
Fui convidada pela organização a visitar a 38ª edição da Casacor em São Paulo, principal mostra de arquitetura, paisagismo e design de interiores das Américas. A mostra ocupa pela primeira vez o Parque da Água Branca, um espaço verde urbano de grande importância histórica e cultural, conhecido por seus 137 mil metros quadrados de remanescentes preservados da Mata Atlântica. Inaugurado em 1929 e protegido pelo patrimônio histórico e ambiental, com tombamento municipal, é um refúgio natural essencial dentro da cidade, oferecendo uma rara combinação de natureza e história.
O evento convida o visitante a mergulhar em mais de 71 ambientes assinados por renomados profissionais, além de três instalações artísticas, ocupando uma área construída de mais de 10 mil m² no coração de um parque urbano com vegetação de Mata Atlântica preservada.
O tema da Casacor 2025, definido pela equipe curatorial, após uma análise aprofundada de cenários e tendências, chamou a minha atenção. O Manifesto Casacor, exposto na entrada da mostra fala sobre o momento que vivemos enquanto humanidade, a nossa luta pela sobrevivência como espécie em um planeta em transição climática. Segundo o documento, este é o maior desafio já colocado diante de nós.
Destaca a importância da confluência de diferentes saberes para despertar uma nova inteligência coletiva, instigar nossa imaginação e estimular nossa capacidade de sonharmos juntos um amanhã mais sustentável. Sonhos que nos reconciliem com a natureza, que priorizem a harmonia entre humanos e a convivência entre espécies.
Destaco, ainda nesta edição da coluna, a integração entre arquitetura e natureza, a presença de muitas obras de arte, de design assinado e de arte popular e a presença de capixabas na mostra
Diálogo entre arquitetura e natureza

A mostra propõe um novo olhar para o diálogo entre arquitetura e natureza. Com árvores centenárias, caminhos de terra e uma atmosfera bucólica no coração da cidade, o parque se tornou parte essencial da cenografia dos ambientes da mostra. Os projetos não ignoram a paisagem ao redor — eles a valorizam, criando composições que convidam o verde para dentro dos espaços.
Muitos ambientes foram pensados com aberturas generosas, varandas bem conectadas e materiais que reforçam o contato visual com o entorno. A ideia é simples: deixar a paisagem ser protagonista, sem a necessidade de intervenções drásticas. Afinal, a natureza já oferece texturas, formas e cores perfeitas.
Em um dos primeiros ambientes da mostra, deparamo-nos com a instalação "Ninho”, que simboliza a conexão entre o humano e a natureza. o Atelier Marko Brajovic apresenta o Ninho, um protótipo de equipamento urbano com função de lounge, inspirado nas incríveis construções feitas por sabiás, bem-te-vis, pardais, maritacas, beija-flores, sanhaços e tantos outros. “Os pássaros são grandes arquitetos que sempre estiveram entre nós nas cidades. Nosso espaço os reconhece por seus projetos lindíssimos, futuristas, inteligentes e sensíveis”, diz o arquiteto Marko Brajovic.
Presença de arte, design e arte popular
Outro aspecto da mostra que me chamou atenção foi a presença de obras de arte, design autoral e arte popular. As obras de arte e os móveis assinados como protagonistas dos ambientes, valorizando os artistas, o design autoral e a arte popular brasileira. Difícil destacar poucos ambientes, porque a mostra está lindíssima!
Entre-Copas - Armentano Arquitetura

João Armentano sempre surpreende nos seus projetos! A Deca apresenta o ambiente “Entre-Copas” assinado pelo escritório Armentano Arquitetura, que celebra a conexão entre design e natureza.
Com 233m² de área interna e 19m² de varanda, o ambiente explora a relação entre arquitetura e natureza por meio de um projeto que privilegia a luz natural, a fluidez dos espaços e uma experiência única, privilegiando o convívio e a conexão das pessoas e dessas com seu entorno. Nove grandes janelas nesse espaço permitem a visão das copas das árvores, trazendo uma bela integração do espaço com a vegetação do entorno.
O ambiente traz uma parede gigantesca cheia de obras de arte. Destaque também para uma mesa com inúmeras estátuas da Liberdade. Não sei qual a intenção do arquiteto, mas a leitura que fiz foi como um chamado para a importância da liberdade, um valor tão importante da democracia americana, que está sendo ameaçado pelo atual presidente.
Casa Coral, Cores do Parque - Maurício Arruda

Outro ambiente que me encantou foi do Maurício Arruda. Seus ambientes sempre revelam sua visão de mundo e suas crenças. Segundo o arquiteto, a “Casa Coral - Cores do Parque é sobre o Brasil que acredito: múltiplo, afetuoso, inventivo. Um país real, maximalista, criativo e apaixonado pela vida. Um Brasil que se reinventa com o que tem de mais precioso: sua natureza, sua cultura, suas mãos. E é por isso que nenhuma história nossa deve ser contada em preto e branco.”
A frase do arquiteto traduz o conceito do seu ambiente. É uma tradução poética da brasilidade, onde a paleta de cores nasce da própria flora que circunda o casarão centenário. Com curadoria da Coral e consultoria da designer Maibe Maroccolo, especialista em pigmentos naturais, foram mapeadas 20 espécies tintoriais no Parque, que deram origem a uma paleta de 60 cores, das quais 10 preenchem as paredes dessa casa-manifesto.
O rodapé, tingido no tom terroso Fogão de Lenha, costura todos os ambientes. A sala de jantar recebe a cor Tâmara; o living, a Areia de Canoa; a cozinha, a Jangadeiro e a Bege Amuleto; o quarto, a Vista da Cidade e o banho, a Linhaça. Nos pórticos, um balé cromático entre Púrpura Marroquina, Fogão de Lenha e Ocre Profundo.
Na sala de jantar, a escolha foi uma paleta mais dramática. O piso de taco original, presente em toda a casa, foi cuidadosamente restaurado, preservando sua história. A obra de arte de Manuela Navas reflete as cores do ambiente e compõe a cena junto ao casal de vasos Homem e Mulher, da artesã paraibana Maria José. Já no Foyer, a combinação é entre o espelho Cuiabá, de Sergio Rodrigues, e a obra de Rafael Pereira, representado pela Galeria Estação
Casa de Novela - Gabriel Fernandes

Belíssimo o ambiente do arquiteto Gabriel Fernandes, que assina o espaço de 90m trazendo um olhar sensível, feminino e poético sobre o morar contemporâneo – uma verdadeira homenagem ao estilo de vida carioca e à estética das novelas que marcaram gerações.
Com elementos que evocam o bairro do Leblon, no Rio de Janeiro, e suas histórias imortalizadas nas tramas de Manoel Carlos, a Casa de Novela convida o visitante a mergulhar em um ambiente de calma, sofisticação e memórias afetivas. Como define Gabriel, “eu queria que essa casa fosse feminina, delicada e que proporcionasse uma calma no olhar”.
O conceito parte de arquétipos consagrados na teledramaturgia brasileira, como as Helenas – mulheres fortes, humanas, complexas – e os dilemas que elas enfrentam. Tudo isso traduzido em escolhas arquitetônicas e de design que comunicam a força e a suavidade da feminilidade brasileira, com equilíbrio entre tradição e contemporaneidade.
O mobiliário reflete essa fusão entre tradição e contemporaneidade. Peças de Sérgio Rodrigues dividem a cena com criações atuais de Bruno Rangel — que assina boa parte do mobiliário — e Carlos Mota, compondo uma curadoria precisa que valoriza o design nacional.
A cama do quarto, feita pela artesã Camille Souza Dias, do povoado Ilha do Ferro, foi originalmente criada em parceria com o estilista Antonio Castro para seu desfile deste ano e agora e agora compõe a decoração como peça central do projeto, que reflete o olhar de Gabriel sobre o artesanato e a arte popular brasileira.
Presença de capixabas
Café Com Tempo - Daniela Andrade

A arquiteta Daniela Andrade, mineira, mas radicada há anos no Espírito Santo, assina o ambiente inspirado pela rica história do Parque da Água Branca e seus personagens, imortalizados nas aquarelas do artista Iury Simões. Destacam-se também a iluminação acolhedora e as cerâmicas feitas à mão, assim como o teto: uma superfície metálica ondulada, elaborada pelo artista capixaba Ivan Coelho para lembrar uma pele líquida flutuante.
Hall Raízes - Renzo Cerqueira

O arquiteto capixaba assina o hall, de 20m², que representa a passagem entre o exterior e o ambiente íntimo dos moradores, conectando o presente ao que está por vir e aos sonhos ainda por realizar.
O ambiente ganha vida com tons caramelo e azul, presentes no mobiliário, revestimentos, objetos e obras de arte. A seleção dos materiais e o design do espaço buscam refletir a fluidez do viver contemporâneo, enquanto as peças escolhidas trazem elementos naturais para o dia a dia.
Casa Vitra - Léo Shetman Arquitetura e Design

No belo ambiente assinado pelo arquiteto Leo Shehtman, estão presentes inúmeros vasos da linha Ninho, da Molle Design, empresa capixaba dos arquitetos Felipe e Ana Clara. Seu trabalho inconfundível chamou minha atenção ao entrar no ambiente.
O impulso de transformar matéria em poesia inspirou a criação deste living de 76m². No centro, destaca-se uma parede feita de tijolos de vidro — blocos reaproveitados da edição de 2022 da mostra e cuidadosamente preservados desde então — enquanto a marcenaria em tons marrons adiciona robustez, contrapondo-se à iluminação leve da tela tensionada.
A paleta de cores transita entre tons terrosos e neutros, e o tecido aplicado na parede confere uma sensação acolhedora. “Cada detalhe desperta experiências sensoriais: luz, cor, textura e forma se combinam para abraçar os sonhos do presente e inspirar os do futuro”, ressalta Léo.
No ambiente Casa Novela, de Gabriel Fernandes, está a tela do artista capixaba Fernando Augusto. A obra da série Habitar – nas palavras do galerista Josemar – retrata o cotidiano, a simplicidade de espaços que nos faz resgatar memórias afetivas, seja pelo traço e texturas da própria obra, que junto com os elementos simples e a técnica utilizada nos levam de volta a espaços que já experienciamos em algum momento de nossa infância.
Serviço - Casacor São Paulo 2025
- Onde: Parque da Água Branca, Rua Dona Ana Pimentel, 37
- Quando: a mostra foi aberta em maio e vai até 03 de agosto de 2025
- Horário de funcionamento do evento: Terça a domingo das 11h às 21h
- Bilheteria digital: https://appcasacor.com.br/events/sao-paulo-2025
- Valores ingressos: De terça a domingo e feriados - R$ 121,00 (inteira) e R$ 60,50 (meia entrada)
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