O Brasil construiu ao longo das últimas décadas uma reputação sólida na formulação de políticas públicas de caráter macroestrutural. O Sistema Único de Saúde, o Bolsa Família e o Cadastro Único são exemplos de iniciativas capazes de alcançar milhões de pessoas, garantindo direitos básicos, reduzindo desigualdades e criando uma rede de proteção social que se tornou referência internacional.
Quando o desafio é massivo, abrangente e voltado para a inclusão de grandes contingentes, mostramos competência em articular soluções de alcance nacional. No entanto, quando o olhar se desloca para o micro, para a estruturação de políticas públicas que melhorem a produtividade das pessoas e das empresas em seu cotidiano, o desempenho é bem menos consistente. É nesse nível que se encontra um dos maiores gargalos do desenvolvimento econômico e social do país.
A produtividade brasileira permanece praticamente estagnada há décadas, o que nos distancia das trajetórias de crescimento observadas em países que partiram de condições semelhantes às nossas. A ausência de políticas eficazes no nível micro tem papel central nesse quadro. Microempreendedores enfrentam excesso de burocracia, dificuldades de acesso a crédito em condições adequadas e falta de apoio técnico especializado. Pequenas e médias empresas, responsáveis por boa parte do emprego e da renda, encontram barreiras para inovar, digitalizar processos e integrar-se a cadeias produtivas globais.
Os trabalhadores, por sua vez, muitas vezes não dispõem de oportunidades de capacitação contínua e de atualização frente às novas exigências tecnológicas. Essa combinação alimenta um círculo vicioso: baixa produtividade limita o crescimento da renda e da economia, e esse baixo crescimento restringe os recursos disponíveis para políticas públicas mais sofisticadas.
Não se trata de minimizar a relevância dos avanços macro. O SUS e o Bolsa Família mudaram estruturalmente a vida de milhões de brasileiros, mas o país ainda não conseguiu articular políticas que, sem perder a escala nacional, consigam penetrar no detalhe e no cotidiano onde a produtividade é construída. Em muitos setores estratégicos, como a agricultura, o contraste é evidente: temos escala e competitividade no agronegócio, mas convivemos com pequenos produtores que seguem com baixa tecnologia e escassa assistência técnica.
Grandes programas de crédito existem, mas a falta de orientação prática faz com que recursos muitas vezes sejam mal aplicados ou não tragam o retorno esperado. Projetos de infraestrutura são desenhados, mas as cadeias logísticas locais seguem frágeis, comprometendo o escoamento da produção e a integração regional.
O caminho para superar esse impasse passa pela criação de políticas mais precisas, capazes de chegar ao micro sem perder a visão macro. Isso significa, antes de tudo, investir na formação contínua dos trabalhadores, aproximando os programas de qualificação das reais necessidades do mercado de trabalho e garantindo que a atualização tecnológica seja permanente. Também implica fortalecer políticas de inovação direcionadas às pequenas e médias empresas, incentivando incubadoras, aceleradoras, arranjos produtivos locais e projetos de digitalização que permitam ganhos reais de eficiência.
Outro aspecto essencial é a simplificação tributária e regulatória: reduzir a burocracia que consome tempo e energia dos empreendedores é uma medida de produtividade tanto quanto investir em tecnologia. Não basta criar programas de crédito; é preciso oferecer apoio técnico diferenciado, com consultorias e mentorias que auxiliem empresas e trabalhadores a usarem os recursos de forma estratégica. Além disso, é fundamental integrar políticas sociais e econômicas, para que inclusão e eficiência caminhem juntas. Não se trata apenas de distribuir renda, mas de criar condições para que essa renda seja gerada de forma sustentável.
O Brasil mostrou que é capaz de conceber políticas de grande impacto coletivo. O desafio que se impõe agora é avançar para um nível mais difícil, mas também mais transformador: o de estruturar políticas públicas que atuem no detalhe, que melhorem a vida das pessoas e a competitividade das empresas na prática, que convertam inclusão em produtividade e produtividade em prosperidade. Sem essa mudança, continuaremos dependentes de programas compensatórios para mitigar desigualdades que poderiam ser reduzidas pelo próprio dinamismo econômico. O futuro do país depende da nossa capacidade de transformar o sucesso das políticas macro em um novo aprendizado: o da precisão no desenho das políticas micro.
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