Nos últimos anos, os fundos imobiliários (FIIs) se consolidaram como uma das classes de ativos mais populares entre os investidores brasileiros. Com mais de 2,5 milhões de cotistas na B3, o apelo é claro: renda mensal, isenção de imposto e a sensação de “salário extra” caindo na conta. Mas há um ponto incômodo nessa história: a maior parte dos FIIs não consegue entregar crescimento real de dividendos acima da inflação.
Por quê? Para entender, precisamos olhar para a composição do mercado. Mais de 40% do IFIX, principal índice de fundos imobiliários, é formado por fundos de papel, que investem em CRIs (Certificados de Recebíveis Imobiliários). Esses títulos costumam pagar IPCA + juros ou CDI + spread. Na prática, isso garante a reposição da inflação, mas não significa geração de valor adicional. O investidor recebe a correção inflacionária, mas fica dependente das taxas de juros e do risco de crédito para buscar retorno extra.
Já os fundos de tijolo — que compram imóveis físicos como shoppings, galpões logísticos e lajes corporativas — contam com uma dinâmica diferente. A receita vem dos aluguéis, que teoricamente deveriam acompanhar a inflação. Só que, na prática, há renegociações, vacância e até revisões de contratos que fazem os dividendos oscilar. Em 2020, por exemplo, durante a pandemia, shoppings praticamente zeraram os pagamentos. Depois, houve recuperação, mas a volatilidade deixou marcas.
O problema é que, em termos de planejamento financeiro de longo prazo, depender de dividendos que não crescem de forma consistente pode corroer o poder de compra. Um investidor que planeja viver de renda precisa que seus proventos cresçam pelo menos na mesma velocidade da inflação. Caso contrário, o que hoje cobre o supermercado, daqui a dez anos pode não pagar nem metade da lista.
Isso coloca a seleção de fundos no centro da estratégia. Não basta olhar apenas para o dividend yield atual, que muitas vezes seduz investidores iniciantes. É preciso analisar contratos, qualidade dos imóveis, gestão ativa e setores com potencial de repassar preços acima da inflação. Shoppings bem localizados, galpões logísticos em regiões estratégicas e lajes corporativas de alto padrão tendem a oferecer maior poder de barganha para manter a valorização dos aluguéis.
Outro fator a observar é a diversificação. Um portfólio equilibrado entre fundos de papel e fundos de tijolo pode suavizar a volatilidade dos proventos. Enquanto os CRIs garantem um “piso” corrigido pela inflação, os imóveis trazem o potencial de valorização no longo prazo — ainda que com mais riscos no caminho.
Para o investidor, o recado é claro: FIIs são uma ferramenta poderosa de geração de renda recorrente, mas não uma solução automática contra a inflação. Mais do que perseguir o dividendo do mês, é essencial buscar fundos capazes de entregar crescimento sustentável, preservando — e se possível aumentando — o poder de compra ao longo dos anos.
Em outras palavras: os dividendos de FIIs podem ser atrativos hoje, mas só aqueles que crescerem com a inflação merecem espaço no planejamento de quem pensa em renda passiva de verdade.
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