Assessor de Investimentos da Valor. Mestre em Direito e Procurador do Estado do Espírito Santo. Professor de Ética na pós-graduação da ESPGE

De herdeiros a guardiões: o desafio das heranças

Entre investimentos, tributos e relações familiares, o verdadeiro desafio da sucessão é preparar herdeiros para preservar e expandir o patrimônio

Vitória
Publicado em 18/12/2025 às 08h48

Nas últimas semanas, atendi famílias que buscavam orientação sobre planejamento patrimonial na sucessão. Costumeiramente, o assunto gira em torno de investimentos e tributos cuja mudança vem sendo discutida há algum tempo Brasil afora. De todos, dois casos chamaram mais atenção.

No primeiro, os futuros herdeiros se mostraram muito preparados para assumir o patrimônio familiar. Embora jovens, possuem conhecimento do negócio dos pais e estatura para debater detalhes jurídicos e estruturas financeiras arrojadas. No segundo caso, deu-se o contrário: herdeiros maduros em idade, mas completamente despreparados para herdar. Sabiam apenas superficialmente dos negócios da família e quase nada sobre as implicações legais da administração de seu próprio patrimônio.

Por questões culturais, fala-se pouco sobre a morte em boa parte das famílias. Certo ou errado, o fato é que isso traz consequências financeiras para os envolvidos. “Pai rico, filho nobre, neto pobre”. O ditado popular sintetiza o histórico de muitas famílias que não conseguiram manter seu padrão de vida ao longo do tempo, muitas vezes pelo despreparo de seus herdeiros.

Uma face desse processo pode estar ligada a fatores externos às próprias famílias, como guerras, migrações, crises econômicas ou mudanças de eixos de desenvolvimento regional, etc. Mas outros pontos dizem respeito à própria estrutura patrimonial pouco formatada para a mudança de gerações.

Então, se não basta apenas transferir os bens para os herdeiros para garantir a permanência do patrimônio, como dar as condições para que as próximas gerações estejam preparadas – técnica, emocional e estrategicamente – para administrar e expandir esse patrimônio, ou, simplesmente:

Como formar herdeiros?

Se a educação costuma ser o primeiro “bem” a servir de herança familiar, a preparação dos herdeiros deve estar, inicialmente, ligada à educação, porém financeira. Não que seja obrigatório conhecer a fundo a economia, mas que possuam conceitos fundamentais sobre investimentos e tributação, a fim de terem autonomia mínima para a tomada de decisões, que, caso contrário, poderiam ser mal fundamentadas, baseadas na pura emoção ou mesmo influenciadas por terceiros mal-intencionados. Adaptando-se à fase da vida e idade de cada um, até que ponto o conhecimento financeiro dos pais vem sendo passado para os filhos e família em geral? O assunto é um tabu, restrito às mesas de negócios, ou também é falado na hora do jantar?

Nessa linha, um aspecto crucial nessa preparação dos herdeiros é a sua integração progressiva na gestão dos bens e dos negócios familiares. Tal como no segundo exemplo citado no início deste artigo, ninguém nasce pronto para herdar, mas conhecer o que mantém o patrimônio familiar de pé é básico para que isso permaneça assim. A entrada gradual dos herdeiros em processos e ambientes de tomada de decisão, inclusive operacionais como prévias às estratégicas, ajudam o desenvolvimento da maturidade para herdar não apenas o negócio ou os bens, mas a filosofia de seus antecessores que os levaram até ali.

Além da técnica, o emocional precisa estar em dia quando se herda. A depender do nível patrimonial, expectativas, pressões sociais e familiares e comparações com gerações anteriores são inevitáveis. Infelizmente, por razões da vida e da morte, muitos são elevados a posições estratégicas antes do esperado. Estar próximo da rotina patrimonial da família, envolvido ainda que indiretamente no bojo das discussões de ordem financeira, pode abreviar essa adequação do herdeiro que recebe patrimônio e, junto dele, uma verdadeira missão.

O que holdings não ensinam aos herdeiros

Estruturas jurídicas e financeiras de planejamento patrimonial, como holdings, fundos exclusivos ou de previdência privada, não resolvem essas questões. Se têm utilidade no campo do direito e também no financeiro, podem ter efeito apenas indireto na preparação dos herdeiros. O aspecto a ser considerado, juntamente com tais ferramentas, está ligado a uma ideia de governança familiar, que está muito acima do juridiquês.

Um ponto de partida pode ser a família debater a estabilidade e expectativas de todos os envolvidos no processo sucessório. Disputas pessoais que eventualmente existam devem, preferencialmente, ser resolvidas antes da sucessão. Ponderar até que ponto os herdeiros entendem como funcionam as decisões relativas ao patrimônio e quais os limites de sua atuação também ajudará. Sobretudo, estabelecer um protocolo familiar antes de iniciada a sucessão deixa o ambiente mais colaborativo e menos suscetível a conflitos.

Preparar um herdeiro exige um esforço coordenado e multidisciplinar. Pressupõe conversas difíceis e também a quebra de paradigmas culturais. Somente entregar a chave do cofre ou o controle da empresa pode ser o passaporte para a ruína. Muito além do plano jurídico e do planejamento tributário/financeiro, a sucessão eficiente dependerá, em especial, da habilidade dos patronos  de transformarem números em cultura, cifras em legado e, no fim, de fazerem seus herdeiros os guardiões de sua história.

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