Publicado em 11 de outubro de 2020 às 09:45
BRASÍLIA - Enquanto congressistas analisam a PEC (proposta de emenda à Constituição) que reestrutura o serviço público e o lobby do funcionalismo se movimenta para tentar travar a medida, o ministro Paulo Guedes (Economia) celebra nos bastidores o que vem chamando de "reforma administrativa silenciosa" já colocada em prática pelo governo.>
Entre congelamento salarial de servidores, não reposição de vagas desocupadas, extinção de cargos comissionados e digitalização de serviços, a gestão Jair Bolsonaro (sem partido) promoveu um ajuste fiscal que supera R$ 68 bilhões até 2021 apenas no Poder Executivo federal. Os dados foram fornecidos à Folha pelo Ministério da Economia.>
O enxugamento da máquina pública vem sendo tocado como diretriz de governo, independentemente da reforma administrativa. Grande parte desse objetivo vem sendo alcançado por meio da não reposição de vagas.>
Hoje, para cada 100 servidores que se aposentam ou deixam o posto, o governo repõe apenas 26 vagas. Esse é o menor índice dos últimos anos.>
>
Nas gestões do PT, o número de contratações superava o total de vagas liberadas, o que levou a um crescimento da máquina. Em 2014, no governo Dilma Rousseff (PT), foram contratados 168 servidores para cada 100 vagas liberadas.>
Esse movimento desacelerou no governo Michel Temer (MDB), com redução mais forte nos quadros após a posse de Bolsonaro em 2019.>
No ano passado, o governo travou concursos e deixou de preencher mais de 28 mil vagas. Nos primeiros sete meses deste ano, outros 8.300 postos não foram ocupados.>
Como resultado, o número de servidores do Executivo federal caiu de 630 mil antes da posse de Bolsonaro, para 607 mil no ano passado e pouco menos de 602 mil neste ano.>
Com a diretriz de contratar o mínimo possível de servidores, o Ministério da Economia estima uma economia de R$ 19,7 bilhões até 2021.>
O maior impacto para as contas públicas, no entanto, veio com o congelamento salarial de servidores.>
Considerando o início do governo Bolsonaro, que interrompeu a política de reajustes a servidores, e a nova medida que trava salários até o fim do ano que vem, a economia será de R$ 46,4 bilhões.>
O número considera apenas as contas do governo federal. No entanto, o congelamento das remunerações é aplicado também a estados e municípios.>
Além disso, R$ 1,6 bilhão diz respeito ao impacto gerado pela digitalização de serviços, que reduz a necessidade de pessoal.>
Com a implementação da carteira de trabalho digital, por exemplo, o governo conta hoje com 100 servidores efetivos e 190 trabalhadores terceirizados atuando no serviço. Antes, no modelo totalmente analógico, eram 600 servidores e 2.900 terceirizados.>
Em pouco menos de dois anos, o governo também extinguiu cerca de 21 mil cargos comissionados, aqueles que podem ser preenchidos por livre nomeação.>
A conta, nesse caso, é menor. O governo deve poupar R$ 580 milhões em três anos.>
"Realmente, tem uma transformação administrativa silenciosa acontecendo", disse à Folha o secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, Caio Mário Paes de Andrade.>
De acordo com ele, o governo atua para prestar serviços públicos com menos recursos e menos servidores. Um dos objetivos da pasta é liberar mão de obra qualificada para atividades mais complexas e menos operacionais.>
"Por incrível que pareça, com esse Estado do jeito que ele é, inchado, grande, nós ainda temos falta de gente em vários lugares", disse. A falta de efetividade de serviços públicos é alvo de críticas.>
Na gestão Bolsonaro, foram registrados problemas em algumas áreas. No início do ano, houve dificuldade na liberação de seguro-desemprego e no processo de inscrição para seleção de vagas em universidades públicas.>
Um dos maiores entraves, ainda não solucionado, está no INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).>
A falta de servidores e a dificuldade na digitalização represam a liberação de benefícios. Na pandemia, o órgão ainda teve problemas com peritos que não compareceram às agências, enquanto não havia possibilidade de se fazer consultas por telemedicina.>
O presidente do Fonacate (Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado), Rudinei Marques, afirma que a falta de pessoal é observada em diversas áreas, especialmente no INSS e órgãos fiscalizadores, como a Secretaria de Trabalho e a CGU (Controladoria-Geral da União).>
"Estão fazendo economia, mas estão deixando de prestar serviços públicos ou deixando de contratar profissionais que podem inclusive aumentar a arrecadação do governo. É uma economia que penaliza o cidadão", disse.>
Professor da FGV Direito SP e presidente da Sociedade Brasileira de Direito Público, Carlos Ari Sundfeld, por sua vez, concorda com o plano de ação do ministério.>
"Este governo, quando começou, pegou uma máquina que não estava carente de quadros", disse. "O processo de digitalização tem de ter como contrapartida uma máquina que seja menor e que seja ajustada a essas novas demandas", afirmou.>
Para o pesquisador, os problemas de qualidade em serviços públicos no âmbito federal não estão relacionados ao congelamento salarial ou à redução do número de servidores, mas sim à burocracia e às dificuldades tecnológicas.>
As maiores carências, segundo ele, se concentram nos serviços estaduais e municipais.>
Agora, além das medidas já adotadas, o governo trabalha para a aprovação da reforma administrativa. A primeira proposta já está no Congresso, mas outros projetos ainda serão enviados.>
Entre as principais medidas do pacote, estão a possibilidade de contratação de servidores sem estabilidade no cargo, corte no número de carreiras, redução dos salários de entrada e aprimoramento dos processos de avaliação.>
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta