nas atividades doméstica e familiar ou ambulantes no comércio de rua. Você precisa estar no local para desenvolver essas atividades", afirma.>
O home office também foi uma espécie de escudo de proteção contra o desemprego para os mais qualificados.>
Durante a pandemia, houve a destruição das ocupações de baixa renda, mais precárias e informais. "Na perda de ocupação, os mais afetados foram os trabalhadores informais, que são aqueles com menores rendimentos", diz a analista do IBGE Adriana Beringuy.>
Do outro lado, os mais qualificados foram trabalhar em casa -com destaque, novamente, no Sudeste.>
Diretores e gerentes de empresas, que constituem apenas 3,5% de toda a população ocupada do Brasil, representam 8% em trabalho de home office. No Norte e Nordeste, a distribuição da população ocupada em cargos de diretores e gerentes (1,8% e 2,5%, respectivamente) é bem menor que a vista no Sudeste (3,9%) e Sul (4,3%).>
Como o emprego durante a pandemia foi preservado nos patamares mais altos da pirâmide de trabalho, ocorreu uma distorção peculiar: a média salarial nacional chegou a R$ 2,5 mil, a maior da história já registrada pelo IBGE.>
Outra vez o Sudeste ficou numa posição melhor. A média salarial em São Paulo é R$ 3.167, parecida com a do Rio de Janeiro, que fica na casa de R$ 3.162. Trata-se de uma realidade bem diferente da vivida no Norte. No Tocantins, por exemplo, o rendimento fica em R$ 1.972.>
Étore Sánchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, argumenta que as diferenças entre as regiões podem ser explicadas pela distinção das profissões mais disponíveis em cada localidade.>
"A principal diferença é em função do tipo de trabalho prestado. Em alguns locais prevalecem trabalhos mais manuais, como colheita, ou atividades industriais não mecanizadas, de difícil execução de maneira remota", diz Étore, se referindo à região Norte.>
"Já São Paulo concentra a prestação de serviços, principalmente administrativos, por isso tem essa distinção em relação à formalidade, ao trabalho remoto e ao rendimento médio", afirma.>
Os profissionais dedicados a áreas ligadas a ciências ou afazeres intelectuais são 13,5% dos brasileiros ocupados, mas chegaram a representar 50% dos trabalhadores em home office na pandemia.>
Essa parcela dos trabalhadores se sentiu confortável no teletrabalho. Em julho, a FIA (Fundação Instituto de Administração) e a FEA (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade), ambas ligadas à USP (Universidade de São Paulo), fizeram uma pesquisa para medir a satisfação e o desempenho na migração para o home office entre trabalhadores da alta gestão de empresas e instituições, como executivos, técnicos de nível superior, professores e pesquisadores.>
O professor André Fischer, coordenador do Programa de Gestão de Pessoas da FIA, disse que a pesquisa foi feita principalmente no Sudeste. "Serviços financeiros, educacionais e de consultoria estão muito centrados em São Paulo, ou Rio", afirma o professor.>
O resultado: 76% demonstraram uma percepção positiva sobre a suas condições de teletrabalho na pandemia.>
Fischer afirma que ainda não é possível ter certeza que a satisfação vai permanecer após a pandemia e o fim do isolamento social, mas acredita que o trabalho remoto se provou como viável para o público mais qualificado.>
"Muitas das barreiras cognitivas que existiam, como a resistência para atuar fora da empresa por acreditar que iria causar algum tipo de dificuldade, foram superadas. Ficou demonstrado que é possível exercer algum tipo de gestão sem estar necessariamente do lado do funcionário", disse.>
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