Publicado em 11 de outubro de 2020 às 16:57
Entre as principais economias do mundo, o Brasil contabilizou o maior aumento do gasto público no período que vai do final da década passada às vésperas da pandemia do novo coronavírus.>
De 2008, ano de crise financeira global, até 2019, a despesa conjunta de União, estados e municípios avançou de 29,5% para 41% do Produto Interno Bruto, sem incluir na conta os encargos com juros --os maiores do planeta.>
Com a evolução, o país ostenta hoje o maior aparato estatal fora da Europa --e muito superior ao de qualquer um dos principais emergentes com dados disponíveis.>
As informações foram obtidas em uma base de dados do FMI (Fundo Monetário Internacional) que procura harmonizar as estatísticas orçamentárias de todo o mundo, facilitando as comparações.>
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O levantamento da Folha abarcou um grupo de 20 países selecionados entre as mais importantes economias globais e da América Latina.>
Ficaram de fora China, Índia e Argentina, para as quais não há dados. Das três, porém, sabe-se que apenas a vizinha Argentina pode ter despesa pública comparável à brasileira.>
Relativamente recentes, os dados retratam um período de alta do gasto governamental em boa parte do mundo, em reação à crise disseminada pela quebra do Lehman Brothers, em setembro de 2008.>
No caso brasileiro, o choque financeiro deu início à política intervencionista das administrações do PT, e a expansão fiscal se prolongou. A adoção do teto constitucional para a despesa federal, em 2016, apenas desacelerou o aumento.>
Os números permitem detectar os motivos que fazem do Estado brasileiro uma anomalia entre os países de renda média --e com participação na economia superior à verificada em potências como EUA, Japão e Reino Unido.>
A escalada do gasto público nacional se deveu, principalmente, aos benefícios sociais, nos quais a metodologia do FMI agrupa ações de Previdência e assistência social.>
Esses pagamentos saltaram de 9,8% para 18,4% do PIB entre 2008 e 2019 (o dado do ano passado foi apurado pelo Tesouro Nacional, com base nas diretrizes do Fundo).>
Movido em especial pelos encargos com aposentadorias, o crescimento equipara hoje o gasto brasileiro com seguridade aos de países ricos com população bem mais idosa.>
São muito menores as cifras em emergentes como Turquia (12,8% do PIB), Rússia (11,1%), Colômbia (7%), África do Sul (6,2%), Chile (4,9% do PIB), México (4,3%) e Peru (2,1%).>
Embora não tenha passado por uma expansão comparável no período, os encargos com servidores são outra distorção dos orçamentos das três esferas de governo.>
As despesas com o funcionalismo ativo, que ultrapassaram o patamar de 13% do PIB, só são superadas na Arábia Saudita e na África do Sul (o critério do FMI considera contribuições previdenciárias e outros benefícios concedidos pelo empregador).>
Além disso, os pagamentos a servidores inativos e seus pensionistas, na casa dos 5% do PIB, ajudam a inflar o desembolso com benefícios sociais.>
Por fim, se salários e aposentadorias respondem pelos excessos na despesa primária (não financeira), a conta de juros da dívida pública constitui uma excrescência à parte.>
Na metodologia do Fundo, esse gasto caiu de 9% para 7,3% de 2018 para 2019, mas permanece sem paralelo.>
Mesmo no cálculo do Banco Central, que desconta as receitas com juros do governo, os 5,1% do produto apurados no ano passado bastam para liderar o ranking global.>
Em grande medida, a expansão das despesas primária e financeira está associada --o endividamento público viabilizou parcela expressiva da ampliação dos programas de governo.>
A alta da dívida inspira desconfiança do mercado credor, que se reflete em alta das taxas cobradas. O gasto com juros chegou ao recorde de 11,9% em 2015, nos estertores da gestão Dilma Rousseff (PT).>
Desde a adoção do teto para as despesas primárias federais, curiosamente, foram as despesas financeiras que ingressaram em trajetória de queda, graças à queda das taxas dos títulos públicos.>
Esta, por sua vez, foi permitida pela persistente estagnação da economia brasileira.>
O pacote de estímulos fiscais do Brasil para enfrentar a pandemia está entre os maiores verificados em todo o mundo, fator que deve evitar uma contração maior da economia neste ano, mas dificulta a manutenção dos gastos em patamar suficiente para garantir uma retomada da atividade mais forte em 2021.>
O país anunciou medidas equivalentes a 12% do PIB (Produto Interno Bruto), segundo dados atualizados até setembro pela equipe responsável pelo Índice de Estímulo Econômico da Covid-19, das universidades Columbia (EUA), Sungkyunkwan (Coreia do Sul) e Eski?ehir Osmangazi (Turquia).>
Com isso, o Brasil ocupa a 27ª posição entre 168 nações. Na comparação com o PIB, o gasto se aproxima do verificado em países europeus como França e Itália e supera todos os Brics (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e todos os países relevantes da América Latina. Está também apenas dois pontos percentuais abaixo do verificado nos EUA.>
No pacote brasileiro estão, entre outras medidas, o auxílio emergencial do governo federal para trabalhadores informais, o programa de retenção de emprego, recursos para saúde, transferências para estados e municípios e garantia de crédito em empréstimos para empresas.>
O último balanço do Ministério da Economia lista R$ 587 bilhões em despesas anunciadas até setembro e benefícios tributários de R$ 21 bilhões. Somente o auxílio emergencial representa R$ 380 bilhões previstos para este ano.>
De acordo com o Painel Covid-19 da IFI (Instituição Fiscal Independente do Senado), até o dia 6 de outubro havia uma dotação de R$ 603 bilhões para despesas relacionadas à pandemia, sendo que R$ 518 bilhões estão empenhados e R$ 446 bilhões já foram gastos.>
No valor desembolsado, destacam-se aproximadamente R$ 230 bilhões para o auxílio emergencial, mais de R$ 70 bilhões em repasses a estados e municípios, R$ 30 bilhões do Ministério da Saúde e mais de R$ 20 bilhões para operações de crédito.>
A introdução dessas medidas mais que compensou a queda na renda que seria provocada pela pandemia neste ano. Segundo cálculos do Ibre (Instituto Brasileiro de Economia) da Fundação Getulio Vargas, a massa ampliada de rendimentos deve fechar o ano com avanço do 3,9%. Sem as medidas de transferência de renda, teria recuo inédito de 6,1%.>
Em compensação, para 2021 se estima uma queda de 6% com o fim desses benefícios.>
"O problema todo é que o cobertor sempre é curto. A gente não tem fôlego para continuar nessa política fiscal expansionista dessa magnitude, como de países desenvolvidos", afirma Silvia Matos, coordenadora técnica do Boletim Macro do Ibre.>
"Isso amorteceu o choque, mas também criou uma dependência muito grande. Na medida em que a gente não tiver mais essas transferências, a situação deve ser mais dramática. Esse é um ponto que preocupa muito do ponto de vista de consumo das famílias.">
William Baghdassarian, professor de Finanças do Ibmec-DF, afirma que o Brasil adotou praticamente todos os tipos de medidas disponíveis, enquanto outros países emergentes limitaram seu campo de ação.>
"É como se houvesse um pacote de remédios e você pegasse todos eles. O Brasil adotou todo esse receituário, e as políticas foram bem sucedidas. A gente conseguiu estancar um pouco da queda do PIB, que podeira chegar a 10% e deve ficar próxima de 5%, muito por conta do auxílio emergencial", afirma Baghdassarian.>
"Foi muito por tentativa e erro, então a eficácia e a eficiência se perde um pouco, mas não posso nem culpar o governo, porque nunca tivemos uma crise dessa magnitude.">
Para ele, a retirada dessa medicação em 2021 constitui um desafio, pois, se o Brasil continuar em um ritmo excessivo de gastos, haverá outros fatores que vão minar a recuperação do país.>
"A gente vai continuar a ver elevado desemprego, inflação que vai voltar, taxa de câmbio desvalorizada, baixo crescimento", afirma.>
"O mercado já precifica essa dificuldade em pagar a dívida. A solução é a aprovação de reformas estruturantes, melhorar o ambiente de negócios no Brasil para que o investimento privado comece a aparecer, combinado com algum esforço fiscal.">
O economista Alexandre Chaia, do Insper, afirma que as ações do Brasil na área econômica foram bem-sucedidas, apesar da dificuldade em viabilizar alguns dos programas, principalmente na área de crédito.>
Também houve demora em conseguir fazer com que o auxílio emergencial chegasse a toda a população que tinha direito ao benefício. Na área de saúde, por outro lado, o desempenho foi significativamente negativo.>
Para ele, o país não exagerou na dose ao aproveitar a onda mundial de aumento do endividamento para viabilizar essas ações. Mas o fato de o Brasil ter entrado na crise com a economia mais fragilizada vai tornar a transição para a saída mais difícil.>
De acordo com Chaia, o Brasil já estava patinando desde a reeleição da presidente Dilma Rousseff (PT), em 2014, e já era um dos mais endividados entre os emergentes.>
"A saída da crise para a gente vai ser muito traumática. A retirada dos incentivos vai fazer despencar o consumo, o desempego vai aumentar. Como vamos manter a rede de proteção com essa restrição financeira?", diz.>
"Para manter o mínimo de credibilidade, a gente precisa manter o teto de gastos. O único jeito é cortar gastos, abrindo espaço fiscal.">
Armando Castelar Pinheiro, coordenador de Economia Aplicada do Ibre/FGV, afirma que o Brasil não possui espaço para seguir com novos estímulos como os países desenvolvidos e que permanece o desafio, aqui e em outros países, de fazer com que a demanda privada cresça para além da venda no varejo e da questão da indústria.>
"O desafio maior são os serviços, que é o grande setor da economia lá fora e aqui. A questão é como a demanda privada se recupera e quais os limites dos instrumentos para fazer isso", diz Castelar.>
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