Vivemos tempos acelerados, onde o sabor do instante parece valer mais que a doçura de qualquer espera. Entre tendências que se espalham ao sabor do algoritmo e emoções que se medem em curtidas, cresce o fenômeno que poderíamos chamar de "febre do morango do amor". Metáfora sugestiva, ela colore e adoça a ânsia coletiva por conquistas rápidas, prazeres imediatos e, sobretudo, por uma validação que nunca cessa.
O morango do amor, aquele doce que reluz em feiras e festas, é vermelho intenso, brilhante e convida ao desejo. O que poucos percebem é que o apelo do morango do amor não está apenas no sabor, mas na promessa de prazer rápido. O açúcar derretido envolvendo a fruta, pronto para ser consumido com uma só mordida.
É um deleite que não exige espera, preparação ou compromisso. A experiência é efêmera, mas intensa, logo se desmancha, restando o resquício pegajoso do açúcar nos dedos, e talvez a vontade de mais um. Além claro, de um pico de glicemia.
Esse símbolo pode ser expandido para pensar o comportamento contemporâneo diante das relações, dos objetivos e da própria identidade: queremos tudo para ontem, com o brilho e a intensidade de uma foto bem filtrada. A espera tornou-se quase insuportável, e a paciência, uma virtude em extinção.
A febre do imediato revela-se em todos os âmbitos. Nas redes sociais, a busca desenfreada por seguidores, por notoriedade e pela aprovação coletiva se traduz no ciclo incessante de postagens, reels, stories e trends. Cada novo desafio viral é uma porta para conquistar visibilidade e, por instantes, sentir-se alguém de destaque no oceano de perfis digitais.
O paradoxo se instala, quanto mais acesso à satisfação imediata, menos tolerância ao tédio, à frustração e ao silêncio interior. As conquistas tornam-se colecionáveis, e cada sucesso instantâneo alimenta a exigência por novas doses de aprovação.
A validação, nesta epidemia, é o combustível invisível. Vivemos em busca de reconhecimento, de aplausos, de curtidas e de corações vermelhos que confirmem, publicamente o nosso valor. O perigo reside na dependência de um olhar externo que nunca se completa. Não importa o número de conquistas, a validação precisa ser renovada incessantemente. O ciclo se perpetua, como uma fome difícil de saciar. O prazer de cada conquista é fugaz, e logo se dissolve, exigindo nova dose de aprovação.
Esse fenômeno produz sintomas visíveis. Ansiedade elevada, sensação de insuficiência constante e uma dificuldade cada vez maior de lidar com a solitude. O tempo vazio, que já foi terreno fértil para a criatividade, agora é visto como inimigo a ser vencido a qualquer custo.
A febre do morango do amor, neste contexto, é também a febre do efêmero. O sentido das conquistas e da própria identidade se esvazia na velocidade com que se consome e se descarta o prazer. O que importa não é mais o sabor do fruto, mas a imagem reluzente que ele projeta.
Encarar essa epidemia exige, antes de tudo, reconhecer seus sintomas em si e no entorno. É preciso reaprender a valorizar o processo, o silêncio, o tempo que constrói significado. Recuperar o prazer da espera, da conquista gradual, do amadurecimento das relações e dos projetos.
A febre do morango do amor é sintoma de uma sociedade que perdeu o compasso com o tempo. Em meio ao espetáculo da validação permanente e das conquistas imediatas, esquecemos que o verdadeiro prazer está em saborear com calma e construir com paciência.
Talvez seja hora de reaprender a encontrar beleza na espera. Respeitar o processo, e aprender com ele. Só assim poderemos experimentar de fato o doce, e duradouro, sabor das conquistas e da própria existência.
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