Durante muito tempo, aprendemos que o preço de uma ação deveria refletir seus fundamentos: lucros, crescimento, eficiência e perspectivas futuras. No entanto, o mercado financeiro atual tem mostrado que essa relação está longe de ser absoluta. Cada vez mais, um fator determinante para a direção dos preços não é quanto uma ação vale, mas para onde o dinheiro está indo. E, no cenário global, uma parte relevante desse dinheiro flui hoje por meio dos ETFs, os fundos passivos de índice que seguem regras automáticas de investimento.
O ponto central é simples: ETFs não “pensam”. Eles não avaliam se uma empresa está barata ou cara. Apenas cumprem uma missão mecânica, a de replicar um índice. E, para replicá-lo, precisam comprar exatamente as ações que o compõem, independentemente do nível de preço. Assim, quando entram bilhões nesses fundos, todos os ativos presentes no índice sobem juntos, mesmo que alguns estejam com valor esticado ou apresentem fundamentos questionáveis.
Isso cria uma dinâmica curiosa: o preço deixa de ser a primeira variável analisada. O fluxo passa a comandar o movimento. Se o ETF recebe mais dinheiro, compra. Se há resgates, vende. Essa automatização do mercado faz com que períodos de alta sejam prolongados, não por euforia ou melhora nos fundamentos, mas porque as regras desses fundos exigem compras constantes sempre que o investidor global decide aumentar sua exposição a determinado índice.
É aqui que o Brasil entra na história. Nos últimos anos, parte dos recursos que saem dos Estados Unidos em busca de diversificação acaba direcionada para ETFs globais e de mercados emergentes. E praticamente todos esses ETFs têm Brasil em sua composição. Quando esse dinheiro chega, os gestores precisam comprá-lo aqui, em ações, não importa se o ambiente doméstico está turbulento, se o cenário fiscal gera dúvidas ou se as empresas estão negociando a múltiplos elevados. A regra manda comprar, e isso sustenta a alta do mercado.
Não são raros os momentos em que vemos o Ibovespa subir mesmo em semanas de notícias negativas. O investidor local, muitas vezes confuso, tenta encontrar motivos internos, mas a explicação está fora daqui: o capital internacional está entrando em ETFs de emergentes, e o Brasil é um dos beneficiados. O fluxo se impõe sobre o fundamento.
Essa nova dinâmica exige que o investidor entenda que o preço pode não refletir, no curto prazo, a realidade das empresas. Mercados guiados por fluxos podem subir por mais tempo do que parece razoável, mas também podem cair rapidamente quando esses mesmos fluxos se invertem.
Em um mundo dominado por estratégias passivas, compreender para onde o dinheiro global está indo é tão importante quanto analisar balanços. O fundamento ainda importa, mas o fluxo, hoje, muitas vezes fala mais alto.
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