É juiz do Trabalho, doutorando em economia, mestre em Processo, especialista em Direito do Trabalho e economista. Professor de graduação e pós-graduação da FDV. Neste espaço, busca fazer uma análise moderna, crítica e atual do mercado e do Direito do Trabalho

A quem interessa a redução da jornada de trabalho?

Se a CLT como está hoje, com limite de 44 horas semanais, já não consegue garantir muito, uma jornada menor forçará os trabalhadores a buscar novas ocupações — precarizadas, sem registro, informais ou como MEI

Publicado em 13/05/2025 às 04h00

Continuando a série sobre os acontecimentos que vêm levando o mercado de trabalho brasileiro a uma completa precarização, vamos entrar em um novo tema, ainda que sob o risco de críticas fervorosas. Trata-se da proposta legislativa de reduzir a carga horária semanal de trabalho, de 44 para 36 horas.

Relembrando: primeiro falamos que a sociedade brasileira vive um consumo induzido pelo endividamento, mesmo com a renda média do brasileiro tendo atingido, em 2024, o maior valor da série histórica — ainda pífios R$ 3.214 mensais. De 2010 a 2024, a proporção de famílias endividadas saltou dos já absurdos 59,1% para 77,1% (fonte: CNC). Isso significa que o gasto de hoje será a falta de amanhã. No longo prazo, sem os devidos investimentos e caminhando na contramão do estabelecimento de uma taxa de poupança consistente (hoje em apenas 14,5%, enquanto o ideal seria em torno de 25%), o país inevitavelmente ficará mais pobre — do que já é.

No segundo artigo, abordamos os riscos que ameaçam o ordenamento jurídico diante do conflito entre o STF e a Justiça do Trabalho. Sem movimentos democráticos e acadêmicos que atualizem e reformem nossa antiga matriz regulatória trabalhista, corremos o risco de, numa canetada, a anotação dos contratos de emprego na CTPS deixar de ser compulsória e, de quebra, a Justiça do Trabalho ser completamente desidratada.

Os contratos de prestação de serviços, todos, passariam a ocorrer sem qualquer regulação, ao arrepio do Estado — o que permitiria uma queda abismal na renda do trabalho, jornadas diárias sem limites, redução na arrecadação e, para os pequenos empregadores, uma competição desproporcional com os grandes grupos “pricemakers”. Em uma visão extrema, isso geraria uma ruptura no Estado democrático, mergulhando-nos em uma distopia “ancap”, com requintes nostálgicos dos tempos de Brasil-colônia.

Entrando no tema, outro dia, a caminho do trabalho, ouvia na CBN uma congressista defendendo a PEC 8/2025, que estabelece o trabalho em quatro dias por semana, não podendo superar 36 horas semanais. Ela justificava a proposta com base em teoria econômica trivial: com o avanço tecnológico, a produtividade do trabalhador aumenta, há maior acúmulo de capital e, portanto, seria possível reduzir as horas trabalhadas mantendo a produtividade e o mesmo salário mensal.

Teoricamente, são colocações acertadas - teoricamente. De fato, o progresso tecnológico é o motor do crescimento econômico desde as modelagens clássicas das décadas de 1920 a 1950, como Solow e RCK. Atrelado ao fator trabalho, quanto maior a tecnologia empregada, maior a produtividade.

Mas será que, ao trazer essa teoria à prática, foram analisadas as premissas pragmáticas necessárias? Em outras palavras: será que o Brasil tem desenvolvimento tecnológico suficiente para permitir essa redução abrupta da jornada? Será que, com menos horas celetistas, o trabalhador — que já tem uma renda mensal baixa — vai efetivamente descansar, estudar mais, ou buscará aquele trabalho extra precarizado?

Para começar, é importante esclarecer que, quando falamos em progresso tecnológico, não nos referimos apenas à inteligência artificial e ferramentas como o ChatGPT, mas a toda uma gama de conhecimentos e procedimentos aplicados aos fatores produtivos. Mesmo com tecnologia de ponta disponível para elevar a produtividade, ela é inútil — e até prejudicial — se o trabalhador não tiver a qualificação mínima necessária. E quanto maior o progresso tecnológico, mais qualificação ele exige.

E aí a primeira resposta veio logo na matéria seguinte à entrevista da congressista. A CBN divulgou, naquele dia, o resultado estarrecedor de uma pesquisa do último 05/05, feita pelo INAF: 29% da população brasileira é analfabeta funcional (um aumento de 2% nos últimos dez anos).

Ora, se quase um terço da população mal sabe assinar o próprio nome, de que adianta tecnologia de ponta? Se a grande maioria dos trabalhadores brasileiros está em serviços de baixa qualificação, reduzir a jornada inevitavelmente trará uma redução em seus rendimentos.

Pequenas empresas não conseguirão manter salários produzindo menos. As grandes talvez consigam — por serem formadoras de preço e repassarem custos aos clientes —, mas o país é composto majoritariamente por pequenos comerciantes e prestadores de serviços. A legislação deve buscar o fortalecimento desses pequenos, não seu enfraquecimento, que só abre caminho para os grandes.

1/3 da jornada é de fato de trabalho
Precarização do trabalho. Crédito: Freepik/Montagem: Geraldo Neto

Portanto, respondendo à pergunta alhures: se a CLT como está hoje, com limite de 44 horas semanais, já não consegue garantir muito, uma jornada menor forçará os trabalhadores a buscar novas ocupações — precarizadas, sem registro, informais ou como MEI (o que ainda gerará um rombo maior na Previdência). Em pouco tempo, os próprios trabalhadores que hoje reclamam das oito horas diárias estarão “escolhendo” jornadas de dez, doze, quinze horas ou mais, sem folgas, apenas para pagar as contas.

Essa redução da jornada celetista, portanto, não combate a precarização — ao contrário, a estimula, criando uma janela temporal para o trabalhador ser explorado ainda mais, sob o manto da “pejotização”. E, ao contrário do que diz a narrativa oficial, isso não acontecerá por liberdade, mas por necessidade. Trabalharão mais porque a renda será insuficiente para o básico. Uma nova escravidão?

Enfim, se todas essas medidas passarem, se não repensarmos a regulação trabalhista para fazer frente ao novo cenário do mercado de trabalho e, principalmente, se não houver investimento sério em educação básica, o caminho será, lamentavelmente, só ladeira abaixo.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

A Gazeta integra o

Saiba mais
Carteira de Trabalho Mercado de trabalho CLT

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.

A Gazeta deseja enviar alertas sobre as principais notícias do Espirito Santo.