
Não é fácil ser papa. O pontífice romano, apesar de ser um dos homens mais poderosos do mundo, deve saber que o bom senso é o limite do seu pontificado. Ele não pode colocar em risco a unidade da Igreja Católica forjada em mais de dois mil anos de história.
E ainda mais difícil é ser sucessor de Francisco, um papa de gestos e palavras eloquentes, principalmente em favor dos mais desfavorecidos da sociedade, o que naturalmente deveria ser um atributo digno de aplausos em se tratando de um líder cristão de mais de 1 bilhão de almas.
Mas não foi assim, infelizmente. Não obstante suas inúmeras qualidades, o papa que acaba de nos deixar provocou - ainda que involuntariamente - divisões e fissuras na Igreja Católica mundo afora. O fantasma da ruptura ronda as majestosas colunas fincadas por São Pedro, o primeiro papa.
Quero ressaltar esse aspecto: Francisco foi contestado, afrontado e até desrespeitado, por vastos segmentos católicos, por suas virtudes. O pontífice argentino foi “vítima” do seu tempo: como na política, a religião também sofre com a ação de grupos sectários, fundamentalistas e arrogantes.
E na Igreja de Pedro o que não falta é sectarismo, agressividade e até um certo primitivismo em relação ao papel mais contemporâneo da religião e de um líder religioso como o papa.
Esse embate que corrói a unidade da Igreja e cria rachaduras nas dioceses mundo afora, talvez seja o maior desafio do próximo pontífice, seja ele quem for - de linha progressista, moderada ou conservadora.

O sucessor de Francisco vai ter que ter a sabedoria de transitar entre todas as vertentes da Igreja, dialogando, abrindo portas e acolhendo os diversos grupos que hoje se digladiam e que muitas vezes se parecem mais como militantes extremistas do que com fiéis de uma religião.
Talvez não seja o momento, por exemplo, de se escolher um papa mais “ideologizado”, seja à direita ou à esquerda. Afinal, o líder católico terá que se equilibrar em posições às vezes antagônicas, em nome da unidade tão duramente conquistada em mais de 20 séculos.
É importante, claro, que o líder romano saiba se articular para manter pelo menos as conquistas atuais, mesmo que à custa de muita conversa e paciência. Não dá para retroceder, mas, tendo em vista ser uma instituição tão antiga e poderosa, as mudanças não podem ser impostas sem convencimento, sem um mínimo de consenso e flexibilidade.
Na Igreja, as transformações são lentas, mas podem e devem ser graduais. Não se trata de um partido político ou de um sindicato. Estamos falando de uma religião e de um Estado (o Vaticano) que tem na tradição um dos seus alicerces.

A unidade, neste momento, é um bem tão precioso que talvez não seja a ocasião de o futuro pontífice propor, por exemplo, avanços que podem até ser considerados normais para a sociedade moderna, mas que não são tão simples de serem aceitos em uma instituição tão tradicional.
Pautas como o fim de celibato clerical, a ordenação de mulheres, a abertura maior para casais homoafetivos são legítimas e certamente serão implementadas algum dia, mas têm que ser discutidas com muito cuidado pelo sucessor de Francisco.
Ao líder católico cabe a tarefa de conciliar, ser tolerante e ter sabedoria para bem governar. É fundamental (repito, fundamental) que o papa sente-se à mesa para comer com os pobres e excluídos, mas ele não deve recusar também um convite para brindar em torno de um bom vinho californiano (sem tarifas) com Donald Trump na Casa Branca.
Dividir para governar é coisa de imperador romano. Ao pontífice romano cabe construir pontes - para o povo de Cristo atravessar os perigos com segurança e sem divisões.
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