Na edição de hoje, vamos conhecer um pouco do universo criativo do designer Maurício Noronha, meu professor nos cursos Design de Móveis do Centro Europeu de Design e, atualmente, no curso de International Industrial Design. Maurício, inclusive, é sócio e cofundador da Furf Design Studio, com sedes em Curitiba e Milão, junto de Rodrigo Brenner, nosso entrevistado na última edição.
Formados pelo Politécnico di Torino (Itália) e PUCPR, o duo tem conquistado reconhecimento global por criar produtos de excelência, que combinam inteligência, humor, sustentabilidade e responsabilidade social. Os profissionais também estão presentes na lista Forbes Under 30 e são palestrantes do TEDx
Atualmente, Mauricio reside em Curitiba-PR e compatilhou com a gente um pouco da trajetória e da relação com a arte e o design.
PERGUNTAS
ISABELA CASTELLO: Você poderia falar um pouco da sua infância e do seu contato com as artes, com a estética? Já havia alguma inclinação para a área artística/design? Havia algum vislumbre de que a carreira artística/design seria um caminho?
MAURÍCIO NORONHA: Meu pai era aviador (o “comandante Noronha”) e minha mãe, aeromoça. Foi assim, numa história que parece clichê de cinema, que se conheceram e uns anos depois eu surgi, de passagem por Valinhos, em São Paulo, nessa família, um tanto nômade.
Depois de uns anos em Vinhedo, mudamos para Amsterdã por uns meses e em seguida para Foster City, no Vale do Silício, onde fui alfabetizado e morei até os dez anos. De lá, seguimos para Floripa e aos 17 fui morar sozinho em Curitiba, depois Itália e por fim, de volta em Curitiba onde estou hoje, respondendo essa entrevista em um típico dia chuvoso da cidade.
Apesar de piloto, meu pai se dizia músico antes de tudo - começou a aprender piano e violão aos cinco anos e seguiu estudando até seus últimos anos. Era um poeta. Escrevia cartas e compunha músicas para minha mãe e meus irmãos que me emocionam até hoje. Viver com ele em casa era viver com música.
Já minha mãe, que parou de voar com nossa chegada, se revelou maravilhosa fotógrafa e pintora. Desde nossos primeiros anos, sempre nos incentivaram a explorar tudo que há no mundo e experimentar todo tipo de arte, seja em cursos práticos ou em visitas a museus em viagens. Era um lar que equilibrava grande sensibilidade emocional de um lado e harmonia estética do outro. Tive muita sorte de crescer nesse contexto e absorver um pouco dessas fontes que tanto amo.
IC: Conte um pouco sobre sua formação e início da carreira.
MN: Crescendo nesse meio e mergulhado em peças de Lego, vivia desenhando, montando e explorando ferramentas e tecnologias pra conseguir criar o que me agradava. Passava o dia todo fazendo isso sem ver a hora passar - ficava eufórico quando aquilo que vislumbrava dava certo. Na infância pensava em ser cartunista e criar desenhos animados, depois, designer de carros. Comecei a estudar alemão ao 12 anos porque sonhava em desenhar para a BMW.
Descobri que existia o curso de Desenho Industrial/Design de Produto e, na época, a PUC-PR era a melhor opção para mim. Me mudei para uma cidade que não conhecia nada, nem ninguém, mas sentia que ali era o lugar certo. E era mesmo. Amava o curso, sentia reviver a infância mas em outra intensidade.
Muito além do design de carros, era possível criar de tudo. Em pouco tempo, por indicação de um professor, eu e o Rodrigo nos aproximamos em sala de aula para fazer um trabalho de faculdade juntos. A partir dali, sem saber, já viramos sócios. E amigões. No segundo ano da universidade fundamos a Furf e assim começou. Mais um ano de estudos em Turim, Itália, já deu um gostinho do que poderia ser esse mundo do design. Era possível criar de tudo e com poesia.
Sempre tivemos o lema de arriscar. Arriscávamos em sala de aula, e resolvemos começar a arriscar entrar no mercado. Entre muitos "nãos", cada “sim" que surgira nos abastecia para avançar mais. Começamos a criar e vender nossos próprios produtos (passávamos mais tempo vendendo do que criando), buscar divulgação, premiações, visibilidade.
Depois de algumas pequenas conquistas, surge nosso primeiro cliente para quem desenhamos com design assinado Furf. Mais uma conquista e o melhor: cuidar apenas da parte da criação. Dali por diante, a Furf abraça o modelo que tem até hoje: criar projetos assinados para os mais variados setores e propósitos. Um passo de cada vez. Era possível criar de tudo, e com poesia, para muitas áreas. Já pensou se, além disso, ainda desse para fazer o bem? Que sonho.
IC: Qual o artista ou designer que mais admira e que tenha sido uma influência na sua carreira ou na escolha por essa carreira?
MN: A natureza cria tantas coisas lindas. É tamanha inteligência, uma fonte inesgotável de inspiração. Parte dela, somos nós, pessoas com vivências tão distintas e mais especificamente, um coração que bate. Bate em diferentes ritmos, mas acredito que a maior vontade é fazer bater leve e sorrir.
Fazer a mente refletir também dá um tempero especial. Vinicius de Moraes faz isso bem, Chris Martin também. Esse segundo ainda põe mais uma camada que ressoa muito forte que é buscar fazer o bem em larga escala. É admirável ver como Rodrigo Brenner, Yves Behar, Sebastian Errazuriz, Fabio Novembre, Philippe Starck, Oki Sato materializam tanto significado de forma simples, poderosa e leve
IC: Você poderia citar um momento ou trabalho marcante da sua trajetória? Algo de que você tem boas memórias ou de que mais se orgulha de ter feito.
MN: Viver a Furf é, sinceramente, uma maluquice maravilhosa. Num mesmo dia falamos de poesia com um antropólogo, sobre biorremediação por macroalgas com um cientista, medimos pernas de pessoas com um médico e imaginamos o futuro com um CEO de uma grande organização.
O maravilhoso disso é que tudo se conecta e se mistura. Sempre tivemos sonhos (objetivos, na realidade) um tanto ambiciosos e uma visão de que tudo pode ser possível, com muita paciência e consistência. Cada conquista que surgia criava uma lista de “melhores dias da vida Furfiana”.
A banqueta Anjinho, nosso primeiro produto convidado a ser exposto na Milan Design Week, nos revelou que o mundo é feito de pessoas e que design pode ser uma forma de materializar poesia. A Confete, capa de prótese de pernas, abriu nosso mundo, com todo impacto que pode ser gerado com um simples produto e o bem que isso pode fazer às pessoas em grande escala. Criar pontes com especialistas das mais variadas áreas é algo que nos anima muito.
A Caravela, escultura flutuante que limpa as águas das cidades, não seria possível sem a genialidade dos cientistas por trás, bem como a urna Navegar que tem seu formato nostálgico de um barquinho de papel e, por ser feito de micélio, se dissolve na água para tudo voltar a fazer parte da natureza como sempre foi.
Sempre estamos olhando para o próximo projeto e o que de fascinante poderemos explorar, aprender, experimentar e, quem sabe, trazer algo digno de existência para o mundo. Brilhavam meus olhos ouvindo as histórias das viagens dos meus pais pelo mundo, e hoje sinto que a Furf me desperta o mesmo: a cada dia, descobrimos novos mundos, culturas e conhecimentos.
IC: Fale um pouco sobre seu processo criativo.
MN: No começo, tudo parece muito intuitivo. Com o passar dos anos, o processo passou a ser cada vez mais nítido, metodológico e estruturado. Batizamos de "método Furf”, uma forma que nos permite brincar que “somos especialistas em não ser especialistas”. Na essência, o processo criativo é o mesmo, seja para criar uma cadeira, uma jóia, um prato de comida, interior de hotel ou uma música.
Olhar para dentro é fundamental. Olhar para os outros também: entender o que se passa na cabeça e principalmente no coração das pessoas. Olhar para o passado, presente e futuro.
“O que de fato estamos trazendo para essa pessoa?” Desenhar é só a última etapa de um profundo processo de pesquisa, fundamentação, investigação e composição simbólica e semiótica para materializar um conceito que ressoe com as pessoas. Assim como um poeta escolhe cada palavra que escreve na sua estrofe, cada elemento de um produto tem um motivo de estar ali.
IC: Qual é seu trabalho atual ou mais recente?
MN: Não sei há quantas vidas estou na Furf com o Rodrigo, nem por quantas mais, mas assim é e será - uma forma de viver. O projeto mais recente, bem, depende da data de divulgação dessa matéria. Estou louco para dar spoilers, porque é um projeto que nos da muito orgulho de ser brasileiro.
IC: O que é design para você?
MN: Design é significado. Uma ferramenta para humanização. Uma ponte entre a utopia e realidade.
IC: Além do seu trabalho, como é seu contato com a arte atualmente e durante a sua vida, nas mais diferentes vertentes?
MN: Busco preencher meu entorno com significado. O objeto, a pintura, a fotografia, a música, a escultura, o prato, praticamente não importam. Mas o que trazem consigo, todo significado que carregam e despertam dentro de mim e dos outros, pode transformar qualquer coisa em arte.
A vida fica maravilhosa quando podemos viver em busca de referências e sensações mundo afora, seja em galerias, na arquitetura, na história, nos sonhos, ou até no mais singelo momento efêmero que se pode testemunhar olhando a cidade correr enquanto toma um café em uma mesa na calçada. Às vezes, o sutil pode ser gigantesco.
IC: Qual é o papel e a relevância da arte para a sociedade?
MN: Acredito que a música é uma fotografia do sentimento. Assim também a arte e o design: reflexos do tempo, da cultura e de um propósito maior. A arte, em todas as suas formas, nos convida a olhar para os diferentes mundos que coexistem, e possivelmente despertar um olhar mais sensível, mais humano, mais coletivo, mais otimista.
O mais bonito é que, em cada convite que a arte nos faz, existe a chance de transformação: de ver beleza onde antes passava despercebido, poesia no que antes era mudo, significado nessa travessia que chamamos de vida.
LEIAEM ISABELA CASTELLO
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