Isabela Castello, administradora e designer é apaixonada pelo universo criativo e pela natureza. Escreve sobre criatividade e a economia criativa com ênfase nos conteúdos sobre arte e design autoral.

Tromba d'Água: poéticas sobre a força e a fúria das águas

Exposição convida o público a mergulhar no tema sobre as águas, explorando sua potência simbólica, espiritual e política

Publicado em 01/09/2025 às 10h38
Atualizado em 01/09/2025 às 10h38
Tromba D’Água
Marcela Cantuária e sua obra " Sonho Sulamericano" que integram a mostra "Tromba d'Água". Crédito: Divulgação

Sem água, não há vida possível. Ela é fundamental para manter o delicado equilíbrio do planeta. Presente em cada célula, em cada respiração, em cada ciclo natural, a água é o fio invisível que sustenta a diversidade da Terra e garante o futuro das gerações. Mais que recurso, é fundamento da existência: sem ela, não haveria florestas, oceanos, animais, humanidade.

A exposição "Tromba d’Água", em cartaz no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro, convida o público a mergulhar nesse tema, explorando a potência simbólica, espiritual e política das águas. Parte da Ocupação Esquenta COP — iniciativa que propõe novas formas de ver, sentir e agir diante da crise climática — a mostra reafirma a urgência de repensarmos nossa relação com este bem comum, vital e ameaçado.

Com curadoria de Ana Carla Soler, Carolina Rodrigues e Francela Carrera, a exposição reúne catorze artistas latino-americanas que, em poéticas singulares, traduzem a complexidade da água: fonte de vida, mas também vetor de destruição. Suas obras — assinadas por Alice Yura, Azizi Cypriano, Guilhermina Augusti, Jeane Terra, Luna Bastos, Marcela Cantuária, Mariana Rocha, Marilyn Boror Bor, Natalia Forcada, Rafaela Kennedy, Roberta Holiday, Rosana Paulino, Suzana Queiroga e Thais Iroko — exploram espiritualidade, ancestralidade e a relação intrínseca entre feminino e natureza, em sua capacidade de nutrir, transformar e resistir.

O conceito curatorial parte da própria imagem da tromba d’água. “O fenômeno da tromba d’água, nos oceanos, conecta o mar e o céu por um vórtice colunar, uma espécie de tornado que liga as nuvens à superfície da água. Forma-se um elo, um pacto, uma ponte entre a vida marítima e os poderes celestes. Também conhecida como ‘cabeça d’água’, o fenômeno tromba d’água nas águas doces acontece pelo excesso de chuvas no entorno de uma nascente, que intensifica o fluxo e arrasta tudo que encontra pela frente. Sua intensidade tem a capacidade de romper e modificar as margens.”

Esse movimento é metáfora das próprias contradições das águas: fonte de cura e de fertilidade, mas também de destruição.

Tromba D’Água
"O Martírio", de Alice Yura, também faz parte da exposição. Crédito: Divulgação

Como lembra Fábio Scarano, curador do Museu do Amanhã: “a mesma água que mata a sede, que refresca o corpo, que abençoa, que lava, que irriga alimentos e que encanta os olhos, também tem seus dias de mau humor. Trombas d’água, temporais, enchentes, alagamentos, tsunamis, maremotos — e outros que a ciência moderna chama de ‘eventos extremos’ — têm sido cada vez mais frequentes no Brasil e no mundo. Talvez Iemanjá, Iara, Netuno, Nossa Senhora dos Navegantes, Oxum, as Sereias, Poseidon, a Mãe d’Água, ao agitarem as águas, queiram nada mais que nos chamar a atenção para a necessidade de amarmos uns aos outros, ao mundo, a nós mesmos e às águas. Para o nosso próprio bem, precisamos ouvir esse chamado".

A América Latina, segunda região mais vulnerável do planeta às mudanças climáticas, sente com intensidade os efeitos da exploração predatória: tempestades, enchentes e inundações que atingem sobretudo as populações mais vulneráveis. Nesse contexto, "Tromba d’Água" faz emergir, pela arte, narrativas que unem memória, espiritualidade, denúncia e esperança.

Tromba D’Água
"Caminhos Abertos", obra de Rafaela Kennedy . Crédito: Divulgação

Além de provocar reflexões sobre justiça climática, a mostra também questiona a desigualdade de gênero e de representatividade no campo das artes. Organizada pelo Instituto Artistas Latinas, a exposição reivindica espaço para a produção feminina na arte contemporânea, ainda dominada por uma lógica majoritariamente masculina, branca e eurocêntrica, herdeira da colonização e da exclusão das vozes locais.

Ao dar visibilidade às artistas latinas e suas múltiplas visões, a exposição não apenas exalta a força das águas, mas também a força do feminino. Ecoa um chamado inadiável: incluir outros olhares, vozes, saberes e percepções no enfrentamento deste que é um dos maiores desafios da humanidade: o combate à crise climática.

Nesse mergulho, somos convidados a abandonar certezas fixas e nos abrir para outros modos de existir, mais atentos, respeitosos e solidários. Porque o futuro da humanidade depende da forma como cuidamos das águas, da natureza e de nós mesmos.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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