Felipe Storch Damasceno é economista com mestrado e doutorado em Administração e Contabilidade. É professor de Economia e pesquisador dos impactos sociais e econômicos de políticas públicas. Também é consultor, palestrante e comentarista na CBN Vitória

Por que entender a economia virou questão de sobrevivência empresarial

Juros, inflação e crescimento impactam custos, demanda e investimentos. Ignorar o cenário macro hoje aumenta riscos e compromete decisões estratégicas

Publicado em 24/12/2025 às 08h00

A economia sempre esteve presente no cotidiano das empresas, ainda que muitas vezes de forma implícita. Taxas de juros, inflação, crescimento da renda, câmbio, crédito e política fiscal moldam o ambiente no qual decisões empresariais são tomadas. Mesmo assim, por muito tempo, a análise econômica foi tratada como algo distante da gestão, restrita a relatórios institucionais, apresentações formais ou comentários genéricos sobre “o cenário”.

No dia a dia, decisões estratégicas e operacionais seguiram concentradas quase exclusivamente em indicadores internos, metas comerciais e controles contábeis. Esse distanciamento entre economia e gestão tornou-se cada vez mais problemático em um ambiente marcado por volatilidade, choques frequentes e mudanças estruturais rápidas. Hoje, ignorar a economia não é apenas uma limitação analítica, mas um risco concreto para a sobrevivência e a competitividade das empresas.

Em um ambiente cada vez mais complexo e imprevisível, decidir sem compreender o ambiente econômico equivale, na prática, a decidir às cegas. Crédito: Imagem gerada pelo ChatGPT
Em um ambiente cada vez mais complexo e imprevisível, decidir sem compreender o ambiente econômico equivale, na prática, a decidir às cegas. Crédito: Imagem gerada pelo ChatGPT

Empresas não operam em um vácuo. Toda decisão de investimento, contratação, precificação ou expansão é condicionada pelo ambiente econômico. A economia define o custo do capital, influencia o comportamento do consumidor, afeta a formação de preços, altera a estrutura de custos e redefine a atratividade relativa entre setores. Quando gestores desconsideram esses fatores, acabam tomando decisões com base em uma leitura incompleta da realidade. O resultado costuma ser a adoção de estratégias excessivamente otimistas em momentos de desaceleração ou conservadoras demais quando o ciclo começa a se inverter, gerando perdas de oportunidade ou exposição desnecessária a riscos.

Um dos equívocos mais comuns é tratar os indicadores macroeconômicos como abstrações distantes da realidade empresarial. Na prática, variáveis como crescimento econômico, inflação e juros são a síntese de milhões de decisões individuais que se refletem diretamente no desempenho das empresas. O ritmo de crescimento da economia influencia o volume de vendas, a taxa de ocupação, a inadimplência e a capacidade de diluir custos fixos. Em períodos de expansão, a demanda tende a ser mais robusta, o poder de barganha das empresas aumenta e as margens se tornam mais favoráveis. Em cenários de desaceleração ou recessão, o movimento se inverte: a competição por demanda se intensifica, estoques crescem, margens se comprimem e decisões equivocadas custam mais caro.

A inflação, frequentemente analisada apenas sob a ótica do consumidor, exerce impacto direto sobre as empresas ao pressionar custos, alterar contratos e reduzir o poder de compra da renda. Dependendo do setor, a inflação pode corroer margens rapidamente, sobretudo quando a capacidade de repasse de preços é limitada. Além disso, inflação elevada costuma gerar incerteza, encurtar horizontes de planejamento e aumentar o custo de capital, criando um ambiente menos favorável ao investimento produtivo.

Já a taxa de juros atua como um verdadeiro filtro de decisões. Juros mais altos encarecem o crédito, reduzem a viabilidade econômica de projetos, pressionam o fluxo de caixa e ampliam o custo de carregamento de estoques. Empresas mais alavancadas sentem esse impacto de forma quase imediata, enquanto aquelas com estrutura financeira mais sólida podem ganhar vantagem relativa.

O câmbio também desempenha papel central na transmissão do cenário macroeconômico para os resultados empresariais. Empresas exportadoras tendem a se beneficiar de desvalorizações cambiais, que ampliam receitas em moeda local e aumentam a competitividade externa. Por outro lado, empresas dependentes de insumos importados enfrentam elevação de custos e maior pressão sobre preços e margens. Em ambos os casos, a volatilidade cambial aumenta a incerteza e exige uma gestão mais sofisticada de riscos. Somam-se a isso os efeitos do ambiente fiscal e regulatório, que, por meio de alterações tributárias, revisão de incentivos ou mudanças nas regras do jogo, podem redefinir completamente a viabilidade econômica de setores inteiros.

Diante desse cenário, acompanhar indicadores macroeconômicos é necessário, mas claramente insuficiente. O verdadeiro diferencial está em entender como essas variáveis afetam o negócio específico da empresa. Essa compreensão passa pelo conceito de sensibilidade econômica, isto é, pelo grau com que a receita, os custos e o lucro reagem a mudanças no ambiente macroeconômico. Empresas diferentes respondem de maneira distinta aos mesmos choques. Uma organização com forte poder de marca e produtos diferenciados tende a ter maior capacidade de repasse de preços e menor sensibilidade à renda.

Já empresas inseridas em mercados altamente competitivos, com produtos pouco diferenciados, costumam ser muito mais vulneráveis a oscilações da demanda.

A estrutura de custos também é determinante. Negócios com alto peso de custos fixos e elevada intensidade de capital são, em geral, mais sensíveis ao ciclo econômico, pois pequenas variações na receita podem gerar grandes oscilações no lucro. Empresas mais flexíveis, com custos ajustáveis e menor alavancagem, conseguem amortecer melhor choques negativos. Analisar essas sensibilidades permite responder a perguntas essenciais para a gestão: como a receita reage a uma queda da renda real? Qual o impacto de um aumento de juros sobre o lucro operacional? Até que ponto a empresa consegue absorver choques de custo sem comprometer sua rentabilidade? Quais variáveis macroeconômicas representam os maiores riscos para o negócio?

Essas respostas não surgem da intuição nem da contabilidade tradicional isoladamente. Elas exigem análise estruturada, integração de dados históricos, leitura econômica do setor e compreensão do comportamento do mercado. Muitas vezes, esse exercício revela vulnerabilidades que passam despercebidas em períodos de estabilidade, mas que se tornam críticas quando o ambiente se deteriora. Além disso, a sensibilidade econômica não é fixa. Mudanças na estratégia, no mix de produtos, na estrutura de financiamento ou no perfil dos clientes alteram a forma como a empresa reage ao cenário. Por isso, análises desse tipo precisam ser atualizadas e incorporadas de forma contínua ao processo decisório.

Outro pilar fundamental da economia aplicada à gestão é a análise de cenários. Planejar com base em uma única projeção econômica é um erro recorrente, sobretudo em ambientes de elevada incerteza. O futuro raramente se materializa exatamente como o cenário central. A análise de cenários parte do reconhecimento dessa incerteza e busca mapear trajetórias alternativas para a economia, avaliando seus impactos sobre o desempenho da empresa. Em geral, trabalha-se com um cenário base, um cenário otimista e um cenário adverso, cada um associado a hipóteses claras sobre crescimento, inflação, juros, crédito e comportamento do mercado.

O valor dessa abordagem está em ampliar o campo de visão da gestão. Ao testar estratégias em diferentes cenários, a empresa consegue avaliar sua resiliência, identificar pontos de fragilidade e definir planos de contingência. Investimentos que parecem atrativos em um ambiente favorável podem se mostrar inviáveis em um cenário adverso. Da mesma forma, projetos robustos, capazes de gerar retorno mesmo em condições menos favoráveis, tendem a ser mais estratégicos no longo prazo. A análise de cenários também melhora a governança, pois explicita riscos, hipóteses e limites, reduzindo decisões baseadas exclusivamente em otimismo ou percepções individuais.

No curto prazo, a economia não orienta apenas grandes decisões estratégicas, mas também escolhas táticas fundamentais. Ajustes de preços, política comercial, gestão de estoques, renegociação de contratos e decisões de investimento dependem de uma leitura correta do ciclo econômico. Em momentos de desaceleração, insistir em metas baseadas em cenários ultrapassados pode levar a erros graves, como expansão excessiva ou aumento de custos fixos em um momento inadequado. Por outro lado, excesso de cautela em fases de retomada pode fazer a empresa perder espaço para concorrentes mais atentos ao ambiente.

A análise econômica ajuda a calibrar o ritmo das decisões. Ela permite distinguir choques temporários de mudanças estruturais, identificar se uma pressão de custos tende a se dissipar ou a persistir, e avaliar se uma queda de demanda é localizada ou generalizada. Essas distinções são cruciais para evitar respostas exageradas ou tardias. Além disso, o acompanhamento sistemático de indicadores antecedentes, crédito, mercado de trabalho e comportamento do consumidor melhora a capacidade de antecipação, reduzindo o caráter reativo das decisões empresariais.

Há ainda um aspecto muitas vezes negligenciado: a comunicação. Decisões difíceis, como revisão de metas, contenção de custos ou adiamento de investimentos, são mais bem compreendidas quando fundamentadas em análises econômicas consistentes. Isso fortalece a governança, melhora o alinhamento interno e reduz conflitos baseados em percepções subjetivas. Economia, nesse sentido, não é apenas ferramenta de análise, mas também de coordenação e transparência.

Em um ambiente cada vez mais complexo e imprevisível, a vantagem competitiva das empresas não está em prever o futuro com precisão, mas em interpretar corretamente o presente e se preparar para múltiplas possibilidades. A análise econômica aplicada à gestão não elimina riscos, mas permite identificá-los, mensurá-los e gerenciá-los de forma mais racional. Empresas que incorporam a economia ao seu processo decisório tomam decisões mais consistentes, ajustam rotas com maior agilidade e evitam surpresas negativas.

Mais do que um diferencial, a análise econômica tornou-se um requisito básico de boa gestão. Em um mundo onde choques são frequentes e a margem para erro é cada vez menor, decidir sem compreender o ambiente econômico equivale, na prática, a decidir às cegas.

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