Isabela Castello, administradora e designer é apaixonada pelo universo criativo e pela natureza. Escreve sobre criatividade e a economia criativa com ênfase nos conteúdos sobre arte e design autoral.

O que arde também pede água: o Pantanal entre a vida e a devastação

De todos os biomas brasileiros, foi o que mais queimou nos últimos 36 anos: 57% do território sofreu pelo menos um incêndio nesse período. A exposição mostra, de forma pungente e tocante, o contraste entre vida e destruição

Publicado em 22/08/2025 às 14h16
Àgua Pantanal Fogo
A exposição "Água, Pantanal, Fogo" integra a “Ocupação Esquenta COP” buscando sensibilizar o público para a urgência das mudanças climáticas. Crédito: Divulgação

Dando continuidade à série de exposições do Museu do Amanhã, a coluna de hoje é sobre a exposição "Água, Pantanal, Fogo". Parte da “Ocupação Esquenta COP”, a mostra busca sensibilizar o público para a urgência das mudanças climáticas. Mais que um conjunto de belas imagens, "Água, Pantanal, Fogo" é um manifesto contra as perdas severas que o clima e a ação humana vêm impondo ao Pantanal, em uma longa e contínua história de agressões.

Com sensibilidade, o curador Eder Chiodetto reuniu dois dos maiores fotógrafos brasileiros em atividade — Lalo de Almeida e Luciano Candisani — para criar um diálogo visual entre a plenitude da natureza e a destruição imposta pelo fogo e pelo homem. O Pantanal é a maior planície inundável do planeta, um ecossistema único, que abriga a maior concentração de fauna das Américas — e uma das maiores do mundo. É refúgio de espécies ameaçadas como a onça-pintada, a arara-azul, o tamanduá-bandeira, o cervo-do-pantanal e inúmeras aves aquáticas.

De todos os biomas brasileiros, foi o que mais queimou nos últimos 36 anos: 57% do território sofreu pelo menos um incêndio nesse período. A exposição mostra, de forma pungente e tocante, o contraste entre vida e destruição. Para Fabio Scarano, curador do Museu do Amanhã, “a estupidez de uma certa fração da espécie humana, incentivada por monstros disfarçados de políticos, provocou a maior queimada criminosa da história do bioma".

Àgua Pantanal Fogo
Lalo de Almeida e Luciano Candisani são dois dos mais proeminentes e premiados fotodocumentaristas do país. Crédito: Divulgação

"Na exposição 'Água, Pantanal, Fogo', Lalo de Almeida documenta o fogo do ódio, enquanto Luciano Candisani retrata a enchente de amor. O contraste entre a exuberância da vida e a violência do crime que leva à morte, entre a água e o fogo, entre o bem e o mal, entre o amor e o ódio, entre o encanto e o medo, nos leva à nossa raiz mais íntima. O resultado é 'maravilhamento' com a beleza da natureza e indignação com a estupidez, o crime e a impunidade”, complementa.

Lalo de Almeida e Luciano Candisani são dois dos mais proeminentes e premiados fotodocumentaristas do país. Lalo registrou o Pantanal durante os incêndios de 2020 e 2024, que devastaram cerca de 26% da região e mataram aproximadamente 17 milhões de vertebrados — trabalho que lhe rendeu o prestigiado prêmio World Press Photo. Luciano, por sua vez, documenta ecossistemas ao redor do mundo de forma sistemática. Na última década, mergulhou — literalmente — no Pantanal, produzindo imagens de rara excelência técnica.

Seu acervo tornou-se referência para pesquisas e para alertar o mundo sobre a urgência no combate aos crimes ambientais. Por esse trabalho, recebeu, em 2012, o prêmio Wildlife Photographer of the Year. Para Eder Chiodetto, a fotografia documental fala muito diretamente e sem filtro, com o grande público.

Àgua Pantanal Fogo
Exposição revela a beleza da natureza e o horror provocado pelo homem. Crédito: Divulgação

Ela vai direto ao coração das pessoas. Segundo o curador, “esta é uma exposição-manifesto em prol da preservação do Pantanal, que está sofrendo tanto com os incêndios criminosos, com o desvio dos cursos dos rios, com a mineração ilegal, com o agronegócio não sustentável. Minha intenção foi mostrar o contraste por meio do trabalho dos dois fotógrafos. De um lado, a magia da criação do planeta e como o mundo se organiza de uma forma poética e com uma potência de beleza enorme, sem a presença do homem. E quando entra o homem nessa equação, como tudo isso se desequilibra.”

Ele acrescenta: “A exposição causa muito incômodo. Ela tira a gente do lugar de conforto, propositalmente. Ela vai levando a gente para o céu e para o inferno o tempo todo”. É justamente nesse movimento entre o “céu” e o “inferno” que a mostra provoca um duplo efeito: fascinar e indignar. Revela a beleza da natureza e o horror provocado pelo homem. Entre imagens que revelam um paraíso e outras que escancaram terra e animais carbonizados, o visitante é confrontado com a urgência de rever a própria relação com a natureza. Não é apenas sobre o Pantanal — é sobre o planeta inteiro.

ÁGUA PANTANAL FOGO

Àgua Pantanal Fogo
Àgua Pantanal Fogo. Divulgação
Àgua Pantanal Fogo
Àgua Pantanal Fogo. Divulgação
Àgua Pantanal Fogo
Àgua Pantanal Fogo. Divulgação
Àgua Pantanal Fogo
Àgua Pantanal Fogo. Divulgação
Àgua Pantanal Fogo
Àgua Pantanal Fogo. Divulgação
Àgua Pantanal Fogo
Àgua Pantanal Fogo. Divulgação
Àgua Pantanal Fogo
Àgua Pantanal Fogo. Divulgação
Àgua Pantanal Fogo
Àgua Pantanal Fogo
Àgua Pantanal Fogo
Àgua Pantanal Fogo
Àgua Pantanal Fogo
Àgua Pantanal Fogo
Àgua Pantanal Fogo

Cristiano Vasconcelos, diretor executivo do Museu do Amanhã, resume essa dimensão transformadora ao afirmar que “a degradação do nosso planeta se dá muito pelo distanciamento dos humanos da natureza. A arte tem um poder imagético, subjetivo, mas ela tem um poder concreto de denunciar e de esperançar”.

Eder Chiodetto afirma que seu desejo, como curador da mostra, é, ainda que de modo romântico e esperançoso, ajudar a criar consciências. “No limite, é fazer com que cada expectador saia daqui como um soldado defendendo os nossos biomas”. E é exatamente isso que a exposição invoca nos seus visitantes.

Sair de "Água, Pantanal, Fogo" é como emergir de um mergulho intenso: é encarar, sem filtros, o rastro da nossa própria espécie. O fogo não é somente um fenômeno natural. É ateado por mãos humanas que lucram com a devastação, alimentado por políticas permissivas e pela indiferença coletiva.

Não há como atravessar essas imagens e continuar indiferente. Olhar para essas imagens é reconhecer que não se trata de um crime contra um pedaço de território, mas contra o planeta inteiro. Preservá-lo é preservar a nós mesmos. Permanecer inerte é ser cúmplice. E essa é uma decisão que não é mais possível adiar.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

A Gazeta integra o

Saiba mais
Pantanal água Sustentabilidade

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.